quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Edgar Allan Poe - O Gato Preto - 03

Edgar Allan Poe




#conto de terror, mistério e morte



03. O Gato Preto


Na noite do dia no qual pratiquei essa crudelíssima façanha fui despertado do sono pelos gritos de: "Fogo!" As cortinas de minha cama estavam em chamas. A casa inteira ardia. Foi com grande dificuldade que minha mulher, uma criada e eu mesmo conseguimos escapar ao incêndio. A destruição foi completa. Toda a minha fortuna foi tragada, e entreguei-me desde então ao desespero.

Não tenho a fraqueza de buscar estabelecer uma relação de causa e efeito entre o desastre e a atrocidade, mas estou relatando um encadeamento de fatos e não desejo que nem mesmo um possível elo seja negligenciado. Visitei os escombros no dia seguinte ao incêndio. Todas as paredes tinham caído, exceto uma, e esta era de um aposento interno, não muito grossa, que se situava mais ou menos no meio da casa e contra a qual permanecera a cabeceira de minha cama. O estuque havia, em grande parte, resistido ali à ação do fogo, fato que atribui a ter sido ele recentemente colocado. Em torno dessa parede reuniu-se compacta multidão e muitas pessoas pareciam estar examinando certa parte especial dela, com uma atenção muito ávida e minuciosa. As palavras "estranho, singular!" e expressões semelhantes excitaram minha curiosidade. Aproximei-me e vi, como se gravada em baixo-relevo sobre a superfície branca, a figura de um gato gigantesco. A imagem fora reproduzida com uma nitidez verdadeiramente maravilhosa. Havia uma corda em redor do pescoço do animal.

Ao dar, a princípio, com essa aparição, pois não podia deixar de considerá-la senão isso - meu espanto e meu terror foram extremos. Mas, afinal, a reflexão veio em meu auxilio. O gato, lembrava-me, tinha sido enforcado num jardim, junto da casa. Ao alarme de fogo, esse jardim se enchera imediatamente de povo e alguém deve ter cortado a corda que prendia o animal à árvore e o lançara por uma janela aberta dentro de meu quarto. Isto fora provavelmente feito com o propósito de despertar-me. A queda de outras paredes tinha comprimido a vítima de minha crueldade de encontro à massa do estuque, colocado de pouco, cuja cal, com as chamas e o amoníaco do cadáver, traçara então a imagem tal como a vimos.

Embora assim prontamente procurasse satisfazer a minha razão, senão de todo a minha consciência, a respeito do surpreendente fato que acabo de narrar, nem por isso deixou ele de causar profunda impressão na minha imaginação. Durante meses, eu não me pude libertar do fantasma do gato e, nesse período, voltava-me ao espírito um vago sentimento que parecia remorso, mas não era. Cheguei a ponto de lamentar a perda do animal e de procurar, entre as tascas ordinárias que eu agora habitualmente frequentava, outro bicho da mesma espécie e de aparência um tanto semelhante com que substituí-lo.







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