sexta-feira, 23 de setembro de 2016

XXX – Mitologia dos Orixás: Ajalá[272] [273]

Ajalá


Reginaldo Prandi



Ajalá modela a cabeça do homem



Odudua criou o mundo, Obatalá criou o ser humano.

Obatalá fez o homem de lama, com corpo, peito, barriga, pernas, pés. Modelou as costas e os ombros, os braços e as mãos. Deu-lhe ossos, pele e musculatura. Fez os machos com pênis e as fêmeas com vagina, para que um penetrasse o outro e assim pudessem se juntar e reproduzir. Pôs na criatura coração, fígado e tudo o mais que está dentro dela, inclusive o sangue.

Olodumare pôs no homem a respiração e ele viveu.

Mas Obatalá se esqueceu de fazer a cabeça e Olodumare ordenou a Ajalá que completasse a obra criadora de Oxalá.

Assim, é Ajalá quem faz as cabeças dos homens e mulheres. Quando alguém está para nascer, vai à casa do oleiro de barro e as cozinha no forno. Se Ajalá está bem, faz cabeças boas. Se está bêbado, faz cabeças malcozidas, passadas do ponto, malformadas.

Cada um escolhe o ori que vai ter na Terra. Lá escolhe uma cabeça para si. Cada um escolhe seu ori. Deve ser esperto, para escolher cabeça boa. Cabeça ruim é destino ruim, cabeça boa é riqueza, vitória, prosperidade, tudo o que é bom.

[272]





Ajalá faz as cabeças de três amigos



Quando Orunmilá veio ao mundo, teve de escolher sua cabeça, seu ori, mas não soube como fazê-lo bem e se sentia infeliz. Então, quando chegou a vez de seu filho Ofuapê nascer, Orunmilá ficou preocupado com a escolha da cabeça e foi até um babalaô para saber como proceder.

Consultado o oráculo, foi dito que Ofuapê seria bem-sucedido na Terra, mas, antes que seu filho deixasse o Orum, teria que ser oferecido um sacrifício de mil búzios.

Ofuapê tinha dois amigos, Oriseecu, filho de Ogum, e Orilemerê, filho de Ijá. Ambos vinham com ele à Terra. Oriseecu e Orilemerê cansaram de esperar por Ofuapê e resolveram seguir sem ele para a casa de Ajalá, onde iam escolher a cabeça antes de nascerem. Chegando lá, não encontraram Ajalá.

Ajalá estava sumido por causa dos credores.

Ele bebia demais e fazia dívidas que não podia pagar. Sempre havia credores na porta de Ajalá. Por isso os amigos não encontraram Ajalá em casa, mas viram lá várias e belas cabeças sobre prateleiras, prontas para serem usadas, e tomaram para si duas das que mais lhes agradaram. Oriseecu e Orilemerê vieram para o mundo.

Ofuapê, que chegara logo após a saída dos dois, encontrou na casa de Ajalá uma velha sentada no chão. Era uma credora.

Ela esperava pelo pagamento de mil búzios que Ajalá lhe devia pela compra de cerveja de milho. Ofuapê lhe deu os búzios e a velha foi-se embora. Ajalá que se escondera e tudo observara, apareceu todo contente pela ação de Ofuapê.

Ele levou Ofuapê para dentro e lhe mostrou as cabeças que tanto encantavam os homens, mas o advertiu de que apenas a beleza da cabeça não garantia uma vida plena de sucessos. Por não saberem escolher suas cabeças, os seres humanos só atraíam infortúnio para si. Assim, Ofuapê escolheu a cabeça adequada e veio para a Terra, onde tornou-se um rico e bem-sucedido homem.

Oriseecu e Orilemerê ficaram intrigados com o sucesso de Ofuapê. Suas cabeças eram bonitas mas não eram boas e eles viviam em dificuldade, enquanto Ofuapê ficara rico e realizado.

Eles então se perguntavam:

“Não foi no mesmo lugar que pegamos nossas cabeças? Não sei onde meu amigo pegou a sua cabeça. Eu iria lá buscar a minha também, se soubesse onde é. Seria o mesmo lugar onde pegamos a nossa cabeça? Mas o destino dele é tão diferente do nosso! Se soubesse onde Ofuapê escolheu a sua cabeça, eu escolheria uma igualzinha para mim”.

[273]




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Reginaldo Prandi, paulista de Potirendaba e professor titular de sociologia da Universidade de São Paulo, é autor de três dezenas de livros. Pela editora Hucitec publicou Os candomblés de São Paulo, pela Edusp, Um sopro do Espírito, e pela Cosac Naify, Os príncipes do destino. Dele, a Companhia das Letras publicou também Segredos guardados: orixás na alma brasileira; Morte nos búzios; Ifá, o Adivinho; Xangô, o Trovão; Oxumarê, o Arco-Íris; Contos e lendas afro-brasileiros: a criação do mundo; Minha querida assombração; Jogo de escolhas e Feliz Aniversário.



Prandi, Reginaldo. Mitologia dos Orixás / Reginaldo Prandi; ilustrações de Pedro Rafael. - São Paulo: Companhia das Letras, 2001.





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