Juan Rulfo
17. Pedro Páramo: Por el techo abierto al cielo
Después salió la estrella de la tarde, y más tarde la luna.
El hombre y la mujer no estaban conmigo. Salieron por la puerta que daba al patio y cuando regresaron ya era de noche. Así que ellos no supieron lo que había sucedido mientras andaban afuera.
Y esto fue lo que sucedió:
Viniendo de la calle, entró una mujer en el cuarto. Era vieja de muchos años, y flaca como si le hubieran achicado el cuero. Entró y paseó sus ojos redondos por el cuarto. Tal vez hasta me vio. Tal vez creyó que yo dormía. Se fue derecho a donde estaba la cama y sacó de debajo de ella una petaca. La esculcó. Puso unas sábanas debajo de su brazo y se fue andando de puntitas como para no despertarme.
Yo me quedé tieso, aguantando la respiración, buscando mirar hacia otra parte. Hasta que al fin logré torcer la cabeza y ver hacia allá, donde la estrella de la tarde se había juntado con la luna.
-¡Tome esto! -oí.
No me atrevía a volver la cabeza.
-¡Tómelo! Le hará bien. Es agua de azahar. Sé que está asustado porque tiembla. Con esto se le bajará el miedo.
Reconocí aquellas manos y al alzar los ojos reconocí la cara. El hombre, que estaba detrás de ella, preguntó:
-¿Se siente usted enfermo?
-No sé. Veo cosas y gente donde quizás ustedes no vean nada. Acaba de estar aquí una señora. Ustedes tuvieron que verla salir.
-Vente -le dijo él a la mujer-. Déjalo solo. Debe ser un místico.
-Debemos acostarlo en la cama. Mira cómo tiembla, de seguro tiene fiebre.
-No le hagas caso. Estos sujetos se ponen en ese estado para llamar la atención. Conocí a uno en la Media Luna que se decía adivino. Lo que nunca adivinó fue que se iba a morir en cuanto el patrón le adivinó lo chapucero. Ha de ser un místico de ésos. Se pasan la vida recorriendo los pueblos «a ver lo que la Providencia quiera darles»; pero aquí no va a encontrar ni quien le quite el hambre. ¿Ves como ya dejó de temblar? Y es que nos está oyendo.
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PELO TETO ABERTO ao céu vi passar revoadas de tordos, esses pássaros que voam ao entardecer antes que a escuridão feche seus caminhos para eles. Depois, umas quantas nuvens já esfiapadas pelo vento que vem para levar o dia embora.
Depois apareceu a estrela da tarde e mais tarde a lua.
O homem e a mulher não estavam comigo. Saíram pela porta que dava ao quintal e quando retornaram já era noite. Assim, não souberam o que aconteceu enquanto estavam lá fora.
E foi isto o que aconteceu:
Vindo da rua, uma mulher entrou no quarto. Era velha de muitos anos, e magra como se tivessem curtido e encolhido seu couro. Entrou e passeou seus olhos redondos pelo quarto. Pode ser até que tenha me visto. Pode ser até que tenha achado que eu estava dormindo. Foi direto até onde estava a cama e tirou de debaixo dela um baú forrado de couro. Revirou-o. Pôs uns lençóis debaixo do braço e foi andando na ponta dos pés para não me acordar.
Eu fiquei teso, aguentando a respiração, procurando olhar para o outro lado. Até que enfim consegui torcer a cabeça e ver até lá, até onde a estrela da tarde tinha se juntado com a lua.
— Tome isso! — ouvi.
Não me atrevi a voltar a cabeça.
— Tome! Vai fazer bem. É água de flor de laranjeira. Sei que você está assustado porque está tremendo. Com isso o medo vai sumir.
Reconheci aquelas mãos e ao erguer os olhos reconheci a cara. O homem, que estava atrás dela, perguntou:
— O senhor está se sentindo mal?
— Não sei. Vejo coisas e gente onde talvez vocês não vejam nada. Acaba de passar por aqui uma senhora. Vocês devem ter visto quando ela saiu.
— Venha cá — disse ele para a mulher. — Deixa ele sozinho. Deve ser um místico.
— A gente devia é deitá-lo na cama. Olha só como ele treme, na certa tem um febrão.
— Não dê confiança a ele. Esses sujeitos se põem nesse estado para chamar a atenção. Conheci um na Media Luna que se dizia adivinho. O que nunca adivinhou foi que ia morrer assim que o patrão descobriu que ele era um trapaceiro. Esse aí há de ser um desses místicos. Passam a vida recorrendo povoados “para ver o que a Providência Divina quer dar a vocês”; mas aqui não vai achar nem quem mate a sua fome. Está vendo como parou de tremer? É que está escutando a gente.
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Rulfo, Juan Pedro Páramo / tradução e prefácio de Eric Nepomuceno. — Rio de Janeiro: BestBolso, 2008. Tradução de: Pedro Páramo ISBN 978-85-7799-116-7 1. Romance mexicano. I. Nepomuceno, Eric. II. Título
Pedro Páramo – Romance mais aclamado da literatura mexicana, Pedro Páramo é o primeiro de dois livros lançados em toda a vida de Juan Rulfo. O enredo, simples, trata da promessa feita por um filho à mãe moribunda, que lhe pede que saia em busca do pai, Pedro Páramo, um malvado lendário e assassino. Juan Preciado, o filho, não encontra pessoas, mas defuntos repletos de memórias, que lhe falam da crueldade implacável do pai. Vergonha é o que Juan sente. Alegoricamente, é o México ferido que grita suas chagas e suas revoluções, por meio de uma aldeia seca e vazia onde apenas os mortos sobrevivem para narrar os horrores da história. O realismo fantástico como hoje se conhece não teria existido sem Pedro Páramo; é dessa fonte que beberam o colombiano Gabriel Garcia Márquez e o peruano Mario Vargas Llosa, que também narram odisseias latino-americanas.
16. Pedro Páramo: La madrugada fue apagando
18. Pedro Páramo: Como si hubiera retrocedido el tempo
17. Pedro Páramo: Por el techo abierto al cielo
Por el techo abierto al cielo vi pasar parvadas de tordos, esos pájaros que vuelan al atardecer antes que la oscuridad les cierre los caminos. Luego, unas cuantas nubes ya desmenuzadas por el viento que viene a llevarse el día.
Después salió la estrella de la tarde, y más tarde la luna.
El hombre y la mujer no estaban conmigo. Salieron por la puerta que daba al patio y cuando regresaron ya era de noche. Así que ellos no supieron lo que había sucedido mientras andaban afuera.
Y esto fue lo que sucedió:
Viniendo de la calle, entró una mujer en el cuarto. Era vieja de muchos años, y flaca como si le hubieran achicado el cuero. Entró y paseó sus ojos redondos por el cuarto. Tal vez hasta me vio. Tal vez creyó que yo dormía. Se fue derecho a donde estaba la cama y sacó de debajo de ella una petaca. La esculcó. Puso unas sábanas debajo de su brazo y se fue andando de puntitas como para no despertarme.
Yo me quedé tieso, aguantando la respiración, buscando mirar hacia otra parte. Hasta que al fin logré torcer la cabeza y ver hacia allá, donde la estrella de la tarde se había juntado con la luna.
-¡Tome esto! -oí.
No me atrevía a volver la cabeza.
-¡Tómelo! Le hará bien. Es agua de azahar. Sé que está asustado porque tiembla. Con esto se le bajará el miedo.
Reconocí aquellas manos y al alzar los ojos reconocí la cara. El hombre, que estaba detrás de ella, preguntó:
-¿Se siente usted enfermo?
-No sé. Veo cosas y gente donde quizás ustedes no vean nada. Acaba de estar aquí una señora. Ustedes tuvieron que verla salir.
-Vente -le dijo él a la mujer-. Déjalo solo. Debe ser un místico.
-Debemos acostarlo en la cama. Mira cómo tiembla, de seguro tiene fiebre.
-No le hagas caso. Estos sujetos se ponen en ese estado para llamar la atención. Conocí a uno en la Media Luna que se decía adivino. Lo que nunca adivinó fue que se iba a morir en cuanto el patrón le adivinó lo chapucero. Ha de ser un místico de ésos. Se pasan la vida recorriendo los pueblos «a ver lo que la Providencia quiera darles»; pero aquí no va a encontrar ni quien le quite el hambre. ¿Ves como ya dejó de temblar? Y es que nos está oyendo.
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PELO TETO ABERTO ao céu vi passar revoadas de tordos, esses pássaros que voam ao entardecer antes que a escuridão feche seus caminhos para eles. Depois, umas quantas nuvens já esfiapadas pelo vento que vem para levar o dia embora.
Depois apareceu a estrela da tarde e mais tarde a lua.
O homem e a mulher não estavam comigo. Saíram pela porta que dava ao quintal e quando retornaram já era noite. Assim, não souberam o que aconteceu enquanto estavam lá fora.
E foi isto o que aconteceu:
Vindo da rua, uma mulher entrou no quarto. Era velha de muitos anos, e magra como se tivessem curtido e encolhido seu couro. Entrou e passeou seus olhos redondos pelo quarto. Pode ser até que tenha me visto. Pode ser até que tenha achado que eu estava dormindo. Foi direto até onde estava a cama e tirou de debaixo dela um baú forrado de couro. Revirou-o. Pôs uns lençóis debaixo do braço e foi andando na ponta dos pés para não me acordar.
Eu fiquei teso, aguentando a respiração, procurando olhar para o outro lado. Até que enfim consegui torcer a cabeça e ver até lá, até onde a estrela da tarde tinha se juntado com a lua.
— Tome isso! — ouvi.
Não me atrevi a voltar a cabeça.
— Tome! Vai fazer bem. É água de flor de laranjeira. Sei que você está assustado porque está tremendo. Com isso o medo vai sumir.
Reconheci aquelas mãos e ao erguer os olhos reconheci a cara. O homem, que estava atrás dela, perguntou:
— O senhor está se sentindo mal?
— Não sei. Vejo coisas e gente onde talvez vocês não vejam nada. Acaba de passar por aqui uma senhora. Vocês devem ter visto quando ela saiu.
— Venha cá — disse ele para a mulher. — Deixa ele sozinho. Deve ser um místico.
— A gente devia é deitá-lo na cama. Olha só como ele treme, na certa tem um febrão.
— Não dê confiança a ele. Esses sujeitos se põem nesse estado para chamar a atenção. Conheci um na Media Luna que se dizia adivinho. O que nunca adivinhou foi que ia morrer assim que o patrão descobriu que ele era um trapaceiro. Esse aí há de ser um desses místicos. Passam a vida recorrendo povoados “para ver o que a Providência Divina quer dar a vocês”; mas aqui não vai achar nem quem mate a sua fome. Está vendo como parou de tremer? É que está escutando a gente.
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Rulfo, Juan Pedro Páramo / tradução e prefácio de Eric Nepomuceno. — Rio de Janeiro: BestBolso, 2008. Tradução de: Pedro Páramo ISBN 978-85-7799-116-7 1. Romance mexicano. I. Nepomuceno, Eric. II. Título
Pedro Páramo – Romance mais aclamado da literatura mexicana, Pedro Páramo é o primeiro de dois livros lançados em toda a vida de Juan Rulfo. O enredo, simples, trata da promessa feita por um filho à mãe moribunda, que lhe pede que saia em busca do pai, Pedro Páramo, um malvado lendário e assassino. Juan Preciado, o filho, não encontra pessoas, mas defuntos repletos de memórias, que lhe falam da crueldade implacável do pai. Vergonha é o que Juan sente. Alegoricamente, é o México ferido que grita suas chagas e suas revoluções, por meio de uma aldeia seca e vazia onde apenas os mortos sobrevivem para narrar os horrores da história. O realismo fantástico como hoje se conhece não teria existido sem Pedro Páramo; é dessa fonte que beberam o colombiano Gabriel Garcia Márquez e o peruano Mario Vargas Llosa, que também narram odisseias latino-americanas.
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Leia também:
16. Pedro Páramo: La madrugada fue apagando
18. Pedro Páramo: Como si hubiera retrocedido el tempo
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