domingo, 7 de agosto de 2016

XXIX – Mitologia dos Orixás: Orunmilá - Ifá [253] [254]

Orunmilá - Ifá


Reginaldo Prandi



Orunmilá institui o oráculo



Naquele tempo não havia separação entre o Céu e a Terra. Foi quando Orunmilá teve oito filhos. O primeiro foi o rei de Ará, Alará. O segundo foi Ajeró, rei de Ijeró. O filho caçula foi Olouó, rei da cidade de Ouó. Havia paz e fartura na Terra.


Numa importante ocasião, quando Orunmilá celebrava um ritual, mandou chamar todos os seus filhos. Vieram os sete primeiros filhos de Orunmilá. Eles lhe prestaram homenagens, ofereceram-lhe sacrifícios, prostaram-se a seus pés batendo palmas, prostaram-se batendo paó, disseram as palavras de respeito. Menos Olouó.

Ele veio mas não deitou aos pés do pai, não fez oferendas, não o homenageou como devia. 

"Por que não demonstras respeito por teu pai?", perguntou Orunmilá.

Olouó respondeu que seu pai tinha sandálias de precioso material, mas que ele também as tinha; que o pai usava roupas dos mais finos tecidos, mas que ele também as usava; que seu pai tinha cetro e tinha coroa e que ele os tinha também. Que um homem que usa uma coroa não deve se prostar diante de outro, foi o que disse o filho ao pai.

Orunmilá se enfureceu, arrancou o cetro das mãos do filho e o atirou longe.

Orunmilá retirou-se para o Orum, o Céu, e a desgraça se abateu sobre o Aiê, a Terra: fome, caos, peste e confusão. Parou de chover, plantas não cresciam e animais não procriavam, todos estavam em desespero. Os homens ofereceram a Orunmilá toda sorte de sacrifícios, todos os cantos.

Orunmilá aceitou as oferendas, mas a paz entre o Céu e a Terra estava definitivamente rompida. Os filhos de Orunmilá o procuraram no Orum e lhe pediram para retornar ao Aiê.

Orunmilá entregou então a seus filhos dezesseis nozes de dendê e disse:

"Quando tiverem problemas e desejarem falar comigo, consultem este Ifá".

Orunmilá nunca mais veio ao Aiê, mas deixou o oráculo para que as pessoas possam recorrer a ele quando precisarem.

Os filhos de Orunmilá eram assim chamados:
Ocanrã, Ejiocô, Ogundá, Irosum, Oxé, Obará, Odi, Ejiobê, Osá, Ofum, Ouorim, Ejila-Xerobá, Icá, Oturopon, Ofuncanrã e Iretê. São estes os nomes dos odus. São estes os filhos de Orunmilá.

Cada odu conhece um segredo diferente. Um fala do nascimento, outro da morte, um fala dos negócios, outro da fartura, um fala das guerras, outro das perdas, um fala da amizade, outro da traição, um fala da família, outro da amizade, um fala do destino, outro da sorte. Cada odu conhece um segredo diferente. Desde então, quando alguém tem um problema, é o odu que indica o sacrifício apropriado.

Orunmilá disse:
"Quando tiverem problemas, consultem Ifá".

Orunmilá nunca mais veio ao Aiê, mas deixou o oráculo para que as pessoas possam recorrer a ele quando precisarem.

[253]



Ifá dá ao feiticeiro as lendas da adivinhação


Um feiticeiro passava por um grande dissabor: uma calamidade estava dizimando seus discípulos. Seu prestígio declinava a cada dia. O povo e o rei estavam alarmados. Com a anuência do rei, o feiticeiro partiu em longa peregrinação. Andava e andava em busca de solução.

Andou meses e meses sem nada encontrar.

Um dia, com o sol a pino, ele encontrou na estrada um velho que se vestia de branco. O velho convidou o feiticeiro a segui-lo. Juntos chegaram à casa do ancião. O velho ofereceu comida e bebida ao feiticeiro e então lhe apresentou suas mulheres.

Eram dezesseis e cada uma disse o seu nome:
"Gbê-meji", disse a primeira.
"Iecu-meji", disse a segunda.
"Gudá-meji", disse a terceira, e assim por diante todas se apresentaram:
Sas-meji, Ca-meji, Turuquepe-meji, Uoli-meji, Di-meji, Losso-meji, Uelé-meji, Abla-meji, Acalá-meji, Tula-meji, Leté-meji, Sé-meji e Fu-meji. Assim as dezesseis esposas eram chamadas na língua do povo mina.

O velho de branco disse ao feiticeiro que cada mulher sua tinha dezesseis filhos e que cada filho tinha, por sua vez, dezesseis filhos. Ele deu ao feiticeiro a história de cada um dos dezesseis filhos. Com o conhecimento das histórias o feiticeiro pode voltar à sua terra e solucionar todos os problemas de seu povo.

Ele foi o primeiro sacerdote de Ifá.

[254]


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Leia também:


XXVIII – Mitologia dos Orixás: Oraniã [249] [250]

XXX – Mitologia dos Orixás: Ajalá[272] [273]


Reginaldo Prandi, paulista de Potirendaba e professor titular de sociologia da Universidade de São Paulo, é autor de três dezenas de livros. Pela editora Hucitec publicou Os candomblés de São Paulo, pela Edusp, Um sopro do Espírito, e pela Cosac Naify, Os príncipes do destino. Dele, a Companhia das Letras publicou também Segredos guardados: orixás na alma brasileira; Morte nos búzios; Ifá, o Adivinho; Xangô, o Trovão; Oxumarê, o Arco-Íris; Contos e lendas afro-brasileiros: a criação do mundo; Minha querida assombração; Jogo de escolhas e Feliz Aniversário.



Prandi, Reginaldo. Mitologia dos Orixás / Reginaldo Prandi; ilustrações de Pedro Rafael. - São Paulo: Companhia das Letras, 2001.



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