quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Florbela Espanca - A Mensageira das Violetas 10


Florbela Espanca



10 - A Mensageira das Violetas





VELHINHA



Se os que me viram já cheia de graça 
Olharem bem de frente para mim, 
Talvez, cheios de dor, digam assim: 
"Já ela é velha! Como o tempo passa!..." 

Não sei rir e cantar por mais que faça! 
Ó minhas mãos talhadas em marfim, 
Deixem esse fio de ouro que esvoaça! 
Deixem correr a vida até ao fim! 

Tenho vinte e três anos! Sou velhinha! 
Tenho cabelos brancos e sou crente... 
Já murmuro orações... falo sozinha... 

E o bando cor-de-rosa dos carinhos 
Que tu me fazes, olho-os indulgente, 
Como se fosse um bando de netinhos... 





IMPOSSÍVEL



Disseram-me hoje, assim, ao ver-me triste: 
"Parece Sexta-feira da Paixão.
Sempre a cismar, cismar, d´olhos no chão, 
Sempre a pensar na dor que não existe... 

O que é que tem?! Tão nova e sempre triste! 
Faça por ´star contente! Pois então?!..." 
Quando se sofre, o que se diz é vão... 
Meu coração, tudo, calado ouviste...

Os meus males ninguém mos adivinha... 
A minha dor não fala, anda sozinha... 
Dissesse ela o que sente! Ai quem me dera!... 

Os males d´Anto toda a gente os sabe! 
Os meus...ninguém... A minha dor não cabe 
Nos cem milhões de versos que eu fizera!...





QUEM?...



Não sei quem és. Já não te vejo bem... 
E ouço-me dizer (ai, tanta vez!...) 
Sonho que um outro sonho me desfez? 
Fantasma de que amor? Sombra de quem?

Névoa? Quimera? Fumo? Donde vem?... 
- Não sei se tu, amor, assim me vês!... 
Nossos olhos não são nossos, talvez... 
Assim, tu não és tu! Não és ninguém!...

És tudo e não és nada... És a desgraça... 
És quem nem sequer vejo; és um que passa... 
És sorriso de Deus que não mereço...

És aquele que vive e que morreu... 
És aquele que é quase um outro eu... 
És aquele que nem sequer conheço...





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A Mensageira das Violetas, de Florbela Espanca

Fonte: ESPANCA, Florbela. A mensageira das violetas: antologia. Seleção e edição de Sergio Faraco. Porto Alegre: L&PM, 1999. (Pocket). 

Texto proveniente de: 
A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo Permitido o uso apenas para fins educacionais. 

Texto-base digitalizado por: 


Luciana Peixoto Silva – Divinópolis/MG
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