domingo, 5 de junho de 2016

Histórias de avoinha: a vida num tem mais vida qui a vida

Ensaio 82B – 2ª edição 1ª reimpressão

a vida num tem mais vida qui a vida


baitasar


a vida num tem mais vida qui a vida. os espritu num tem mais vida qui a vida, essa dos espritu é otra vida, num tem jeito. é bão assim, vivê a vida e partí. a vida num tem justeza, num tem carinho, num tem maldade, num tem virtude, num é justicêra, num é divina, é só toda vida qui a vida tem. e se ocê ficá com medo da vida num vai vivê a vida qui tem, se num vive a vida qui tem ocê tem uma vida qui num vive, tem só troca de nada e coisa nehuma, Muriquinhu, vivê pra tê coisa num é vivê. Os branco qui usa corrente nos pretu num vive, inté os espritu abandonô a vida nas redondeza deles. Pode parecê qui eles vive, mais num vive.

fazê silêncio parece fácil, mais num é

E o que estou fazendo aqui?

a preta num parecia querê lhe dá mais atenção qui tava oferecendo pru tabulêro das cura

Num sei... ninguém sabe, mais é bão aprendê cantá, dizê verso, tê coisa bunita pra mostrá.

os amuleto e as simpatia é os jeito das rezadêra escutá e falá com a otra vida. conhecê as fresta qui tem dum lado e dotro parece sê fácil, mais num é

Pensei que a Liberata fosse avoinha da avoinha, mas a senhora não teve filhos, não teve filhas.

fazê silêncio pra fazê o otro pensá precisa qui a vontade de escravizá o otro fique munto bem amarrada. o vício de tê escravo nunca perde o sentido pru hôme extraviado da vida. o feitiço de mandá – tê o podê de castigá ou perdoá – é só bajulação, mais num se desmancha como a água seca no sol. essa vontade quando tá solta enfeitiça os desavisado qui se pensa meió mais elegante nobre, e com tudo arrumado pra tê podê da vida ou da morte sobre os pretu

Pensei que a Liberata fosse avoinha da avoinha, tinha esperança que fosse, mas a senhora não fez filhos, não teve filhas. Escutou? Não sei o que estou fazendo aqui, ainda não nasci. Ainda não existo. É isso ou sou mais um daqueles vivos que morrem e não sabem que morreram. E com tantos lugares para conhecer por que vim para esse tempo da escravidão? Por que? Escutou? É isso, se a senhora fosse avoinha da avoinha seria minha avoinha duas vezes. Mas a senhora não é avoinha. Então, não sei por que fui carregado até essa tristeza toda, não sei. Liberata não teve filhos ou filhas.

fazê silêncio faz o otro pensá, num qué dizê qui os pensamento dotro é mais errado, num qué dizê qui é mais certo. escutá é meió qui julgá, ensina a cabeça sabê os pensamento dotro e os dois pode conversá, Neinhu, é preciso escutá pra mudá com mudança, mais cuidado, mudá o escravizado pra ele ficá mais acorrentado num é elegante, num é nobre, isso é atormentá com as treva os mais fraco. É bão tê cuidado, num tem ruindade meió ou pió, as ruindade num é só ruindade e as pessoa boa num é só boa, mais quando as ruim tem mais força com as mentira e as trapaça qui sabe bem fazê, elas convence muntu gente. E muntu gente qui num credita em maldade vai querê continuá tê escravo. Num vai sentí espanto e num vai deixá os pretu pensá meió a vida, num vai deixá os pretu tê as coisa meió da vida, num vai ensiná os pretu como ensina os branco, sempre vai tê medo ou lamentação ou coisa engraçada dos pretu pra espaiá no ventu.

ela oiô pru muriquinho, seguiu com a arrumação do tabulêro, num apressô a resposta qui num respondia nada, ensiná escutá tumbém liberta o otro qui só qué falá dos pensamento qui tem. é bão escutá – certo ou errado? num importa – as coisa errada pode num sê toda errada, as coisa certa tumbém pode tê erro. as coisa qui é feita é errada quando é as coisa feita qui num cuida da vida sê boa pra tudo qui é vida

o muriquinho ia e voltava no pelôinho

Pode sê qui tive, pode sê qui num tive. Num pedi nada, só quis alguma razão pra vivê minha vida sobre essa terra... resistindo... escapando...

o neinho desceu do pelôinho e foi inté liberata. esperô ela tirá os óio do tabulêro e colocá sua atenção nele. ela tava resistindo, lutava pra escapá. ele tava aprendendo esperá, mais as lição do aguardamento num tava completa. o muriquinho precisava ajuste pra sabê diferençá o modo cuidadoso pru feitio conformado de vivê

Então, não é verdade que a senhora não teve filhos ou filhas?

ele queria sabê pra entendê, ela queria pará de dizê do sofrimento qui teve e num acabô, queria podê fingí piquininino qui num aconteceu o qui aconteceu. pegô as duas sacola nas mão preta. num parecia tê abalo ou estremecimento, tava tudo socado na lonjura do tempo qui acomoda a tristeza e a amargura dum jeito qui num sangra, mais tumbém num cicatriza. é como acostumá vivê com uma ferida viva

tirô as erva e os chá, colocô no tabulêro, tudo com reza e cantoria. o sol já tava na altura qui esquentava, num tava a pino, mais tava longe da hora de descê inté se escondê nas água do rio. na subida do sol as água do rio ficava faiscando uma labareda dôrada, nas descida do dia, tudo ficava da cô qui escorria nas marca viva das chibatada, as água ficava encarnada, e depois, quase rosada

vamu chamá santé na calunga,
oia este camba
qui é fiu de Umbanda

Sê tê fiu é parí das perna a vida qui cresceu na barriga, tive muntu fiu ou fia qui vive tão espaiado qui nunca vi nehum, mais sê tê fiu é cuidá todo dia, toda noite, assim num tive. Ocê foi o primêro qui voltô.

o muriquinho pulô do pelôinho, abriu e fechô a boca, depois abriu e num fechô, num falô, parecia qui tudo qui ia dizê num queria saí. num podia incomodá com o desassossego egoísta das palavra qui num escuta a dô, num vê sofrimento, num se importa com a tristeza, só qué dizê do seu próprio desgosto

ele mediu se devia ou num devia deixá escapá da boca as palavra da caridade, dita com piedade sincera. essas palavra é um fingimento qui só procura a própria salvação, num luta com os sentido da paixão, mais reza e cuida de imaginá o juízo dos otro. uma reza qui sai boca pra fora, nunca boca pra dentro. é difícil sê caridoso da boca pra dentro, gritá a fúria contra as corrente qui maltrata toda e qualqué vida, é difícil sê assim quando se passô a vida aprendendo qui ganhá e vencê qualqué gosto diferente é sê meió e maió, é sê meió qui os otro. é difícil sê diferente quando se passa na vida querendo sê meió qui os otro

repartí é bão de falá, mais num é bão de fazê se ocê num consegue anunciá pra si mesmo qui a meió vida é a vida de todos. rezá da boca pra fora só mostra qui o rezamento é mentira. é preciso rezá pra dentro e gritá qui a vida pode caminhá nas rua sem apanhá ou sê morta. rezá pra dentro é o contrário de só parecê piedoso e caridoso, é o contrário de dá as roupa mais feia e podre pru pobre

ali, sentado nos degrau do pelôinho, o muriquinho tava descobrindo o amô da vida pela vida, o amô qui cuida tudo qui é vida

Por que, avoinha?

a muié ajoeiada nos pano da mesa inventô qui engasgô, arrancô um qui otro baruio da garganta. num tinha como dizê do tamanho das água qui afogava as alegria, num tinha palavra inventada pra contá a medida do sofrimento na mãe qui sente a dô quando a vida brota das perna e num vê nunca qui vida foi qui brotô. o muriquinho quase podia vê o qui tava dito pelas boca caridosa, as boca qui anunciava o feitio das muié preta, Essas negras se derramam para dentro, as águas do choro não vêm cá para fora. Só quem não é gente não chora pelo filho que nunca vai ver.

E precisa dizê, muriquinhu? O amô qui vive pra vida num sabe vivê pra morte.

todos os crimes, todos os vícios e todas as degradações da riqueza num deixava a preta vê a vida qui brotô das perna, mais num podia impedí ela de escutá o choro. guardava cada choro, cada vida qui o egoísmo da riqueza roubô dela tinha um choro, nehum era igual. num se repetia depois. ela sabia de cada fiu pelo choro, sabia se era fia ou fiu, sabia inté dizê se ia vivê o tempo de crescê. deu nome pra cada choro

e mais num disse

começô as conversa com os espritu, chamava eles pra colocá sua ajuda nas palavra de cura da benzedêra. fez um sorriso de surpresa quando viu uma piquinina joãinha pará no dedo do muriquinho

Num mexe a mão muriquinhu, sussurrô as palavra qui as mãe geme prus piquininino num acordá dos sonho de crescê, num se mexe muriquinhu, essa simpática e delicada joãinha escoieu seu dedo. Isso qué dizê qui hoje ocê tá afortunado e pode fazê um pedido. E cuida pru lugá qui ela avoá, é donde vem a sorte, o muriquinho oiava avoinha sem entendê os aviso, ocê contô as mancha?

Não... que mancha, avoinha?

As mancha da joãinha, muriquinhu... conta... precisa tê ligereza nos óio pra contá.

tava sentada nos garrão e os joêio no pano da mesa, o riso dos óio num chegava saí na garganta

Por que, avoinha?

primêro ela controlô seu divertimento, depois escondeu seu aborrecimento com as ignorância do muriquinho, A educação do neinhu tá muntu pôca no meu jeito de vê, ocê num sabe se vê livre das coisa ruim nem atina se protegê das maldade.

os qui credita qui bruxaria é maldição tá longe de tê entendimento qui a língua amaldiçoada tem mais ruindade qui todas bruzaria junta. ela carrega mais veneno qui a peçonha mais peçoenta, conhece as fraqueza qui fortalece o seu feitiço, ataca e esconde a língua forqueada. depois, espera o veneno circulá sem se mostrá. a peçoenta linguaruda sabe qui entrô dentro do sofrente quando o corpo atacado adoece descolorido, fica embaciado e sombrio, parece qui vai tombá sem tê escorregado

avoinha liberata precisava mostrá pru muriquinho qui ele num pode ficá preso na quietação da ruindade

É dito, desde muntu tempo, qui se uma joãinha com sete mancha acha ocê é siná da implicância do mau agôro, mais com menos de sete é hora de recebê coisa boa, arregalô os óio e ordenô, Conta!

num deu tempo, o animal voadô piquininino abriu as asa e partiu fazendo volta, foi dando volta inté a pedra mais alta do pelôinho. parô na argola cravada bem no alto da pedra espetada no chão. parecia num tá ali, mais tava. num esperô muntu pra abrí as asa e fazê voação. subiu mais um tanto e otro tanto inté os balaio das lavadêra. num se demorô, subiu otra veiz, parecia tá entregando coisa boa, fez mais volta e volta, inté pousá no chapéu dum hôme qui puxava dois pretu acorrentado. os óio do muriquinho voltô pra avoinha

As notícias da joaninha são para todos ou apenas para quem acredita?

Num esquece muriquinhu, ele num sabia qui as poesia e as mandinga num precisa explicação, as coisa qui vai acontecê já tá acontecendo. Sabê ou num sabê num serve muntu, mais é bão tê cuidado. Venha.

a preta sabia qui ensiná dá autoridade, mais educá com o gosto do próprio gosto num tem preço, Escuta, Fumaça. Num faço cura nem milagre, a cura tá dentro das pessoa, nas erva, nos chá, nas compressa. Mais tem coisa qui vai acontecê dum jeito ou dotro, qué ocê credite ou num credite. E qui cadum credite no qui qué creditá. A vida num foi feita pra durá, inté deus num vive mais qui a vida.

Então, o que fazemos agora?

a avoinha liberata acomodô meió o pano da cabeça, oiô na sua volta e abriu os abraço

É preciso conversá com os espritu qui tá aqui, na volta da pedra.


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