Lima Barreto
O jornalista
A RANULFO PRATA
A CIDADE DE Sant’Ana dos pescadores fora em tempos idos uma cidadezinha próspera. Situada entre o mar e a montanha que escondia vastas vargens férteis, e muito próximo do Rio, os fazendeiros das planuras transmontanas preferiam enviar os produtos de suas lavouras, através de uma garganta, transformada em estrada, para, por mar, trazê-los ao grande empório da corte. O contrário faziam com as compras que aí faziam. Dessa forma, erguida à condição de uma espécie de entreposto de uma zona até bem pouco fértil e rica, ela cresceu e tomou ares galhardos de cidade de importância. As suas festas de igreja eram grandiosas e atraíam fazendeiros e suas famílias, alguns tendo mesmo casas de recreio apalaçadas nela. O seu comércio era por isso rico com o dinheiro que os tropeiros lhe deixavam. Veio, porém, a estrada de ferro e a sua decadência foi rápida. O transporte das mercadorias de “serra-acima” se desviou dela e os seus sobrados deram em descascar como velhas árvores que vão morrer. Os mercadores ricos a abandªram e os galpões de tropa desabaram. Entretanto, o sítio era aprazível, com as suas curtas praias alvas que foram separadas por desabamentos de grandes moles de granito da montanha verdejante do fundo do vilarejo, formando aglomerações de grossos pedregulhos.
A gente pobre, após a sua morte, deu em viver de pescarias, pois o mar aí era rumoroso e abundante de pescado de bom quilate.
Tripulando grandes canoas de voga, os seus pescadores traziam o produto de sua humilde indústria, vencendo mil dificuldades, até Sepetiba e, daí, à Santa Cruz, onde ele era embarcado em trem de ferro até o Rio de Janeiro.
Os ricos de lá, além dos fabricantes de cal de marisco, eram os taverneiros que, nessas vendas, como se sabe, vendem tudo, mesmo casimiras e arreios, e são os banqueiros. Lavradores não havia e até frutas iam do Rio de Janeiro.
As pessoas importantes eram o juiz de direito, o promotor, o escrivão, os professores públicos, o presidente da Câmara e o respectivo secretário. Este, porém, o Salomão Nabor de Azevedo, descendente dos antigos Nabores de Azevedo de “serraacima” e dos Breves, ricos fazendeiros, era o mais. Era o mais porque, além disto, se fizera o jornalista popular do lugar.
A ideia não fora dele, a de fundar – O Arauto, órgão dos interesses da cidade de Sant’Ana dos Pescadores; fora do promotor. Este veio a perder o jornal, de um modo curioso. O doutor Fagundes, o tal de promotor, começou a fazer oposição ao doutor Castro, advogado no lugar e, no tempo, presidente da Câmara. Nabor não via com bons olhos aquele e, certo dia, foi ao jornal e retirou o artigo do promotor e escreveu um descabelado de elogios ao doutor Castro, porque ele tinha suas luzes, como veremos. Resultado: Nabor, o nobre Nabor, foi nomeado secretário da Câmara e o promotor perdeu a importância de melhor jornalista local, que coube, daí por diante e para sempre, a Nabor. Como já disse, este Nabor recebera luzes num colégio de padres de Vassouras ou Valença, quando os pais eram ricos. O seu saber não era lá grande; não passava de gramaticazinha portuguesa, das quatro operações e umas citações históricas que aprendera com Fagundes Varela, quando este foi hóspede de seus pais, em cuja fazenda chegara, certa vez, de tarde, numa formidável carraspana e em trajes de tropeiro, calçado de tamancos.
O poeta gostara dele e lhe dera algumas noções de letras. Lera o Macedo e os poetas do tempo, daí o seu pendor para coisas de letras e de jornalismo.
Herdou alguma coisa do pai, vendera a fazenda e viera morar em Sant’Ana, onde tinha uma casa, também pela mesma herança. Casou aí com uma moça de alguma pecúnia e vivia a fazer política e a ler os jornais da corte, que assinava. Deixou os romances e apaixonou-se por José do Patrocínio, Ferreira de Meneses, Joaquim Serra e outros jornalistas dos tempos calorosos da abolição. Era abolicionista, porque... os seus escravos, ele os tinha vendido com a fazenda que herdara; e os poucos que tinha em casa, dizia que não os libertava, por serem da mulher.
O seu abolicionismo, com a Lei de 13 de maio, veio dar, naturalmente, algum prejuízo à esposa...
Enfim, após a República e a Abolição, foi várias vezes subdelegado e vereador de Sant’Ana. Era isto, quando o promotor Fagundes lembrou-lhe a ideia de fundar um jornal na cidade. Conhecia aquele a mania do último, por jornais, e a resposta confirmou a sua esperança:
– Boa ideia, “Seu” Fagundes! A “estrela do Abraão” (assim era chamada Sant’Ana) não ter um jornal! Uma cidade como esta, pátria de tantas glórias, de tão honrosas tradições, sem essa alavanca do progresso que é a imprensa, esse fanal que guia a humanidade – não é possível!
– O diabo, o diabo... fez Fagundes.
– Porque o diabo, Fagundes?
– E o capital?
– Entro com ele.
O trato foi feito e Nabor, descendente dos Nabores de Azevedo e dos famigerados Breves, entrou com o cobre; e Fagundes ficou com a direção intelectual do jornal. Fagundes era mais burro e, talvez, mais ignorante do que Nabor; mas este deixava-lhe a direção ostensiva porque era bacharel. O Arauto era semanal e saía sempre com um artiguete laudatório do diretor, à guisa de artigo de fundo, umas composições líricas, em prosa, de Nabor, aniversários, uns mofinos anúncios e os editais da Câmara Municipal. Às vezes, publicava certas composições poéticas do professor público. Eram sonetos bem quebrados e bem estúpidos, mas que eram anunciados como “trabalhos de um puro parnasiano que é esse Sebastião Barbosa, exímio educador e glória da nossa terra e da nossa raça”.
Às vezes, Nabor, o tal dos Nabores de Azevedo e dos Breves, honrados fabricantes de escravos, cortava alguma coisa de valia dos jornais do Rio e o jornaleco ficava literalmente esmagado ou inundado.
Dentro do jornal, reinava uma grande rivalidade latente entre o promotor e Nabor. Cada qual se julgava mais inteligente por decalcar ou pastichar melhor um autor em voga.
A mania de Nabor, na sua qualidade de profissional e jornalista moderno, era fazer do O Arauto um jornal de escândalo, de altas reportagens sensacionais, de enquêtes com notáveis personagens da localidade, enfim, um jornal moderno; a de Fagundes era a de fazê-lo um quotidiano doutrinário, sem demasias, sem escândalos – um Jornal do Comércio de Sant’Ana dos Pescadores, a “Princesa” do “O Seio de Abraão”, a mais formosa enseada do Estado do Rio.
Certa vez, aquele ocupou três colunas do grande órgão (e achou pouco), com a narração do naufrágio da canoa de pescaria – “Nossa Senhora do Ó”, na praia da Mabombeba. Não morrera um só tripulante.
Fagundes censurou-lhe:
– Você está gastando papel à toa!
Nabor retrucou-lhe:
– É assim que se procede no Rio com os naufrágios sensacionais. Demais: quantas colunas você gastou com o artigo sobre o direito de cavar “tariobas”, nas praias.
– É uma questão de marinhas e acrescidos; é uma questão de direito.
Assim, viviam aparentemente em paz, mas, no fundo, em guerra surda.
Com o correr dos tempos, a rivalidade chegou ao auge e Nabor fez o que fez com Fagundes. Reclamou este e o descendente dos Breves respondeu-lhe:
– Os tipos são meus; a máquina é minha; portanto, o jornal é meu.
Fagundes consultou os seus manuais e concluiu que não tinha direito à sociedade do jornal, pois não havia instrumento de direito bastante hábil para prová-la em juízo; mas, de acordo com a lei e vários jurisconsultos notáveis, podia reclamar o seu direito aos honorários de redator-chefe, à razão de 1:800$000. Ele o havia sido quinze anos e quatro meses; tinha, portanto, direito a receber 324 contos, juros de mora e custas.
Quis propor a causa, mas viu que a taxa judicial ia muito além das suas posses. Abandonou o propósito; e Nabor, o tal dos Azevedo e dos Breves, um dos quais recebera a visita do imperador, numa das suas fazendas, na da Grama, ficou único dono do jornal.
Dono do grande órgão, tratou de modificar-lhe o feitio carrança que lhe imprimira o pastrana do Fagundes. Fez inquéritos com o sacristão da irmandade; atacou os abusos das autoridades da Capitania do Porto; propôs, a exemplo de Paris, etc., o estabelecimento do exame das amas-de-leite, etc., etc. Mas, nada disso deu retumbância a seu jornal. Certo dia, lendo a notícia de um grande incêndio no Rio, acudiu-lhe a ideia de que se houvesse um em Sant’Ana, podia publicar uma notícia de “escacha”, no seu jornal, e esmagar o rival – O Baluarte – que era dirigido pelo promotor Fagundes, o antigo companheiro e inimigo. Como havia de ser? Ali, não havia incêndios, nem mesmo casuais. Esta palavra abriu-lhe um clarão na cabeça e completou-lhe a ideia. Resolveu pagar a alguém que atacasse fogo no palacete do doutor Gaspar, seu protetor, o melhor prédio da cidade. Mas, quem seria, se tentasse pagar a alguém? Mas... esse alguém se fosse descoberto denunciá-lo-ia, por certo. Não valia a pena... Uma ideia! Ele mesmo poria fogo no sábado, na véspera de sair o seu hebdomadário – O Arauto. Antes escreveria a longa notícia com todos os “ff” e “rr”. Dito e feito. O palácio pegou fogo inteirinho no sábado, alta noite; e de manhã, a notícia saía bem feitinha. Fagundes, que era já juiz municipal, logo viu a criminalidade de Nabor. Arranjou-lhe uma denúncia-processo e o grande jornalista Salomão Nabor de Azevedo, descendente dos Azevedos, do Rio Claro, e dos Breves, reis da escravatura, foi parar na cadeia, pela sua estupidez e vaidade.
Revista Sousa Cruz, Rio, julho 1921.
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8. Contos de Lima Barreto - Foi buscar lã...
O jornalista
A RANULFO PRATA
A CIDADE DE Sant’Ana dos pescadores fora em tempos idos uma cidadezinha próspera. Situada entre o mar e a montanha que escondia vastas vargens férteis, e muito próximo do Rio, os fazendeiros das planuras transmontanas preferiam enviar os produtos de suas lavouras, através de uma garganta, transformada em estrada, para, por mar, trazê-los ao grande empório da corte. O contrário faziam com as compras que aí faziam. Dessa forma, erguida à condição de uma espécie de entreposto de uma zona até bem pouco fértil e rica, ela cresceu e tomou ares galhardos de cidade de importância. As suas festas de igreja eram grandiosas e atraíam fazendeiros e suas famílias, alguns tendo mesmo casas de recreio apalaçadas nela. O seu comércio era por isso rico com o dinheiro que os tropeiros lhe deixavam. Veio, porém, a estrada de ferro e a sua decadência foi rápida. O transporte das mercadorias de “serra-acima” se desviou dela e os seus sobrados deram em descascar como velhas árvores que vão morrer. Os mercadores ricos a abandªram e os galpões de tropa desabaram. Entretanto, o sítio era aprazível, com as suas curtas praias alvas que foram separadas por desabamentos de grandes moles de granito da montanha verdejante do fundo do vilarejo, formando aglomerações de grossos pedregulhos.
A gente pobre, após a sua morte, deu em viver de pescarias, pois o mar aí era rumoroso e abundante de pescado de bom quilate.
Tripulando grandes canoas de voga, os seus pescadores traziam o produto de sua humilde indústria, vencendo mil dificuldades, até Sepetiba e, daí, à Santa Cruz, onde ele era embarcado em trem de ferro até o Rio de Janeiro.
Os ricos de lá, além dos fabricantes de cal de marisco, eram os taverneiros que, nessas vendas, como se sabe, vendem tudo, mesmo casimiras e arreios, e são os banqueiros. Lavradores não havia e até frutas iam do Rio de Janeiro.
As pessoas importantes eram o juiz de direito, o promotor, o escrivão, os professores públicos, o presidente da Câmara e o respectivo secretário. Este, porém, o Salomão Nabor de Azevedo, descendente dos antigos Nabores de Azevedo de “serraacima” e dos Breves, ricos fazendeiros, era o mais. Era o mais porque, além disto, se fizera o jornalista popular do lugar.
A ideia não fora dele, a de fundar – O Arauto, órgão dos interesses da cidade de Sant’Ana dos Pescadores; fora do promotor. Este veio a perder o jornal, de um modo curioso. O doutor Fagundes, o tal de promotor, começou a fazer oposição ao doutor Castro, advogado no lugar e, no tempo, presidente da Câmara. Nabor não via com bons olhos aquele e, certo dia, foi ao jornal e retirou o artigo do promotor e escreveu um descabelado de elogios ao doutor Castro, porque ele tinha suas luzes, como veremos. Resultado: Nabor, o nobre Nabor, foi nomeado secretário da Câmara e o promotor perdeu a importância de melhor jornalista local, que coube, daí por diante e para sempre, a Nabor. Como já disse, este Nabor recebera luzes num colégio de padres de Vassouras ou Valença, quando os pais eram ricos. O seu saber não era lá grande; não passava de gramaticazinha portuguesa, das quatro operações e umas citações históricas que aprendera com Fagundes Varela, quando este foi hóspede de seus pais, em cuja fazenda chegara, certa vez, de tarde, numa formidável carraspana e em trajes de tropeiro, calçado de tamancos.
O poeta gostara dele e lhe dera algumas noções de letras. Lera o Macedo e os poetas do tempo, daí o seu pendor para coisas de letras e de jornalismo.
Herdou alguma coisa do pai, vendera a fazenda e viera morar em Sant’Ana, onde tinha uma casa, também pela mesma herança. Casou aí com uma moça de alguma pecúnia e vivia a fazer política e a ler os jornais da corte, que assinava. Deixou os romances e apaixonou-se por José do Patrocínio, Ferreira de Meneses, Joaquim Serra e outros jornalistas dos tempos calorosos da abolição. Era abolicionista, porque... os seus escravos, ele os tinha vendido com a fazenda que herdara; e os poucos que tinha em casa, dizia que não os libertava, por serem da mulher.
O seu abolicionismo, com a Lei de 13 de maio, veio dar, naturalmente, algum prejuízo à esposa...
Enfim, após a República e a Abolição, foi várias vezes subdelegado e vereador de Sant’Ana. Era isto, quando o promotor Fagundes lembrou-lhe a ideia de fundar um jornal na cidade. Conhecia aquele a mania do último, por jornais, e a resposta confirmou a sua esperança:
– Boa ideia, “Seu” Fagundes! A “estrela do Abraão” (assim era chamada Sant’Ana) não ter um jornal! Uma cidade como esta, pátria de tantas glórias, de tão honrosas tradições, sem essa alavanca do progresso que é a imprensa, esse fanal que guia a humanidade – não é possível!
– O diabo, o diabo... fez Fagundes.
– Porque o diabo, Fagundes?
– E o capital?
– Entro com ele.
O trato foi feito e Nabor, descendente dos Nabores de Azevedo e dos famigerados Breves, entrou com o cobre; e Fagundes ficou com a direção intelectual do jornal. Fagundes era mais burro e, talvez, mais ignorante do que Nabor; mas este deixava-lhe a direção ostensiva porque era bacharel. O Arauto era semanal e saía sempre com um artiguete laudatório do diretor, à guisa de artigo de fundo, umas composições líricas, em prosa, de Nabor, aniversários, uns mofinos anúncios e os editais da Câmara Municipal. Às vezes, publicava certas composições poéticas do professor público. Eram sonetos bem quebrados e bem estúpidos, mas que eram anunciados como “trabalhos de um puro parnasiano que é esse Sebastião Barbosa, exímio educador e glória da nossa terra e da nossa raça”.
Às vezes, Nabor, o tal dos Nabores de Azevedo e dos Breves, honrados fabricantes de escravos, cortava alguma coisa de valia dos jornais do Rio e o jornaleco ficava literalmente esmagado ou inundado.
Dentro do jornal, reinava uma grande rivalidade latente entre o promotor e Nabor. Cada qual se julgava mais inteligente por decalcar ou pastichar melhor um autor em voga.
A mania de Nabor, na sua qualidade de profissional e jornalista moderno, era fazer do O Arauto um jornal de escândalo, de altas reportagens sensacionais, de enquêtes com notáveis personagens da localidade, enfim, um jornal moderno; a de Fagundes era a de fazê-lo um quotidiano doutrinário, sem demasias, sem escândalos – um Jornal do Comércio de Sant’Ana dos Pescadores, a “Princesa” do “O Seio de Abraão”, a mais formosa enseada do Estado do Rio.
Certa vez, aquele ocupou três colunas do grande órgão (e achou pouco), com a narração do naufrágio da canoa de pescaria – “Nossa Senhora do Ó”, na praia da Mabombeba. Não morrera um só tripulante.
Fagundes censurou-lhe:
– Você está gastando papel à toa!
Nabor retrucou-lhe:
– É assim que se procede no Rio com os naufrágios sensacionais. Demais: quantas colunas você gastou com o artigo sobre o direito de cavar “tariobas”, nas praias.
– É uma questão de marinhas e acrescidos; é uma questão de direito.
Assim, viviam aparentemente em paz, mas, no fundo, em guerra surda.
Com o correr dos tempos, a rivalidade chegou ao auge e Nabor fez o que fez com Fagundes. Reclamou este e o descendente dos Breves respondeu-lhe:
– Os tipos são meus; a máquina é minha; portanto, o jornal é meu.
Fagundes consultou os seus manuais e concluiu que não tinha direito à sociedade do jornal, pois não havia instrumento de direito bastante hábil para prová-la em juízo; mas, de acordo com a lei e vários jurisconsultos notáveis, podia reclamar o seu direito aos honorários de redator-chefe, à razão de 1:800$000. Ele o havia sido quinze anos e quatro meses; tinha, portanto, direito a receber 324 contos, juros de mora e custas.
Quis propor a causa, mas viu que a taxa judicial ia muito além das suas posses. Abandonou o propósito; e Nabor, o tal dos Azevedo e dos Breves, um dos quais recebera a visita do imperador, numa das suas fazendas, na da Grama, ficou único dono do jornal.
Dono do grande órgão, tratou de modificar-lhe o feitio carrança que lhe imprimira o pastrana do Fagundes. Fez inquéritos com o sacristão da irmandade; atacou os abusos das autoridades da Capitania do Porto; propôs, a exemplo de Paris, etc., o estabelecimento do exame das amas-de-leite, etc., etc. Mas, nada disso deu retumbância a seu jornal. Certo dia, lendo a notícia de um grande incêndio no Rio, acudiu-lhe a ideia de que se houvesse um em Sant’Ana, podia publicar uma notícia de “escacha”, no seu jornal, e esmagar o rival – O Baluarte – que era dirigido pelo promotor Fagundes, o antigo companheiro e inimigo. Como havia de ser? Ali, não havia incêndios, nem mesmo casuais. Esta palavra abriu-lhe um clarão na cabeça e completou-lhe a ideia. Resolveu pagar a alguém que atacasse fogo no palacete do doutor Gaspar, seu protetor, o melhor prédio da cidade. Mas, quem seria, se tentasse pagar a alguém? Mas... esse alguém se fosse descoberto denunciá-lo-ia, por certo. Não valia a pena... Uma ideia! Ele mesmo poria fogo no sábado, na véspera de sair o seu hebdomadário – O Arauto. Antes escreveria a longa notícia com todos os “ff” e “rr”. Dito e feito. O palácio pegou fogo inteirinho no sábado, alta noite; e de manhã, a notícia saía bem feitinha. Fagundes, que era já juiz municipal, logo viu a criminalidade de Nabor. Arranjou-lhe uma denúncia-processo e o grande jornalista Salomão Nabor de Azevedo, descendente dos Azevedos, do Rio Claro, e dos Breves, reis da escravatura, foi parar na cadeia, pela sua estupidez e vaidade.
Revista Sousa Cruz, Rio, julho 1921.
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