segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Teatro Pedagógico: sementes germinantes III

Parábolas de uma Professora



sementes germinantes


baitasar e paulo e marko




III



Caminhemos sozinhos os primeiros passos se for necessário. Aproximando-nos. Permitindo a chegada do outro e já não estaremos desacompanhadas. Iremos dessa maneira tecendo a teia de um fazer diferente. As realidades são diferentes. E que não sucumba ao primeiro fazer diferente que nos exija mais que discursar. Diagnósticos práticos e utilitários todos fazem. Nem todos conseguem ou querem construir uma história diversa dos choros e das reclamações, muitos preferem abdicar dos sabores intensos e coletivos da vida.

quando o paulo para e respira não abdica da palavra, mas deixa a palavra com o marko. não quer a sua própria palavra como única ou encantada

Paulo, acho que você concorda comigo que o poder não está dentro da escola.

São tantos pequenos poderes, Marko.

Sim, mas a essência se encontra fora de seus muros opressores, paredes fortes e delimitadoras de um agir mecânico e black-tie. Esses muros não precisam ser opressores. Mas essa é sua força, reprodução assexuada e fragmentada para suprir as necessidades do emprego. Não resistimos ao mercado ditador do lucro e da estética. Ficamos indiferentes. Nossos títulos de mestres e doutores servem para a sociedade branca que nos faz e nos molda indiferentes ao sofrimento. Os deserdados desta sociedade julgam a si desajeitados e sem futuro. Nossos títulos não nos aproximam. Bonecos que ensinam, bonecos que aprendem. Muitos bonecos e bonecas de pau, muito mais consumo, mais produção, mais acumulo de riquezas, mais lixo, mais só do presente entre os mesmos fazedores de bonecos de louça ou espantalhos de palha.

os professores marko e paulo olham a mesma coisa, depois saem em busca dos olhares da professora antonia, com um pequeno sorriso nos lábios. um coletivo cúmplice de mentes educadoras, a esperança de formar pensamentos e ações coletivas. incluindo nas almas educadoras, que não se colocam antecipadamente contra qualquer atitude de pensar mudanças, a possibilidade de se educarem numa perspectiva diferente, no sentido da solidariedade, não no sentido da solidariedade ingênua, em que um afago, um sorriso, um olhar irá acabar com o sofrimento e a dor da fome, da falta de saúde, da falta de moradia, da falta de se ver e ser visto como um ser humano da humanidade histórica com passado e futuro, não apenas presente. precisamos nos educar na solidariedade participativa libertadora, pensando nós mesmos o mundo, agindo entre nós e com nossos alunos no mundo, sobre os gritos e os silêncios que nos fazem passar de fora para dentro, penetrando e continuando em mudança, fugindo da mistificação do real, da mastigação do social, olhar e enxergar o perto e o longe, o hoje e o amanhã

Não aceitar a cegueira fácil da acomodação e da resposta simples, dócil, ingênua e propensa a confiar que no fim tudo se ajeita. Basta fechar os olhos e rezar. E não precisamos ficar tão incomodados.

Isso mesmo, Antonia. Necessitamos contrariar conceitos seculares, que, ainda hoje, se arrastam entre nossos pés e vendam com tarjas invisíveis nossos olhos, quando aceitamos sussurros e insinuações estabelecendo que os pobres, que encontramos em nossas escolas, só o são pobres porque preferem pedir a trabalhar. Na hipótese de realmente acreditarmos nisso, pensamento fascistóide, precisamos enxergar o nosso entorno como nunca antes o fizemos e fazer perguntas simples a nós mesmos.

Marko, para exemplificar isso, tenho algumas perguntinhas: Quanto em quilômetro andará por dia, puxando o seu carrinho, aquele papeleiro como se o cavalo fosse? E para os motoristas incomodados com o estorvo de um cavalo pangaré tão lento, esse homem não é mais que um cavalo! Por certo, faz mais que eu e o carro, entre o crematório público de sonhos e minha casa!

Calma, Antonia, a reunião nem mesmo começou e já nos transformou em réus confessos!

a ofélia e seu pequeno exército precisam amedrontar homens e mulheres para definir uma falsa realidade

Quanto do lixo, resíduos de nossas casas, aquela mulher e a adolescente conseguem recolher por dia de trabalho, tocando o cavalo que puxa a carroça?

Alguém precisa se ocupar dessas coisas! Precisamos de miseráveis para recolher o lixo.

eita cabayba. elas se revezam, também

O consumo das vidas é tão intenso que obrigamos os catadores a se especializarem. Nos dias de hoje, temos os catadores de lata, outros só catam papelão, vidros quebrados ou não, mas temos também os catadores, como aquelas duas meninas na carroça que só carregam os nossos resíduos orgânicos, restos de comida.

o nosso lixo de desprezos é apanhado por essas duas meninas para alimentar os animais. e você acredita nisso? não será primeiro para as galinhas, os porcos, o cavalo da carroça. o lixo que sai da minha casa e está na calçada será usado para alimentar a si e suas crianças, assim sendo, como transformar essas mortes em opção pedagógica, em material de reflexão didático? retorno de meus delírios a tempo de ouvir o marko

O coletivo é um organismo social vivo e, por isso mesmo, é trabalho social útil aos fundamentos de uma proposta educativa coletiva, onde cada um desempenha um papel no contexto da construção do todo, na perspectiva de que não é nem o melhor nem o pior, mas um componente humano importante e fundamental para a felicidade coletiva.

E Marko, me perguntam, como organizar na escola um sistema de interligação coletiva, possibilitando que todos aqueles e aquelas pertencentes a este universo não se percebam isoladamente, mas tenham a exata noção do todo a que fazem parte. Respondo que podemos começar distribuindo responsabilidades entre todos e todas. Com disciplina, afeto, e uma permanente discussão coletiva na busca da liberdade, que desoprimindo livra-nos da opressão e da solidão.

não sei quem fará esse papel. os gestores da escola desempenharão sua parte do personagem que lhes cabe, pergunto aos sonhos que mantenho enfiados em mim. conheço sonhos que são reais nas tentativas individuais de professores e seus alunos, ou de poucas escolas e suas comunidades, mas precisamos avançar para mais, muitas professoras, muitos professores, centenas de mais alunas e alunos, multiplicar nas escolas o pão e o vinho da esperança que brota dentro de todas as nossas pequenas ações do dia após dia. investir contra o egoísmo e o cinismo, acolher os ingênuos para dizer-lhes que nos queiram bem, mas urge acordar e caminhar. saboreio sobre pequenos jornais escolares comandados por alunas e professores em distribuição coletiva de funções, fotógrafos, editoras, digitadores, repórteres, colunistas. escrevo sobre pequenas hortas cultivadas por enxadadas de alunos comprometidos e alunas compromissadas com o semear e proteger a vida, falo sobre pequenos grupos de teatro, música, danças, saraus literários. uma escola que dança e canta e brinca. precisamos comprometer a todos com o ser mais, tendo mais humanidade. chega de deixarmos que nos roubem quem queremos ser

Gente, por favor, chega! Vamos guardar os nossos argumentos teóricos para o momento da discussão pedagógica.

Não são argumentos teóricos, Cabayba. São sonhos! Desejos veementes do espírito desses homens e mulheres que vivem a vida que tu e eu não conseguimos, acovardamos! Preferimos a escuridão mesquinha das disputas nas gramáticas, mapas, datas, bolas e tabuadas.

o professor aguinaldo não consegue dissimular a fraterna admiração que tem por marko e paulo. não cansa de repetir que a história da nossa escola irá reverenciar dois professores bruxos do amor pedagógico, mas o corpo docente começava a se inquietar e fazer muxoxos nervosos. consultando a todo instante o relógio, nosso algoz permitido. somos indivíduos sem prazer no coletivo, contrariados pela inexistência de um trabalho solidário. e nas oportunidades que se apresentam - por inércia ou em uma tentativa intencional de reflexão coletiva - fugimos para os nossos compromissos solitários e o queixume eterno: a falta de tempo, a falta de condições, a falta de um salário digno, a falta de saúde, a falta de juventude, a falta de felicidade, a falta de crer e querer, a falta de dinheiro, a falta de filhos, os filhos em excesso, a falta de consolo em amigos de longe ou de perto, a falta de fé em sonhos possíveis de sonhar, a falta de feriados e pontes e feriadões, a falta de beleza. como conseguir ser uma pessoa normal e voar? só isso, voar do plano racional para o sensível, do espontâneo para o intencional, do ingênuo para o crítico, cínico para o amoroso


Professor Paulo, no momento da sua chegada, estávamos lembrando de algumas situações administrativas que estão ocorrendo e com certeza interferindo no pedagógico.

continuamos voltadas para o diretor aguinaldo como pacatos cidadãos chamados à atenção, de novo não me sinto à vontade. está estrada não vai dar em nada, não sou feliz e não sou louca, tento não ser uma normal que senta na fórmica e chama um por um, uma por uma, para mostrar um caderno com as cópias do quadro, existe razão para colecionar certos e errados em cadernos? ninguém animada para responder? estamos transformando ou fabricando bonecos? precisamos decidir, a fenda vem nos engolindo, nossa morte é certa. e eu, sei quem sou? será que sei, mesmo




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