sexta-feira, 2 de novembro de 2018

O Brasil Nação - v2: § 52 – De Gonçalves Dias a Casimiro de Abreu... - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim


O Brasil Nação volume 2




SEGUNDA PARTE 
TRADIÇÕES



À glória de
CASTRO ALVES
Potente e comovida voz de revolução


capítulo 6
novo ânimo



§ 52 – De Gonçalves Dias a Casimiro de Abreu...





Com o poeta d’Os Timbiras se abre, num deslumbramento calmo, a era do exuberante lirismo brasileiro. Estro de grandiosa e sublime tristeza, Gonçalves Dias é triste como nós mesmos, com a grandeza calma desta natureza, e, assim, desenvolvem-se os seus cantos numa como irradiação mesma das almas e das coisas:


Porque tardas?............
     brilham as estrelas,
Correm perfumes no correr da brisa...


E todo o nosso lirismo se fará nessa inclusão – de encantos da natureza nos transes íntimos do coração. Mesmo nos versos de Minha Irmã:


Eras criança ainda............
E tinhas sobre mim poder imenso...
................................
Assim da tarde a brisa corre à terra,
Embalsamando o ar e o céu de aromas:
Enreda-se entre flores suspirosa,
................................
E não sabe, e não vê, quantos queixumes
................................
Tu nada viste............
Flor que sorrias ao nascer da aurora...


No seu legítimo e puro lirismo, as próprias estâncias de amargura acabam confortando, porque o sofrimento se exala na magia de cânticos:


     Quando me aflige a dor,
Minha alma aos céus se eleva, como o incenso,
     Como o aroma da flor............
................................


Então, ele ampara na beleza da flor os mesmos gemidos:


O homem nasce, e vive um só instante,
E sofre até morrer!
A flor ao menos, nesse breve espaço
     Do seu curto viver,
Encanta os ares com celeste aroma,
     Querida até morrer!...
................................
Agora, a flor que me importa,
     Ou a brisa perfumada,
Ou o som da meiga fonte
     Sobre pedras despenhada?...


Não houve recurso de arte de que se não servisse para penetrar os corações.

Desejo na melancolia, melancolia de bem-estar, recolhimento, êxtase lúcido, serena comunhão com a eternidade... às vezes, uma queixa mais vibrante para a nossa infinita piedade... e, com isto, os seus afetos são modelos puros para todos os corações: nem os transportes os isolam, nem a paixão os torna menos comunicativos:


De mim não saberás como te adoro...
Se andas, sou o eco dos teus passos:
     Da tua voz, se falas,
O murmúrio saudoso que responde
     Ao suspiro que exalas.
................................
     Sim, eu te amo............
...... como se ama a luz querida,
Como se ama o silêncio, os sons, os céus,
Qual se amam cores, e perfume, e vida,
Os pais, a pátria, a virtude, a Deus!...


A fórmula do seu lirismo, ele a deu, definitiva – desafogo do coração:



........................ a juventude
Falou-me ao coração: – amemos, disse,
     Porque amar é viver.


E, de fato, toda a sua poesia se fez com expressão dessa íntima necessidade – amar e sentir. Qualquer dos seus poemas, apenas suaves, ou plangentes, ou intensos, são arpejos de vida e de amor: Sempre ela... Não me deixes... O que mais dói na vida... Ainda uma vez, adeus... Amor, enlevo d’alma... Ainda e sempre... Artista sóbrio e comovido, Gonçalves Dias, o cantor da saudade, da pena e dos enlevos, não é apenas meiguice.

Junqueira Freire, que começa a juventude numa tragédia, nunca seria o singelo cantor para a multidão. Na intensa realidade da sua vida inteira, ele será sempre um represo, mal compreendido pela turba, que ao lírico pede sempre cantos de franca ternura. Personalidade mutilada, ele tem, contudo, vigor para ser inteiramente original em inspirações, que serão retomadas pelos que cantem depois. A visão é difusa, o sentimento contraído, mas, na essência, é absolutamente humano e brasileiro, com a percepção exaltada em imaginações que lhe fazem de cada sensação um êxtase, ou uma tortura. Não diretamente, mais inspirando os outros, a sua voz foi das que mais influíram no renovar do pensamento brasileiro. Tem-se a ideia do que valia o seu gênio, como extensão e mocidade, quando se apreciam os seus conceitos em prosa: são de inteira atualidade, em arte e em filosofia. A esse respeito, ele foi, talvez, o mais moderno dos nossos grandes líricos. Teve o ânimo de enfrentar o destino a que se atirou, num desvario de quase adolescência; e foi poeta mesmo nesse transe, como o foi nos gritos de desespero, nos gestos de revolta:


Oh! morra o coração – gérmen fecundo
     De mil tormentos...

................................ 
Virão, por sua vez, os gemidos:

Olha-me, oh virgem, a fronte;
Olha-me os olhos sem luz.
................................
Eu só tenho a lira e a cruz...


Contudo, não pode fugir ao destino de cantar:


Cantarei o céu, o inferno,
O mundo, o que me aprouver.
Cantarei a Deus, o homem,
Os amores da mulher:
Cantarei enquanto vivo,
Porque Deus assim o quer.


E cantou em estos de amante:


Hás-de amar-me na terra e além dos astros.
Eu te ensinei um sentimento eterno,
Mau grado a mim, a ti, ao mundo, aos anjos...
................................


Cantou até chegar ao simples lamento:


Eu morro, eu morro. A matutina brisa
Já não me arranca um riso. A fresca tarde
Já não me doura as descoradas faces...


E como tudo isto é profundamente brasileiro, veremos lamentos, e gritos, e êxtases, e fúrias, e revoltas de Junqueira Freire retomados como motivos para outros cantos: A Freira, Vesper, O Jesuíta, Os Jesuítas, Vai, Dalila... sem que sejam imitações...



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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."


Cecília Costa Junqueira



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Bomfim, Manoel, 1868-1932  
                O Brasil nação: vol. II / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 392 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 31).


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