Parábolas de uma Professora
solidão a dois. sem entendimento
baitasar e paulo e marko
muitas vezes, quando estou muito cansada do olho das utopias, duvido-as. vejo-as me imobilizando, impedindo-me de aceitar a realidade possível: é impossível educar para a libertação, somos aquelas que semeiam a submissão. libertação do quê? não seria melhor a rendição? incondicional. deveríamos estar envolvidas com a aprendizagem da liberdade, mas estou sentada na fórmica fria dos nossos alunos e alunas. represada. um dique de águas turvas. não sinto nada no ar. falta a fumaça do meu cigarro. espero apenas mais um repetir-me em vão. será que haverá dia em que a terra irá parar, maluca de todos, desatinada da vida sem saber para onde ir
Vamos sentando, colegas. Enquanto todas se acomodam escrevo no quadro a pauta da reunião de hoje.
assim, está quase iniciando a tão esperada reunião pedagógica da semana. estou insuportável. espero que o altíssimo esteja suportável
Acemira, senta aqui.
a ofélia chama o esquadrão de demolição para abancar o inconfessável. não vou com a cara dela nem ela com a minha. cague-se
Cabayba...
diz-se que este é um grupinho de peso não pelo excesso de tecido adiposo. acho uma maldade desnecessária. mas por sua capacidade de atravessar a vida caminhando solitariamente. não se incomodam com olhares ou resmungos e só gostam quando se faz o que elas querem. eu as chamaria de achacadoras, é um gostar temporário. interesseiro. que se transforma em um não gostar, na primeira negativa às suas pequenas vontades efêmeras, veleidades e doençaria de bonecas
Gurias, o que temos para hoje?
a voz doce da acemira não permite que se adivinhe o que está por vir. ela me parece uma defunta egoísta. não importa o que você diga ou reze ela está morta e quer morrer todos na sua volta. senta nas cadeiras de fórmica verde
O cavaleiro solitário está colocando a pauta no quadro. Nosso chefe do pequeno exército de homens que mandam lá fora e aqui dentro querem repetir. Patético.
elas se revezam, essa foi a cabayba com sua voz rouca de gritar com seus alunos: eu não tem cara de idiota. exigindo silêncio. diga-se, a bem da verdade, em muitas vezes seus gritos resolvem. ela consegue a atenção da criançada. xingamentos educam ou deseducam
Espero que não me venha com uma reunião muito longa. Preciso buscar as crianças no colégio.
acemira e as vizinhas de fórmica verde e dura e fria
Acemira, teus filhos continuam naquele colégio de padre...
Não é colégio de padre, Ofélia, são jesuítas.
corrige-a com seus encontrões verbais, deixa transparecer que não teve uma meia-tarde muito fácil na sala de aula. perdeu a paciência, a sua menor virtude. não está disponível e acessível, mas por seu lado, a ofélia não tem muito aprimorada sua sensibilidade para perceber a dor e o humor das pessoas. continua por conta e risco
É um horror o que gastamos com o colégio das crianças: mensalidades, uniformes, folhas, lápis, caneta gel, livros, taxas de ACPM, passeios, sem falar das reuniões... aja tempo para tudo.
Por que não os coloca numa escola pública?
essa é uma boa pergunta. o marko faz uma pergunta óbvia. ele está em pé e aparece com a ventania que chega inesperada, janelas e portas batendo, todos correndo apressados e com medo e sentindo o desprazer do vento em seu rosto. os ventos preferem ficar lá fora. acho que vai chover. ele senta na fileira de cadeiras do meio, ao lado da ofélia. esse gosta do perigo
Chegou o brincalhão, bobão útil.
ninguém ri. ela continua, Não coloco meus filhos nesta bagunça, nem que a vaca venha a tossir e gritar au, au. Onde já se viu, aqui o aluno passa porque tem que avançar, e pronto. E o vestibular? Vou continuar pagando faculdade particular? Tenha dó! Quero meus filhos na urguis. A mensalidade das particulares tá demais. Já chega que não consigo me livrar do salário da empregada, fundo 13º 1/3 férias
a acemira parece ter acordado de seu torpor vespertino, pronta para o combate
A Acemira está podendo...
Isso se chama renda familiar, Jorge. Não tem nada que ver minhas crianças em escola pública. As coisas são o que são, outras parecem o que não são e...
continua uma acemira já decidida atacar de frente o seu opositor. caminha num chão conhecido. perambula sem destino pelo pavimento rasteiro do vulgar. classifica as pessoas em seres inferiores e humanos superiores. porém, cuida muito do meio ambiente, seu habitat serviçal, como cuida dos inferiores que lhe têm serventia na cozinha, na fábrica, na escola, na limpeza das ruas, na higiene dos banheiros, das salas de aula, do pátio escolar. finge que ama. só assim ela consegue desejar. nunca caminha junto dos pedreiros que constroem paredes e metalúrgicos que transformam pedra em aço. nem senta nem escuta seres inferiores
Eis o grande mistério dos seres humanos que se vangloriam da diversidade de pensamento e comportamento, mas têm uma dificuldade imensa em produzir caminhos comuns, nas diferentes maneiras de ser na vida e do querer viver.
Somos todos diferentes, Marko.
Concordo, Acemira. Todos somos diferentes, mas não podemos diferir do senso comum. Quanto mais normais, mais nossas loucuras permanecem escondidas. Submersas em águas escuras, sem nenhuma luz além daquela que permitimos através do nosso olho saudável. A pureza é nosso pecado. O medo a nossa menor virtude. Precisamos deixar de ter sempre razão, nossas certezas nos levam a uma solidão a dois, sem entendimento. Perdemos o desejo pelo um. E o um pelo outro.
Cansei de morrer todos os dias um pouquinho.
Acemira, esse morrer em silêncio não vai nos salvar. Não podemos ser salvos da morte, mas nossa voz pode nos salvar dessa inconstância em que mergulharmos pelo individualismo e fatalismo. Precisamos voltar no tempo de sermos aprendizes. Parar de acusar. Xingar. Assim, morrermos antes da morte. Deixamos de saber quem somos juntos. No coletivo. E nos incomodamos com os trejeitos baseados nos princípios da soberania popular, da distribuição eqüitativa do poder. Não pertencemos às classes populares, ou não queremos. Negamo-nos no povo, rejeitamos o proletariado. Queremos a burguesia, mas somos assalariados. Estudamos tanto.
O comunistinha se soltou...
Somos os seus professores, o marko interrompe a acemira suave e decididamente. ele a deixa procurando o próprio pensamento. acho que não o encontra tão cedo, Permanecemos uma classe social que diz educar o pobre: alunos e alunas das classes populares, apenas para avançar socialmente na opressão do ter mais, consumindo a si mesmo. Não seremos mais e melhores comprando.
Marko!
ele se vira na direção da abigail, sorri. ela está sentada junto com o professor adail e a lélia, no fundo da sala, mais a frente está sentado o samuel e as professoras fernanda maura, elisa, desirée e lia, os demais colegas ainda se acomodam, enquanto entra a camilla. parece que a reunião vai começar. o marko levantou e dirige à professora acemira um sorriso de até breve. vai até a professora abigail
Posso sentar-me?
Claro.
Boa tarde. Vamos iniciar nossa reunião semanal, ao anuncio do diretor, sinto vontade de me abandonar aos sentimentos de estar no corredor, longe destas conversas que estão apenas começando. longe. as conversas que não param, pessoas que não querem ouvir. nem falar além dos cochichos. parece que acreditamos que todos os dizeres têm que se submeterem aos nossos quereres de falar e cochichar. permanecemos todo o tempo da reunião aos cochichos e segredos, dissertando contra e a favor, não importa. não nos importamos em ouvir, somos o centro, atingidas sempre e com mais intensidade pelas ondas sísmicas provocadas pelas hordas das salas de aula, mas temos colegas mais suásticos, mais imolados em holocausto aos deuses da educação. alguns precisam ser educados. não basta o diploma. reclamamos quando não há reunião e lastimamos quando temos as reuniões. desolados. parecemos doentes. sofridas. não conseguimos calar para escutar os sentidos do que falamos. estamos insensíveis a nós mesmas. assim, não conseguiremos os alunos que tanto queremos. alunos menos alienados e extravagantes, mais lúcidos. por onde andam os deuses da chuva e trovões? e até quando iremos competir com os professores e professoras que seríamos? cansamos do que seríamos? a juventude que tivemos se desfez em medíocres possibilidades? aqui, com as cócoras abancadas nas fórmicas verdes e duras, meus demônios não respondem
chegamos em conta gotas, espremidos, apequenadas, não nos tomamos conta, A gente pode sentar em qualquer um, esse que diz a pergunta de modo solene, sem atrevimento, invariavelmente, está vestindo a camiseta do time de futebol do seu assonsado coração. sofre, torce, dobra, entorta e diz que morre pelo seu time. acredito. ele acredita ser feliz com a bola embaixo do braço e gritos copiados da guerra intestina. está sempre nos convidando para um pequeno jogo. não se desvia deste mundinho redondo de machos e lágrimas e sorrisos misturado às idéias fixas dos palavrões, xingamentos, apedrejamentos e mortes. avança com insistência entre os mundos destrutivos dos amigos ou inimigos. jogam e jogam até que suam amortecidos e cheirando ruim. sentem-se estrelas magníficas no seu pequeno brilho escondido, continuam invisíveis. seu vigor vem moldado em aparência numa tosse de vulcão. durante o jogo estão mortos. nenhuma serventia, apenas o uso da emoção possuída pela bola. depois, é a ruína ou o apogeu. sinceramente, não me sinto atraída, principalmente, depois de quinze minutos de correria atrás da bola, Vocês precisam mais do banho do que dos livros e das letras, A sala de aula fica insuportável. estão mudos de surdos. entram. jovens guerreiros. nada a fazer, por enquanto. vivo num mundo de homens, Professor Abá, isto é muito complicado, reclama uma colega em pé à porta. coitada, está assustada e, na dúvida, fica com um pé no corredor e o outro nos computadores. cabelos brancos, desalinhados, olhos arregalados, assustados e desconfiados. fica ali, como se o mundo estivesse parando, mas ela não pode sair, por aí, correndo, e aos pulos avisar feliz, O mundo acabou, esse mundo de escravos e senhores acabou. E vai começar de novo, recomeçar, Haverá segunda época, exame de recuperação, pergunta o colega que já rodou cinco vezes na mesma série. não o conheço pelo nome. gosto da ideia de um outro mundo. eu mesma me animaria com os proclames, anunciando em voz bem alta, Chegará o dia dos pobres e desvalidos, o dia do reino prometido se bastou de ir embora, a alegria e o prazer do fim dos tempos veio nos trazer o alimento que nos fora reservado, porque negado em vida. havia demorado o cacete esse dia de valimento e muitos já haviam se ido pra terra dos pés juntos de tão doentinhos e magrinhos, amiudados de desesperança. mas, finalmente, aconteceria o nosso amanhecer e com o dedo em riste continuaríamos, Para aqueles que crêem nada há de faltar, digam meu Nome pronunciado em voz alta, curvem os olhos, pois atingimos o prestígio, perante a opinião das outras almas, agora também somos pequenas burguesas no reino celestial. sonha com privilégios. sonho com direitos atendidos. eis nossa recheada quimera de consumo atendida, pele macia e as rugas nem mais tarde, se é que existem rugas no paraíso, No reino prometido não deve haver rugas, virgens, fungos, sífilis, preconceitos, infâmia, inveja, estupro, intrigas, falsidades, nenhum jogo de poder e sedução, mas o prazer permanente, o beijo quente, o toque das mãos, a permanência do olhar que desnuda, a tua língua molhada e quente. não crio expectativas, mas é incrível como consegues me surpreender. está mistura louca de mãos, bocas, corpos, sensações, prazeres, gozos diferentes toda vez, o paraíso é uma delícia, Será que por lá se usa calcinha, Um grande final feliz. viajar pelos domínios do paraíso, descobrir nestas viagens o prazer de existir no amor, nos teus olhos de brilho e desejo, mesmo o corpo gemendo na longa espera, enquanto me abraças e entras em mim, sou da felicidade, dos banhos sem fim entre ondas de azul, Nunca mais irei calar por desalento, O mundo prometido será dos desprotegidos
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Leia também:
Teatro Pedagógico: general
Parábolas de uma Professora
solidão a dois. sem entendimento
baitasar e paulo e marko
muitas vezes, quando estou muito cansada do olho das utopias, duvido-as. vejo-as me imobilizando, impedindo-me de aceitar a realidade possível: é impossível educar para a libertação, somos aquelas que semeiam a submissão. libertação do quê? não seria melhor a rendição? incondicional. deveríamos estar envolvidas com a aprendizagem da liberdade, mas estou sentada na fórmica fria dos nossos alunos e alunas. represada. um dique de águas turvas. não sinto nada no ar. falta a fumaça do meu cigarro. espero apenas mais um repetir-me em vão. será que haverá dia em que a terra irá parar, maluca de todos, desatinada da vida sem saber para onde ir
Vamos sentando, colegas. Enquanto todas se acomodam escrevo no quadro a pauta da reunião de hoje.
assim, está quase iniciando a tão esperada reunião pedagógica da semana. estou insuportável. espero que o altíssimo esteja suportável
Acemira, senta aqui.
a ofélia chama o esquadrão de demolição para abancar o inconfessável. não vou com a cara dela nem ela com a minha. cague-se
Cabayba...
diz-se que este é um grupinho de peso não pelo excesso de tecido adiposo. acho uma maldade desnecessária. mas por sua capacidade de atravessar a vida caminhando solitariamente. não se incomodam com olhares ou resmungos e só gostam quando se faz o que elas querem. eu as chamaria de achacadoras, é um gostar temporário. interesseiro. que se transforma em um não gostar, na primeira negativa às suas pequenas vontades efêmeras, veleidades e doençaria de bonecas
Gurias, o que temos para hoje?
a voz doce da acemira não permite que se adivinhe o que está por vir. ela me parece uma defunta egoísta. não importa o que você diga ou reze ela está morta e quer morrer todos na sua volta. senta nas cadeiras de fórmica verde
O cavaleiro solitário está colocando a pauta no quadro. Nosso chefe do pequeno exército de homens que mandam lá fora e aqui dentro querem repetir. Patético.
elas se revezam, essa foi a cabayba com sua voz rouca de gritar com seus alunos: eu não tem cara de idiota. exigindo silêncio. diga-se, a bem da verdade, em muitas vezes seus gritos resolvem. ela consegue a atenção da criançada. xingamentos educam ou deseducam
Espero que não me venha com uma reunião muito longa. Preciso buscar as crianças no colégio.
acemira e as vizinhas de fórmica verde e dura e fria
Acemira, teus filhos continuam naquele colégio de padre...
Não é colégio de padre, Ofélia, são jesuítas.
corrige-a com seus encontrões verbais, deixa transparecer que não teve uma meia-tarde muito fácil na sala de aula. perdeu a paciência, a sua menor virtude. não está disponível e acessível, mas por seu lado, a ofélia não tem muito aprimorada sua sensibilidade para perceber a dor e o humor das pessoas. continua por conta e risco
É um horror o que gastamos com o colégio das crianças: mensalidades, uniformes, folhas, lápis, caneta gel, livros, taxas de ACPM, passeios, sem falar das reuniões... aja tempo para tudo.
Por que não os coloca numa escola pública?
essa é uma boa pergunta. o marko faz uma pergunta óbvia. ele está em pé e aparece com a ventania que chega inesperada, janelas e portas batendo, todos correndo apressados e com medo e sentindo o desprazer do vento em seu rosto. os ventos preferem ficar lá fora. acho que vai chover. ele senta na fileira de cadeiras do meio, ao lado da ofélia. esse gosta do perigo
Chegou o brincalhão, bobão útil.
ninguém ri. ela continua, Não coloco meus filhos nesta bagunça, nem que a vaca venha a tossir e gritar au, au. Onde já se viu, aqui o aluno passa porque tem que avançar, e pronto. E o vestibular? Vou continuar pagando faculdade particular? Tenha dó! Quero meus filhos na urguis. A mensalidade das particulares tá demais. Já chega que não consigo me livrar do salário da empregada, fundo 13º 1/3 férias
a acemira parece ter acordado de seu torpor vespertino, pronta para o combate
A Acemira está podendo...
Isso se chama renda familiar, Jorge. Não tem nada que ver minhas crianças em escola pública. As coisas são o que são, outras parecem o que não são e...
continua uma acemira já decidida atacar de frente o seu opositor. caminha num chão conhecido. perambula sem destino pelo pavimento rasteiro do vulgar. classifica as pessoas em seres inferiores e humanos superiores. porém, cuida muito do meio ambiente, seu habitat serviçal, como cuida dos inferiores que lhe têm serventia na cozinha, na fábrica, na escola, na limpeza das ruas, na higiene dos banheiros, das salas de aula, do pátio escolar. finge que ama. só assim ela consegue desejar. nunca caminha junto dos pedreiros que constroem paredes e metalúrgicos que transformam pedra em aço. nem senta nem escuta seres inferiores
Eis o grande mistério dos seres humanos que se vangloriam da diversidade de pensamento e comportamento, mas têm uma dificuldade imensa em produzir caminhos comuns, nas diferentes maneiras de ser na vida e do querer viver.
Somos todos diferentes, Marko.
Concordo, Acemira. Todos somos diferentes, mas não podemos diferir do senso comum. Quanto mais normais, mais nossas loucuras permanecem escondidas. Submersas em águas escuras, sem nenhuma luz além daquela que permitimos através do nosso olho saudável. A pureza é nosso pecado. O medo a nossa menor virtude. Precisamos deixar de ter sempre razão, nossas certezas nos levam a uma solidão a dois, sem entendimento. Perdemos o desejo pelo um. E o um pelo outro.
Cansei de morrer todos os dias um pouquinho.
Acemira, esse morrer em silêncio não vai nos salvar. Não podemos ser salvos da morte, mas nossa voz pode nos salvar dessa inconstância em que mergulharmos pelo individualismo e fatalismo. Precisamos voltar no tempo de sermos aprendizes. Parar de acusar. Xingar. Assim, morrermos antes da morte. Deixamos de saber quem somos juntos. No coletivo. E nos incomodamos com os trejeitos baseados nos princípios da soberania popular, da distribuição eqüitativa do poder. Não pertencemos às classes populares, ou não queremos. Negamo-nos no povo, rejeitamos o proletariado. Queremos a burguesia, mas somos assalariados. Estudamos tanto.
O comunistinha se soltou...
Somos os seus professores, o marko interrompe a acemira suave e decididamente. ele a deixa procurando o próprio pensamento. acho que não o encontra tão cedo, Permanecemos uma classe social que diz educar o pobre: alunos e alunas das classes populares, apenas para avançar socialmente na opressão do ter mais, consumindo a si mesmo. Não seremos mais e melhores comprando.
Marko!
ele se vira na direção da abigail, sorri. ela está sentada junto com o professor adail e a lélia, no fundo da sala, mais a frente está sentado o samuel e as professoras fernanda maura, elisa, desirée e lia, os demais colegas ainda se acomodam, enquanto entra a camilla. parece que a reunião vai começar. o marko levantou e dirige à professora acemira um sorriso de até breve. vai até a professora abigail
Posso sentar-me?
Claro.
Boa tarde. Vamos iniciar nossa reunião semanal, ao anuncio do diretor, sinto vontade de me abandonar aos sentimentos de estar no corredor, longe destas conversas que estão apenas começando. longe. as conversas que não param, pessoas que não querem ouvir. nem falar além dos cochichos. parece que acreditamos que todos os dizeres têm que se submeterem aos nossos quereres de falar e cochichar. permanecemos todo o tempo da reunião aos cochichos e segredos, dissertando contra e a favor, não importa. não nos importamos em ouvir, somos o centro, atingidas sempre e com mais intensidade pelas ondas sísmicas provocadas pelas hordas das salas de aula, mas temos colegas mais suásticos, mais imolados em holocausto aos deuses da educação. alguns precisam ser educados. não basta o diploma. reclamamos quando não há reunião e lastimamos quando temos as reuniões. desolados. parecemos doentes. sofridas. não conseguimos calar para escutar os sentidos do que falamos. estamos insensíveis a nós mesmas. assim, não conseguiremos os alunos que tanto queremos. alunos menos alienados e extravagantes, mais lúcidos. por onde andam os deuses da chuva e trovões? e até quando iremos competir com os professores e professoras que seríamos? cansamos do que seríamos? a juventude que tivemos se desfez em medíocres possibilidades? aqui, com as cócoras abancadas nas fórmicas verdes e duras, meus demônios não respondem
chegamos em conta gotas, espremidos, apequenadas, não nos tomamos conta, A gente pode sentar em qualquer um, esse que diz a pergunta de modo solene, sem atrevimento, invariavelmente, está vestindo a camiseta do time de futebol do seu assonsado coração. sofre, torce, dobra, entorta e diz que morre pelo seu time. acredito. ele acredita ser feliz com a bola embaixo do braço e gritos copiados da guerra intestina. está sempre nos convidando para um pequeno jogo. não se desvia deste mundinho redondo de machos e lágrimas e sorrisos misturado às idéias fixas dos palavrões, xingamentos, apedrejamentos e mortes. avança com insistência entre os mundos destrutivos dos amigos ou inimigos. jogam e jogam até que suam amortecidos e cheirando ruim. sentem-se estrelas magníficas no seu pequeno brilho escondido, continuam invisíveis. seu vigor vem moldado em aparência numa tosse de vulcão. durante o jogo estão mortos. nenhuma serventia, apenas o uso da emoção possuída pela bola. depois, é a ruína ou o apogeu. sinceramente, não me sinto atraída, principalmente, depois de quinze minutos de correria atrás da bola, Vocês precisam mais do banho do que dos livros e das letras, A sala de aula fica insuportável. estão mudos de surdos. entram. jovens guerreiros. nada a fazer, por enquanto. vivo num mundo de homens, Professor Abá, isto é muito complicado, reclama uma colega em pé à porta. coitada, está assustada e, na dúvida, fica com um pé no corredor e o outro nos computadores. cabelos brancos, desalinhados, olhos arregalados, assustados e desconfiados. fica ali, como se o mundo estivesse parando, mas ela não pode sair, por aí, correndo, e aos pulos avisar feliz, O mundo acabou, esse mundo de escravos e senhores acabou. E vai começar de novo, recomeçar, Haverá segunda época, exame de recuperação, pergunta o colega que já rodou cinco vezes na mesma série. não o conheço pelo nome. gosto da ideia de um outro mundo. eu mesma me animaria com os proclames, anunciando em voz bem alta, Chegará o dia dos pobres e desvalidos, o dia do reino prometido se bastou de ir embora, a alegria e o prazer do fim dos tempos veio nos trazer o alimento que nos fora reservado, porque negado em vida. havia demorado o cacete esse dia de valimento e muitos já haviam se ido pra terra dos pés juntos de tão doentinhos e magrinhos, amiudados de desesperança. mas, finalmente, aconteceria o nosso amanhecer e com o dedo em riste continuaríamos, Para aqueles que crêem nada há de faltar, digam meu Nome pronunciado em voz alta, curvem os olhos, pois atingimos o prestígio, perante a opinião das outras almas, agora também somos pequenas burguesas no reino celestial. sonha com privilégios. sonho com direitos atendidos. eis nossa recheada quimera de consumo atendida, pele macia e as rugas nem mais tarde, se é que existem rugas no paraíso, No reino prometido não deve haver rugas, virgens, fungos, sífilis, preconceitos, infâmia, inveja, estupro, intrigas, falsidades, nenhum jogo de poder e sedução, mas o prazer permanente, o beijo quente, o toque das mãos, a permanência do olhar que desnuda, a tua língua molhada e quente. não crio expectativas, mas é incrível como consegues me surpreender. está mistura louca de mãos, bocas, corpos, sensações, prazeres, gozos diferentes toda vez, o paraíso é uma delícia, Será que por lá se usa calcinha, Um grande final feliz. viajar pelos domínios do paraíso, descobrir nestas viagens o prazer de existir no amor, nos teus olhos de brilho e desejo, mesmo o corpo gemendo na longa espera, enquanto me abraças e entras em mim, sou da felicidade, dos banhos sem fim entre ondas de azul, Nunca mais irei calar por desalento, O mundo prometido será dos desprotegidos
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Parábolas de uma Professora