Manoel Bomfim
O Brasil nação volume 1
PRIMEIRA PARTE
SEQUÊNCIAS HISTÓRICAS
capítulo 1
capítulo 1
os frutos do 7 de setembro
Fecha-se, com a dissolução, um entreato, da longa farsa – A Independência do Brasil. Segue-se o 4º Ato – Reconciliação oficial no domínio dos Braganças, ato que se abre com a revolução republicana de Pernambuco. Finalmente os homens da Confederação do Equador foram esmagados. Com isso, acreditou o imperador ter obtido o preciso para chegar à reunião, que se não poderá realizar em 1823. De fato, por todo aquele tempo, não houve outros intuitos nos que conduziam a política oficial do país. A própria campanha do Sul amortece. Dissolve-se a Constituinte para afastar a cláusula da incompatibilidade das duas coroas... Mas, ato contínuo, reagem os democratas pernambucanos: agora é preciso dominá-los e afastar a nova dificuldade. Depois, far-se-á a sonhada paz do reconhecimento, em termos que permitam insinuar a reunião: o rei de Portugal fala como indisputado soberano do Brasil, e passa ao filho e sucessor a mesma soberania, conservando, contudo, a qualidade de imperante do Brasil. O zelo nacional dos brasileiros não permitirá que o tratado de reconhecimento se refira ostensivamente aos direitos do imperador do Brasil – à coroa de Portugal. Mas tal silêncio não os destruía (assim pensava Canning), e foi de toda evidência que o legítimo herdeiro e sucessor imediato de D. João VI contava investir-se no gozo dos seus direitos portugueses, uma vez chegada a oportunidade...36
É honra de brasileiro reconhecer que, desde a reação contra o holandês, Pernambuco dava o tom nacional a esta pátria. A vitória do portuguesismo contra os revolucionários de 6 de março ainda não suplantou o brasileirismo dos pernambucanos, tanto que, já o notamos, tramada a Independência de 1822, logo se voltaram para ali os politiqueiros da capital, certos de que obteriam pronto e eficaz concurso em prol do que eles apresentavam como causa nacional. Lembre-se a carta do Príncipe Real, a 9 de novembro de 1821: “... em Pernambuco não querem saber de portugueses... é a província que há de dar o exemplo às demais...” Armitage vem confirmar o conceito: “Em Pernambuco, onde o espírito de independência era mais forte do que em nenhuma outra cidade do Brasil...” Esse mesmo historiador não pode deixar de notar que as medidas empregadas para dominar o movimento de 1817 criaram radical incompatibilidade entre o patriotismo pernambucano e toda a política portuguesa. E tudo demonstra a verdade da observação. Já em 1821, as manifestações dos representantes de Pernambuco eram formalmente contra a unidade inteira de BrasilPortugal. Nas cortes, o modesto e recatado Muniz Tavares foi o primeiro, ou o único, a falar em absoluta independência. Quando se multiplicavam os doestos e as ameaças dos Borges Carneiros, ele propôs a retirada das tropas portuguesas que sujavam as províncias brasileiras, acusando-as de “terem sido a causa de todas as
§ 7 – A reação de Pernambuco
Fecha-se, com a dissolução, um entreato, da longa farsa – A Independência do Brasil. Segue-se o 4º Ato – Reconciliação oficial no domínio dos Braganças, ato que se abre com a revolução republicana de Pernambuco. Finalmente os homens da Confederação do Equador foram esmagados. Com isso, acreditou o imperador ter obtido o preciso para chegar à reunião, que se não poderá realizar em 1823. De fato, por todo aquele tempo, não houve outros intuitos nos que conduziam a política oficial do país. A própria campanha do Sul amortece. Dissolve-se a Constituinte para afastar a cláusula da incompatibilidade das duas coroas... Mas, ato contínuo, reagem os democratas pernambucanos: agora é preciso dominá-los e afastar a nova dificuldade. Depois, far-se-á a sonhada paz do reconhecimento, em termos que permitam insinuar a reunião: o rei de Portugal fala como indisputado soberano do Brasil, e passa ao filho e sucessor a mesma soberania, conservando, contudo, a qualidade de imperante do Brasil. O zelo nacional dos brasileiros não permitirá que o tratado de reconhecimento se refira ostensivamente aos direitos do imperador do Brasil – à coroa de Portugal. Mas tal silêncio não os destruía (assim pensava Canning), e foi de toda evidência que o legítimo herdeiro e sucessor imediato de D. João VI contava investir-se no gozo dos seus direitos portugueses, uma vez chegada a oportunidade...36
É honra de brasileiro reconhecer que, desde a reação contra o holandês, Pernambuco dava o tom nacional a esta pátria. A vitória do portuguesismo contra os revolucionários de 6 de março ainda não suplantou o brasileirismo dos pernambucanos, tanto que, já o notamos, tramada a Independência de 1822, logo se voltaram para ali os politiqueiros da capital, certos de que obteriam pronto e eficaz concurso em prol do que eles apresentavam como causa nacional. Lembre-se a carta do Príncipe Real, a 9 de novembro de 1821: “... em Pernambuco não querem saber de portugueses... é a província que há de dar o exemplo às demais...” Armitage vem confirmar o conceito: “Em Pernambuco, onde o espírito de independência era mais forte do que em nenhuma outra cidade do Brasil...” Esse mesmo historiador não pode deixar de notar que as medidas empregadas para dominar o movimento de 1817 criaram radical incompatibilidade entre o patriotismo pernambucano e toda a política portuguesa. E tudo demonstra a verdade da observação. Já em 1821, as manifestações dos representantes de Pernambuco eram formalmente contra a unidade inteira de BrasilPortugal. Nas cortes, o modesto e recatado Muniz Tavares foi o primeiro, ou o único, a falar em absoluta independência. Quando se multiplicavam os doestos e as ameaças dos Borges Carneiros, ele propôs a retirada das tropas portuguesas que sujavam as províncias brasileiras, acusando-as de “terem sido a causa de todas as
36 Pedro I nunca deixou de contar com a coroa de Portugal ao lado da do Brasil. Quem o atesta é o insuspeitíssimo Chalaça, nas suas Memórias... escritas depois que daqui partiu, muito depois da dissolução: “... o imperador abraçou a causa do Brasil com risco de perder uma coroa que herdara dos seus antepassados...” Quer dizer, ele não a considerava perdida, e se a perdesse era a contragosto.
desordens ocorridas... se elas aí continuassem, chegariam, talvez, os brasileiros a declarar por uma vez a sua independência...” Ao transcrever, em grifo, essas palavras, Varnhagem mostra que, “a ameaça proferida em Lisboa, produziu eco no Brasil”.37 Por tudo isto, a política dos independentistas do Sul, tinha certeza de achar decidido apoio em Pernambuco: “No Rio contava-se muito com Pernambuco para resolver a situação”. Mas, apesar de tudo, não foi coisa fácil, devido às justas e longas prevenções dos pernambucanos contra o trono dos Braganças. Eram, aqueles republicanos, bem próprios a prever o que seria o governo do continuador dos últimos reis portugueses. No surto da liberdade, sem mais dificuldade, eles enxotaram Luiz do Rego, e elegeram uma junta governativa, sob a presidência do dezessetista Gervasio Pires Ferreira, e este, tanto se concentrou nas suas legítimas desconfianças contra o Príncipe Real – por ser português, que deu ocasião a que os independentistas do Rio lhe estranhassem o procedimento, averbando-o de adversário. No entanto, é o próprio Drumond, que lá esteve, quem desmente a acusação: “Os pernambucanos não precisam que os estimulem para irem adiante: pelo contrário, se alguma coisa temos a fazer é puxar para trás”. Assim se explica que só a 1º de junho de 1822, tivesse a província de Pernambuco reconhecido a autoridade do príncipe regente, D. Pedro. Mas, quando se deu a adesão, foi sob a direção formal de Gervasio, com a colaboração de revolucionários fidelíssimos, como José de Barros Falcão.38 Continuando a narrar a sua
37 Op. cit., 172.
38 Este caso dá lugar a que o homem da Fundação, sempre indiferente à verdade, venha apresentar Gervasio como infenso à independência do Brasil, insinuando-o como possível partidário das cortes de Lisboa. E torcendo o episódio de 1º de junho de 22, afirma que o povo de Pernambuco se revoltou e obrigou a junta – de Gervasio, a aderir à Independência (Caps. I e IV, do t. 3). Varnhagem, como toda a linhagem dos historiadores bragantistas, inclusive o Barão do Rio Branco, é constante na má vontade contra Gervasio e os seus correligionários. Chega ao ponto, Varnhagem, de contar o caso de 1º de junho e a intervenção de Vasconcelos de modo inteiramente diferente do que se lê no mesmo Drummond, tudo isto no intuito de deixar mal a Gervasio. Rio Branco, que bate a mesma tecla, é, no entanto, obrigado a deixar a nu o historiador da História Geral, que fez todo o seu trabalho servindo-se, apenas, das informações dos portugueses, e vai a ponto de afirmar que Gervásio havia recebido a 17 de fevereiro um aviso – para tomar providências em favor do Brasil, e que a isto se negou, quando o mesmo aviso foi firmado no Rio, nesse dia 17 de fevereiro. Toda a insistência de um e de outro serve para patentear quanto eram justas as desconfianças de Gervasio, contra a independência que se tramava em benefício do Bragança. Partidário das cortes, Gervasio!... e quando as intrigas de José Bonifácio armaram Pedroso contra os republicanos do Recife, Gervasio veio recolher-se ao Rio de Janeiro! De caminho, é apanhado pelas tropas partidárias das cortes, na Bahia, preso e mandado para Lisboa, onde o processam, e donde ele só pôde voltar quando as mesmas cortes se dispersaram, afugentadas pelas tropas do infante...
intervenção, Drumond dá o completo testemunho da honestidade política e o intransigente brasileirismo de Gervasio:
Gervasio... havia tomado parte nos acontecimentos de 17... preso e posto em processo perante a terrível alçada de Bernardo Teixeira, emudeceu na prisão, e tal foi a constância do seu caráter que, apesar do mais duro tratamento, nunca traiu o propósito... Não era nada afeito a Portugal, mas também não queria decidir-se pelo Rio de Janeiro: temia que a regência do Príncipe deparasse em absolutismo. As suas ideias concentravam-se na república de Pernambuco, na Confederação do Equador. Manoel de Carvalho... seguia Gervasio nas mesmas ideias... os pernambucanos, de um caráter tão nobre que duvidar deles seria um atentado contra o bom senso...
Contudo, entregue o Brasil a essa política em que o Bragança era a independência, a atitude patrioticamente desconfiada de Gervasio e as reservas de Paes de Andrade pareceram oposição à libertação do país. Isso mesmo levou o governo do Rio de Janeiro a forçar a mão na intriga política, dividindo as gentes dali, atirando uns pernambucanos contra os outros, dando prestígio e força aos mais detestados pela sua sabujice junto ao trono; entregando os destinos da gloriosa província a políticos odiados, como Paes Barreto, ou brasileiros apóstatas, como Paula Mayrink. Para melhor preparar a situação, que permitiria intervenção análoga à de 1817, destacam-se para a heroica província comandantes d’armas prepotentes, grosseiros sargentos como Pedroso, ou reles intrigantes e espiões, como Alexandre Ferreira. E começam, para Pernambuco, os dias agitados e tristes, que vêm ter à revolução, com a Confederação do Equador. Nunca bem aderentes ao Bragança, os pernambucanos, excitados pelos golpes da insídia imperial, deram sinais de definitivo descontentamento desde que tiveram notícia da dissolução, e que viram o Brasil inteiramente nas mãos dos instrumentos do portuguesismo. A linguagem do tiphis pernambucano (do genial Frei Caneca), e do jornal de Cipriano Barata; o procedimento dos espoletas de Pedro I, que prendem a este jornalista, arbitrariamente, quando já eleito deputado à Constituinte; isto dá bem ideia dos motivos em que se agitavam os pernambucanos, e o fermentar revolucionário-democrático em que estava a província. É, ainda, Armitage quem formula o melhor conceito, por imparcial, quanto à realidade do sentimento pernambucano:
A cidade do Rio de Janeiro e as províncias circunvizinhas haviam se sujeitado à dissolução violenta da Assembleia Constituinte sem demonstrações de insubordinação, mas em Pernambuco manifestara-se um espírito muito diferente. A causa da Independência não havia recebido ali o cunho de ficção, faltando-lhe a presença de uma corte extravagante e aparatosa; e por isso tinha produzido raízes mais profundas na população... Os habitantes de Pernambuco haviam-se feito célebres pelo seu espírito democrático...
vencidos em 1817, eles pegaram em armas de novo contra Luiz do Rego e haviam expulsado as forças portuguesas sem auxílio estranho... 39
Foi contra a província, assim definida, que a política bragantina, definitivamente patente com Vilela Barbosa e Clemente Ferreira França, teve de travar a luta mais viva depois do golpe de 12 de novembro. E ressuscitaram, então, o ferrenho afidalgado Paes Barreto, antigo membro da junta de Recife, falho para a função, incompatibilizado com o sentimento republicano em que se conduzia o Pernambuco de Frei Caneca e os mais remanescentes de 1817. Finalmente, o morgado do Cabo reconhece que deve afastar-se, e o Rio de Janeiro recorre ao birrenegado Mayrink Ferrão. A tudo isto – dissolução, imposição de tirania, Pedroso, Mayrink, Paes Barreto... responderam os pernambucanos elegendo presidente da província a Paes de Andrade, genuíno democrata. Os instrumentos do trono replicaram: prisão de Paes de Andrade... ação de Lacerda Falcão... Antes, mesmo, da ostensiva revolução, veio a representação dos eleitores da província: “... a desconfiança não pequena em que se acham os habitantes desta província pelo extraordinário acontecimento... de 12 de novembro (dissolução), receando o restabelecimento do antigo e sempre detestado despotismo a que estamos dispostos a resistir corajosamente”. 40 Em julho, Paes de Andrade é peremptório:
Brasileiros! Unamo-nos e seremos invencíveis... Reuniu-se a Soberana Assembleia, e... vimos o Imperador postergando os mais solenes juramentos, e os mesmos princípios que lhe deram nascimento político, autoridade e força, insultando caluniosa e atrozmente o respeitável Corpo que representava a nossa soberania... Não é preciso, brasileiros, fazer a enumeração dos nefandos procedimentos do Imperador, nem das desgraças que acarretamos sobre nossas cabeças, por havermos escolhido, enganados ou preocupados, tal sistema de governo e tal chefe do Poder Executivo... Salta aos olhos a negra perfídia, são patentes os reiterados perjúrios do Imperador... a nossa ilusão ou engano, em adotarmos um sistema de governo defeituoso em sua origem, e mais defeituoso em suas partes componentes. As constituições... são feitas para os povos, e não os povos para as constituições... O sistema americano deve ser idêntico...
39 Op. cit., pág. 81.
40 R. I. H. G., 3º trim., pág. 124.
Um fato a destacar: os revolucionários da República do Equador, em nenhum momento atentaram contra a unidade nacional. Empenhavam-se, com o mesmo ardor, pelo Brasil inteiro, e compreenderam bem o verdadeiro motivo da dissolução – evitar a constituição a votar-se na Assembleia, onde se estabelecia a intransigente independência do Brasil, ao mesmo tempo que se prevenia todo excesso de poder para o imperante, e as possibilidades da centralização opressora. Em carta oficial, do primeiro momento, Manuel Paes o diz:
... O passe injusto do Imperador em mandar bloquear esta província de Pernambuco com o perverso intuito de nos fazer jurar à força d’armas um projeto de constituição em que a todas as luzes se abre a entrada para concluir o insidioso fim da intentada união (com Portugal), deve exacerbar os espíritos mais tranquilos... 41
41 Doc. da Conf. do Equador, págs. 124 e 125.
Drummond, sempre monarquista e bragantista, apesar de tudo é peremptório – em reconhecer a intransigência dos pernambucanos em preferir a revolução a qualquer transação com o Império corrupto, do filho de Carlota Joaquina: “... eu não podia contribuir para demover certos influentes de Pernambuco, do propósito em que estavam de preferir a revolução a qualquer acordo amigável...” Note-se: isto ele o verificou ali mesmo, nos próprios dias seguintes à dissolução. Quarenta anos depois, quando já não há sombra de dissentimentos, escrevendo a esse Drummond, Melo Moraes dá o seu atestado de historiador:
O golpe de Estado de 12 de novembro de 1823 foi tão desastrado que originou, em continuação, os movimentos revolucionários de 2 de julho de 1824 em Pernambuco, com ramificação nas Alagoas; o de 25 de outubro do mesmo ano, na Bahia; a perda da Cisplatina, em 1825; o movimento de 7 de abril de 1831, em todo o Império; o de 14 de abril de 1832, em Pernambuco; o de Pinto Madeira, no Ceará, e sucessivamente...,
explicitamente citando todas as agitações e protestos armados até a revolução de 1848 em Pernambuco.42 É óbvio, que a rápida ressurreição de dezessete não poderia resistir aos recursos de forças e de insídia, de que dispunha o Império de 1824. 43 A traição por um lado, a ferocidade por outro, a inexperiência pelo outro, e até o acaso, deram a vitória ao Bragança e lhe reforçaram transitoriamente a situação, com o triunfo de Lima e Silva, ajudado pelo inglês mercenário – Cochrane. O representante britânico, na Bahia, chegou à infâmia de entregar à justiça imperial o refugiado Gervasio de Pires Ferreira. Repetem-se, então, os castigos – vinganças do bragantismo covarde e mau: foram assassinados 17 brasileiros dos apanhados pelas forças de Lima e Silva, julgados e executados pelo feitor português Andrea. Repetiam-se, até, as frases parvamente bestiais e cominatórias de Rodrigo Lobo. Era governo a abjeção de Clemente Ferreira França, a completar Vilela Barbosa, e aquele baixou um aviso com vistas à esquadra em operações nas águas de Pernambuco: “... não admita convenção alguma ou capitulação,
42 Op. cit., págs. 135 a 139.
43 O próprio Varnhagem condena a execução, em 1824, de figuras secundárias, nada ameaçadoras para o Império (op. cit., pág. 437). Quanto aos executados do Rio de Janeiro, Ratcliffe, e os companheiros, esses mereceram o ódio póstumo, e uma segunda execução, por parte do omisso monarquista Barão do Rio Branco. No entanto, na época, e nos decênios seguintes, o caso – a ferocidade contra os inócuos revolucionários, Ratcliffe, Metrovitch e Loureiro provocou generalizada e piedosa indignação dos brasileiros. O Brasil Histórico (t. I, da 2ª série) publicou as peças do processo sob o título inconfundível “O assassinato jurídico de João Guilherme Ratcliffe, Loureiro e Metrovitch, no dia...” Então se soube: como o imperador insistiu junto aos juízes; como se esperou pelo perdão até a última hora; na falta desse, almas compassivas foram a Pedro I, chegaram a procurá-lo em casa da comborça, que se prestou a levar os emissários até junto dele; como o imperador se fechou num quarto, não respondendo a ninguém até que viu estar passada a hora da execução... Tudo isto, não porque Ratcliffe ameaçasse a ordem no Brasil, mas porque estava restabelecido o absolutismo em Portugal, e que Ratcliffe fora um dos decididos adversários do mesmo absolutismo. O governo de D. João quis que ele fosse suprimido e o governo do imperador a isto se prestou. Sales Torres Homem, que chegou a Visconde de Inhomirim, disse-o, sem rebuço, com as veemências ataviadas do tempo: “Após a devastação militar (campanha Lima e Silva Andreas), vem a procissão dos carrascos, patíbulos e vítimas. Sedento de vingança, o príncipe invade o santuário da justiça, para exigir as cabeças de seus súditos: insta, roga, ameaça, seduz; mas um resto de consciência dos juízes... trepida ante o remorso de enviar à morte cidadãos... Então, compondo, como Tiberio, o gesto e o rosto, ele fala dos constrangimentos de sua alma, exalta a própria clemência, e, se reclama a pena capital, é para ter a glória de comutá-la... O embuste decide o juiz; a morte está na sentença; o traidor não perdoa; o cadafalso funciona; e a nódoa indelével e eterna do assassinato jurídico de Ratcliffe negreja na fronte imperial... Enquanto os bons brasileiros gemem e se consternam, os cortesãos, os lusitanos, os inimigos e os desertores da bandeira da nação, exclamam, exultando de júbilo: – Venceu a causa da ordem; a anarquia e a rebelião foram suplantadas; o trono do imperador está salvo! – O trono foi salvo, isto é, que dessa época, data a sua perda; o sangue dos mártires subiu à presença de Deus pedindo justiça; a consciência pública ofendida jurou vingança; e o 7 de Abril veio cumprir o juramento”. (Libelo do Povo).
pois que não se deve dar quartel a rebeldes.” Finalmente, a ferocidade era mais nos instrumentos do Executivo, convertido em carrasco, do que mesmo nos que apanhavam os rebeldes e os julgavam. Lima e Silva, tão apressado em executar os primeiros, reconheceu que devia voltar a aspectos humanos, e chegou pedir o perdão dos dois últimos condenados Martins Pereira e o americano Rodgers. A miséria de Clemente Ferreira França, a serviço do príncipe português, foi inflexível. Não houve indulto, nem mesmo para aqueles que haviam lutado pela Independência, de que se aproveitara o imperador. Houve, até, vítimas executadas, depois reconhecidas inocentes. O mesmo Drummond, irmão do ajudante de ordens de Luiz do Rego, fecha nestes termos o seu comentário: “o ano de 1825 será gravado como funesto: o sangue brasileiro foi derramado por delito de opinião em Pernambuco”. 44
44 No Recife, o cabido todo, formado, de cruz alçada, seguido das confrarias, foi pedir ao presidente que sustasse a execução da sentença de Andrea. E, nada se conseguindo, chegou a vez de serem os carrascos mais piedosos do que os feitores agaloados: não se encontrou carrasco para o suplício da forca, e tiveram de fuzilar Frei Caneca.
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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."
Cecília Costa Junqueira
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O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).
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Leia também:
O Brasil nação - v1: § 6 – Desvenda-se o plano... - Manoel Bomfim
O Brasil nação - v1: § 8 – O caminho para o trono de Portugal - Manoel Bomfim
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