quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

XI – Mitologia dos Orixás : Orô [89] [90]

Orô
Reginaldo Prandi
Orô é traído pela mulher e se afasta do mundo
Era uma vez um grande caçador, que gostava de andar pelo mundo sem parar. Seu nome era Orô e era filho de Iemanjá.
Orô viajava, caçava e conquistava seus amores. Todas as mulheres tinham uma queda por Orô e ele adorava estar em sua companhia. Um dia Orô achou que era hora de assentar-se na vida.
Orô casou-se.
Era então o caçador pacato, que esperava ansioso o nascimento do seu primogênito. Mas sua mulher o traiu e abortou seu filho. Orô não a perdoou e desde então odiou as mulheres. Retirou-se para as matas que cercavam a cidade e nunca mais mulher alguma o viu.
Quem de Orô se aproxima, de dia ou de noite, pode escutar sua voz cavernosa e horripilante, grave como o som dos berrantes. Vive na mata como um egum, como um egum perdido e solitário, longe do mundo que tanto mal lhe fez.
É o senhor da floresta, que guarda e assombra, e todos o temem e o evitam.
Evitam até mesmo ouvir o pavoroso som de sua garganta, especialmente as mulheres, que ele odeia e culpa por sua triste sina. Vive na mata, onde aplica sua justiça, devorando feiticeiros, criminosos condenados e mulheres adúlteras que os homens lhe entregam. Só os homens dele se aproximam. Nem as mulheres podem ver Orô, nem Orô quer ver as mulheres.
[89]

Orô assusta o povo com seus gritos
Uma vez, numa antiga cidade africana, estava para acontecer um grande festival, em que os antepassados egunguns desfilavam pelas ruas. Foi recomendado a todos que fizessem sacrifícios, que oferecessem carneiros e galos.
Dizem que Xangô fez sete vezes o ebó designado, enquanto Orô nem pensou em tal assunto. Assim, quando Orô saiu a dançar pelas ruas, todos o acharam muito bonito, mas dele fugiram aterrorizados, logo que ele recomeçou a berrar. Sua voz era profunda, rouca, cavernosa, como o som saído de um berrante. Seu grito era insuportavelmente apavorante.
A cidade ficou deserta, sem uma só pessoa na rua. Todos se esconderam de Orô.
Com Xangô, o único que fez o ebó, foi o contrário: quando saía à rua era um sucesso. Todas as mulheres do local o festejavam, presenteando-o com ojás e muitas roupas finas, até que por fim resolveram coroá-lo e pô-lo no trono como rei, depois de ele ter conquistado quase todas as mulheres do local.
Orô, coitado, a partir daquele dia viveu sempre escondido, viveu sempre longe dos demais, sempre temido pelo som horrendo de sua garganta. Vive deste então sozinho na floresta e quando sai à rua todas as mulheres se escondem, com medo de sua visão e de sua voz.
[90]
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Leia também:

X – Mitologia dos Orixás: Orixá Ocô [82]
XII – Mitologia dos Orixás: Oquê [91] [92]

Reginaldo Prandi, paulista de Potirendaba e professor titular de sociologia da Universidade de São Paulo, é autor de três dezenas de livros. Pela editora Hucitec publicou Os candomblés de São Paulo, pela Edusp, Um sopro do Espírito, e pela Cosac Naify, Os príncipes do destino. Dele, a Companhia das Letras publicou também Segredos guardados: orixás na alma brasileiraMorte nos búziosIfá, o AdivinhoXangô, o TrovãoOxumarê, o Arco-ÍrisContos e lendas afro-brasileiros: a criação do mundoMinha querida assombraçãoJogo de escolhas e Feliz Aniversário.


Prandi, Reginaldo. Mitologia dos Orixás / Reginaldo Prandi; ilustrações de Pedro Rafael. - São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

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