Florbela Espanca
10 - A Mensageira das Violetas
VELHINHA
Se os que me viram já cheia de graça
Olharem bem de frente para mim,
Talvez, cheios de dor, digam assim:
"Já ela é velha! Como o tempo passa!..."
Não sei rir e cantar por mais que faça!
Ó minhas mãos talhadas em marfim,
Deixem esse fio de ouro que esvoaça!
Deixem correr a vida até ao fim!
Tenho vinte e três anos! Sou velhinha!
Tenho cabelos brancos e sou crente...
Já murmuro orações... falo sozinha...
E o bando cor-de-rosa dos carinhos
Que tu me fazes, olho-os indulgente,
Como se fosse um bando de netinhos...
IMPOSSÍVEL
Disseram-me hoje, assim, ao ver-me triste:
"Parece Sexta-feira da Paixão.
Sempre a cismar, cismar, d´olhos no chão,
Sempre a cismar, cismar, d´olhos no chão,
Sempre a pensar na dor que não existe...
O que é que tem?! Tão nova e sempre triste!
Faça por ´star contente! Pois então?!..."
Quando se sofre, o que se diz é vão...
Meu coração, tudo, calado ouviste...
Os meus males ninguém mos adivinha...
A minha dor não fala, anda sozinha...
Dissesse ela o que sente! Ai quem me dera!...
Os males d´Anto toda a gente os sabe!
Os meus...ninguém... A minha dor não cabe
Nos cem milhões de versos que eu fizera!...
QUEM?...
Não sei quem és. Já não te vejo bem...
QUEM?...
Não sei quem és. Já não te vejo bem...
E ouço-me dizer (ai, tanta vez!...)
Sonho que um outro sonho me desfez?
Fantasma de que amor? Sombra de quem?
Névoa? Quimera? Fumo? Donde vem?...
- Não sei se tu, amor, assim me vês!...
Nossos olhos não são nossos, talvez...
Assim, tu não és tu! Não és ninguém!...
És tudo e não és nada... És a desgraça...
És quem nem sequer vejo; és um que passa...
És sorriso de Deus que não mereço...
És aquele que vive e que morreu...
És aquele que é quase um outro eu...
És aquele que nem sequer conheço...
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A Mensageira das Violetas, de Florbela Espanca
Florbela Espanca - A Mensageira das Violetas 09
Florbela Espanca - A Mensageira das Violetas 11
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A Mensageira das Violetas, de Florbela Espanca
Fonte: ESPANCA, Florbela. A mensageira das violetas: antologia. Seleção e edição de Sergio Faraco. Porto Alegre: L&PM, 1999. (Pocket).
Texto proveniente de:
A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo Permitido o uso apenas para fins educacionais.
Texto-base digitalizado por:
Luciana Peixoto Silva – Divinópolis/MG
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