quarta-feira, 13 de novembro de 2013

VII – Mitologia dos Orixás: Otim [69]

Otim

Otim esconde que nasceu com quatro seios
Reginaldo Prandi

Oquê, rei da cidade de Otã, tinha uma filha. Ela nascera com quatro seios e era chamada Otim. O rei Oquê adorava a filha e não permitia que ninguém soubesse de sua deformação. Este era o segredo de Oquê.
Este era o segredo de Otim.
Quando Otim cresceu, o rei a aconselhou a nunca se casar. Pois um marido, por mais que a amasse, um dia se aborreceria com ela e revelaria ao mundo seu vergonhoso segredo. Otim ficou muito triste, mas acatou o conselho do pai. Por muitos anos Otim viveu em Igbajô, uma cidade vizinha, onde trabalhava no mercado.
Um dia um caçador chegou ao mercado.
Ficou tão impressionado com a beleza de Otim que insistiu em casar-se com ela. Otim recusou seu pedido por diversas vezes, mas, diante da insistência do caçador, concordou, impondo uma condição: o caçador nunca deveria mencionar seus quatro seios a ninguém.
O caçador concordou e impôs também a sua condição: Otim jamais deveria pôr mel de abelhas na comida dele. Porque isso era seu tabu, seu euó.
Por muitos anos Otim viveu feliz com o marido. Mas como ela era a esposa favorita, as outras esposas do caçador sentiam-se muito enciumadas. Um dia as outras esposas reuniram-se e tramaram contra Otim.
Era o dia de Otim cozinhar para o marido e ela preparava um prato de milho amarelo cozido enfeitado com fatias de coco, o predileto do caçador. Quando Otim deixou a cozinha por alguns minutos, as outras sorrateiramente puseram mel na comida.
Quando o caçador chegou em casa e sentou-se para comer, percebeu imediatamente o sabor do ingrediente proibido. Furioso, bateu em Otim e lhe disse as coisas mais cruéis, revelando seu segredo: “Tu, com teus quatro seios, sua filha de uma vaca!, como ousaste quebrar o meu tabu?”.
A novidade espalhou-se pela cidade como fogo.
Otim, a mulher de quatro seios, era ridicularizada por todos. Sentindo-se coberta de vergonha, Otim fugiu de casa e deixou a cidade do marido. Voltou para sua cidade Otã e refugiou-se no palácio do pai. O velho rei a confortou, mas ele sabia que a notícia chegaria também a sua cidade. Em desespero, Otim fugiu para a floresta. Ao correr na mata, tropeçou e caiu.
Nesse momento Otim transformou-se num rio e o rio correu para o mar. Seu pai, que a seguia, viu que havia perdido a filha. Lá ia o rio fugindo para o mar. Querendo impedir o rio de continuar a fuga, desesperado, ele atirou-se ao chão e, ali onde caiu, transformou-se na montanha.
Ali estava Oquê, a montanha, impedindo o caminho do rio Otim para o mar. Mas Otim contornou a montanha e seguiu seu curso. Oquê, a montanha, e Otim, o rio, são cultuados até hoje em Otã.
Odé, o caçador, nunca se esqueceu de sua mulher.
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Leia também:
VI – Mitologia dos Orixás: Logum Edé [64]
VIII – Mitologia dos Orixás Ossaim [72]

Reginaldo Prandi, paulista de Potirendaba e professor titular de sociologia da Universidade de São Paulo, é autor de três dezenas de livros. Pela editora Hucitec publicou Os candomblés de São Paulo, pela Edusp, Um sopro do Espírito, e pela Cosac Naify, Os príncipes do destino. Dele, a Companhia das Letras publicou também Segredos guardados: orixás na alma brasileira; Morte nos búzios; Ifá, o Adivinho; Xangô, o Trovão; Oxumarê, o Arco-Íris; Contos e lendas afro-brasileiros: a criação do mundo; Minha querida assombração; Jogo de escolhas e Feliz Aniversário.


Prandi, Reginaldo. Mitologia dos Orixás / Reginaldo Prandi; ilustrações de Pedro Rafael. - São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

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