Manoel Bomfim
O Brasil Nação volume 2
SEGUNDA PARTE
TRADIÇÕES
À glória de
CASTRO ALVES
Potente e comovida voz de revolução
CASTRO ALVES
Potente e comovida voz de revolução
capítulo 6
novo ânimo
§ 53 – Álvares de Azevedo
Álvares de Azevedo completa a constituição do lirismo brasileiro, para inteira definição das suas qualidades características, e para a plenitude de poder sobre as gentes. Gonçalves Dias, primeiro a anunciar-se, teve de encontrar hesitações. Não eram conhecidos os seus ensaios; apareceu sem o prestígio da ação imediata, pois que se fez fora do país. O seu mesmo feitio, entre sobranceiro, retraído ou tímido, sem irradiação pessoal, foi motivo de um acolhimento também retraído. Junqueira Freire, abafado no seu burel, não podia, também esperar uma entrada franca, no ânimo do público. E, com isto, o poeta de I-Juca-Pirama, mais delicado do que vibrante, mais artista do que arrojado, deleitava sem arrebatar. O frade poeta, de estro esgueirado pelo voto, teve de ser um poeta como incompleto, contrafeito na espontaneidade, insuficiente nas expansões. Álvares de Azevedo, também intensamente brasileiro, trouxe como notação do seu estro e dos seus efeitos, justamente, o que faltou aos dois primeiros. Estudante poeta, naquele fervedouro da Academia de São Paulo, ele produzia opulentamente, derramando pela imprensa os seus versos, e tanto produzia como deslumbrava os colegas e o público em geral. Mal saíra da adolescência e já era uma legenda. Leem-se as referências dos que conviveram com ele, e tem-se a impressão de que o seu contato agia como fulgurações. Então, a veemência do seu cantar, incorporada na triste história da sua fugaz existência, deu-lhe, desde logo, um prestígio de gênio e desvario de poeta e romântico, que viveu o seu romantismo... Morto antes dos vinte e um anos sem ter publicado nem um volume dos seus abundantes poemas já conhecidos, essa morte foi um acontecimento – o luto espontâneo, de todos que podiam julgá-lo. Sentiu-se que baqueara um gênio de verdade, e ninguém estranhou o fulminante sucesso da edição póstuma dos seus versos. A crítica corriqueira esmiuçará o número de pés, a qualidade das rimas, a pureza da sua sintaxe... sem que isto faça nuvem no resplendor do poeta. Os próprios exageros e erros de ingenuidade o Brasil os reconhecerá como caracteres seus. Ardor e melancolia, veemências sombrias, ingênuos extremos, espontaneidade dolorida, desolação com transfigurações de êxtases, delírio e meiguice... desejos que se satisfazem no verso, paixão de amor ardendo em imaginação, obsessão de dor, que já é nevrose... saudades e crepúsculos, inspiração em delírio... tudo isto em ensaios de cantos que apenas se unificam na personalidade do poeta. E, sempre, uma lira que tremula desordenada, mas vai sempre ao coração, porque as mesmas incertezas são as de um povo jovem, titubeante no palpitar, ao inteirar-se que estremecera o resto do mundo.
Os repetidos imitadores banalizaram a poesia de Álvares de Azevedo; contudo, derramem-se alguns dos seus estos, e ainda palpitará a alma do brasileiro, na evocação que se pronunciará:
Amor! Amor! meu sonho............
Minha sede! meu canto de saudade!
Amor! Meu coração, lábios e vida,
A ti, sol do viver, erguem-se ainda,
A ti, sol do viver, erguem-se em balde!
................................
Meu amor foi o sol que madrugava,
O canto matinal da cotovia,
E a rosa predileta............
Sobre esta Página Rota, suspiraram, lânguidas, gerações e gerações... É a poesia do canto popular, e nela se traslada todo o sentir do poeta. Nesses motivos, ele se repetirá, sem fatigar, no entanto:
A nós a vida em flor, a doce vida
Rescendente de amor,
Cheia de sonhos, de esperanças e beijos
E pálido langor...
................................
Que vida que se bebia
Na noite que parecia
Suspirar de sentimento!...
Houve um crítico que disse, d’O Poema do Frade, de Álvares de Azevedo, ser incompreensível... Como poderia um escritor arranjado, mantido em sensatez, achar a lógica de uma obra em que o gênio nascente, de um lirismo mal definido ainda, ensaia os seus cantos, e procura a linha do seu pensamento? Voz do romantismo que se anunciava ao Brasil, quando a fórmula já era crepúsculo pelo resto do mundo, O Poema do Frade não precisa de outro comentário além dos seus versos mesmo:
... formas alvas, transparentes, nuas...
................................
E quem não te sonhou? desses perdidos...
................................
Poetas que de amor enfebrecidos
Se volvem das paixões no desafogo?
................................
Das lágrimas de amor no sentimento?...
................................
Tarde! quem não te amou, minha sultana?!...
................................
Quem não te amou em nuvem purpurina,
Como ardente de amor, a Americana
Que pálida entre nuvens se reclina?!...
................................
Como é fresca no céu, entre os fulgores
Na túnica de rosa transparente,
Mística rosa, abrindo ao sol de amores!...
Estuante de poesia, o sentido pensamento se desdobra em imagens que são influxos perenes ao longo da sua memória:
............ entreabre-se o peito ao ar da vida
– Como ao sol do verão, romã partida...
................................
O meu imaginar é um navio
Que entre brisas da noite se perfuma
Que à plácida monção do morno estio,
Resvala pelo mar à flor da espuma!...
................................
............ o sonho............
Para nós... é gaivota que esvoaça,
Vagabundo batel que ao longe passa...
Se a teoria boêmia o levou a blasfêmias, nos momentos seguros, ele mesmo as corrigiu em conforto cordial:
Acorda-te, meu peito, ao sentimento,
Revive as esperanças que nutrias,
................................
E dorme como o sol entre harmonias!...
................................
Sonha! mas não blasfemes do destino...
Toda a Lira dos Vinte Anos assim se modula. Se o gênio de Álvares de Azevedo não ungiu diretamente os corações brasileiros, pelo seu reflexo sobre todos os líricos seguintes, foi o mais potente, senão em formas ostensivas, em estímulos e tom de sentimento. As preocupações sociais e filosóficas, apenas esboçadas nos anteriores, são, nele, sistemáticas. A sua obra de propaganda e de doutrinamento em prosa dá o atestado de vigorosos intuitos de educação, ou, mesmo, de apostolado, tanto que em todos os seus versos, mesmo nos que seriam de puro lirismo impessoal, transparece a constante necessidade de banhar o próprio estro no oceano afetivo da humanidade, aos influxos diretos desta natureza:
Crepúsculo no Mar
................................
Sonharei... lá enquanto no crepúsculo,
Como um globo de fogo, o sol se abisma...
................................
Hora solene das ideias santas,
Que embala o sonhador nas fantasias...
................................
Que não cheia de glórias e de esperanças,
Floreando ao vento rúbida bandeira,
Na luz do incêndio arrebentou bramindo
Na vaga sobranceira?
................................
Utopia ou verdade, a alma perdida
Precisa de uma ideia eterna e pura...
Múltiplo em efeitos, Álvares de Azevedo posará facilmente do estro altissonante à inibição potente e dolorosa:
Silêncio, coração que a dor inflama,
............ quero chorar............
Sem profanar as ilusões na lira!
Eu não as profanei............
Guardo-as na esperança, nas doridas
Horas que amor perfuma de mistério
................................
Desde criança minado pela doença, pressentindo a morte, era-lhe natural essa tristeza em que gemeu, tristeza que ainda é essa mesma, no fundo das nossas almas, expressão da tórpida combinação: do português expatriado, o caboclo escorraçado, oprimido, o negro escravizado, vendido, agrilhoado...
Bebi-a... essa tristeza, essa doença
Que nos arranca lágrimas sombrias,
Que nos revolve a sós na vaga imensa
Do oceano das eternas agonias!...
Sentindo próximo o desfecho terrível, ele ainda tem voz:
Sombras do vale, noites da montanha,
Que a alma cantou e amava tanto,
Protegei meu corpo abandonado...
............ morrerei cantando
O meu hino de amor............
Para ingênuos corações ávidos de amor, essas estrofes eram formas de heroísmo. Se eu morresse amanhã... valeu como rápida epopeia da saudade; nas Lágrimas de sangue..., véspera de morte, há toda a grandeza de uma consciência que impavidamente aceita o destino, de uma dor que se expande sem uivos, nem desesperos:
Perdão, meu Deus! Perdão............
................................
Só tu podias o meu peito............
Fartar de imenso amor e luz infinda...
................................
Curvo-me ao vento forte...
Aqui dormem sagradas esperanças...
............ Aí descansas,
Coração que a existência consumia
Se a morte o cerca realmente, e lhe entenebrece a visão, mocidade e gênio lutam ainda, na luz deste céu, no estímulo desta natureza, e Álvares de Azevedo repete trenos de vida:
Agora: que a manhã é fresca e branca
............ nestas campinas!
Os cantos do Senhor erguem-se às nuvens...
Como o perfume que evapora o leito
Do lírio virginal
.................................... brilha
Em toda a natureza tanto encanto,
Tanta magia pelo céu flutua
E chovem sobre os vales harmonias...
Nesta poesia, inundou-se a alma do Brasil – gozo de ardente mocidade que dilatou as consciências em longos estos de expansão. Irradiação de amor, revelado no gênio de Gonçalves Dias, com os estros complementares – Junqueira Freire e Álvares de Azevedo, está definitivamente caracterizado, o lirismo brasileiro. Nos seus vinte anos, esse mesmo Álvares de Azevedo pronunciará a profunda e eterna verdade: “Todo o vaporoso da visão abstrata não interessa tanto como a realidade formosa da bela mulher que amamos”, [3] e deu, com o conceito, a explicação do longo perenal de influxos, que é esse mesmo lirismo em que ele cantou.
[3] Na mesma página, prefácio, ele deixa este outro traço do seu gênio: “A poesia puríssima banha com seu reflexo ideal a beleza sensível e nua...” Vindo depois, o conceito de Eça de Queiroz transuda plágio: Sobre a nudez crua da verdade, o véu diáfano da fantasia...
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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."
Cecília Costa Junqueira
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Bomfim, Manoel, 1868-1932
O Brasil nação: vol. II / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 392 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 31).
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Leia também:
O Brasil Nação - v2: § 54 – O lirismo brasileiro - Manoel Bomfim
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