Orô
Reginaldo Prandi
Orô é traído pela mulher e se afasta
do mundo
Era
uma vez um grande caçador, que gostava de andar pelo mundo sem parar. Seu nome
era Orô e era filho de Iemanjá.
Orô
viajava, caçava e conquistava seus amores. Todas as mulheres tinham uma queda
por Orô e ele adorava estar em sua companhia. Um dia Orô achou que era hora de
assentar-se na vida.
Orô
casou-se.
Era
então o caçador pacato, que esperava ansioso o nascimento do seu primogênito.
Mas sua mulher o traiu e abortou seu filho. Orô não a perdoou e desde então
odiou as mulheres. Retirou-se para as matas que cercavam a cidade e nunca mais
mulher alguma o viu.
Quem
de Orô se aproxima, de dia ou de noite, pode escutar sua voz cavernosa e
horripilante, grave como o som dos berrantes. Vive na mata como um egum, como um egum perdido e solitário, longe do mundo que tanto mal lhe fez.
É
o senhor da floresta, que guarda e assombra, e todos o temem e o evitam.
Evitam
até mesmo ouvir o pavoroso som de sua garganta, especialmente as mulheres, que
ele odeia e culpa por sua triste sina. Vive na mata, onde aplica sua justiça,
devorando feiticeiros, criminosos condenados e mulheres adúlteras que os homens
lhe entregam. Só os homens dele se aproximam. Nem as mulheres podem ver Orô,
nem Orô quer ver as mulheres.
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Orô assusta o povo com seus gritos
Uma
vez, numa antiga cidade africana, estava para acontecer um grande festival, em
que os antepassados egunguns desfilavam pelas ruas. Foi recomendado a todos que
fizessem sacrifícios, que oferecessem carneiros e galos.
Dizem
que Xangô fez sete vezes o ebó
designado, enquanto Orô nem pensou em tal assunto. Assim, quando Orô saiu a
dançar pelas ruas, todos o acharam muito bonito, mas dele fugiram
aterrorizados, logo que ele recomeçou a berrar. Sua voz era profunda, rouca,
cavernosa, como o som saído de um berrante. Seu grito era insuportavelmente
apavorante.
A
cidade ficou deserta, sem uma só pessoa na rua. Todos se esconderam de Orô.
Com
Xangô, o único que fez o ebó, foi o
contrário: quando saía à rua era um sucesso. Todas as mulheres do local o
festejavam, presenteando-o com ojás e
muitas roupas finas, até que por fim resolveram coroá-lo e pô-lo no trono como
rei, depois de ele ter conquistado quase todas as mulheres do local.
Orô,
coitado, a partir daquele dia viveu sempre escondido, viveu sempre longe dos
demais, sempre temido pelo som horrendo de sua garganta. Vive deste então
sozinho na floresta e quando sai à rua todas as mulheres se escondem, com medo
de sua visão e de sua voz.
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Leia também:
XII – Mitologia dos Orixás: Oquê [91] [92]
Reginaldo Prandi, paulista de Potirendaba e professor
titular de sociologia da Universidade de São Paulo, é autor de três dezenas de
livros. Pela editora Hucitec publicou Os candomblés de São Paulo, pela Edusp, Um sopro do
Espírito, e pela Cosac Naify, Os príncipes do destino. Dele, a
Companhia das Letras publicou também Segredos guardados: orixás na alma
brasileira; Morte nos búzios; Ifá, o Adivinho; Xangô, o
Trovão; Oxumarê, o
Arco-Íris; Contos e lendas afro-brasileiros: a criação do mundo; Minha querida
assombração; Jogo de escolhas e Feliz Aniversário.
Prandi, Reginaldo.
Mitologia dos Orixás / Reginaldo Prandi; ilustrações de Pedro Rafael. - São
Paulo: Companhia das Letras, 2001.
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