domingo, 19 de maio de 2019

Maquiavel - O Príncipe: Capítulos VII - Dos Principados novos que se conquistam com as armas e fortuna...

O PRÍNCIPE

Maquiavel


AO MAGNÍFICO LORENZO DE MEDICI NICOLÓ MACHIAVELLI






CAPÍTULO VII



DOS PRINCIPADOS NOVOS QUE SE CONQUISTAM COM AS ARMAS E FORTUNA DOS OUTROS 

 (DE PRINCIPATIBUS NOVIS QUI ALIENIS ARMIS ET FORTUNA ACQUIRUNTUR)



Aqueles que somente por fortuna se tornam de privados em príncipes, com pouca fadiga assim se transformam, mas só com muito esforço assim se mantêm: não encontram nenhuma dificuldade pelo caminho porque atingem o posto a voo; mas toda sorte de dificuldades nasce depois que aí estão. São aqueles aos quais é concedido um Estado, seja por dinheiro, seja por graça do concedente: como ocorreu a muitos na Grécia, nas cidades da Jônia e do Helesponto, onde foram feitos príncipes por Dario, a fim de que as conservassem para sua segurança e glória; como eram feitos, ainda, aqueles imperadores que, por corrupção dos soldados, de privados alcançavam o domínio do Império.

Estes estão simplesmente submetidos à vontade e à fortuna de quem lhes concedeu o Estado, que são duas coisas grandemente volúveis e instáveis: e não sabem e não podem manter a sua posição. Não sabem, porque, se não são homens de grande engenho e virtude, não é razoável que, tendo vivido sempre em ambiente privado, saibam comandar; não podem, porque não têm forças que lhes possam ser amigas e fiéis. Ainda, os Estados que surgem rapidamente, como todas as demais coisas da natureza que nascem e crescem depressa, não podem ter raízes e estruturação perfeitas, de forma que a primeira adversidade os extingue; salvo se aqueles que, como foi dito, assim repentinamente se tornaram príncipes, forem de tanta virtude que saibam desde logo preparar-se para conservar aquilo que a fortuna lhes pôs no regaço, formando posteriormente as bases que os outros estabeleceram antes de se tornar príncipes.

Destes dois citados modos de vir a ser príncipe, por virtude ou por fortuna, quero apontar dois exemplos ocorridos nos dias de nossa memória: estes são Francisco Sforza e César Bórgia. Francisco, pelos meios devidos e com grande virtude, de privado tornou-se duque de Milão; e aquilo que com mil esforços tinha conquistado, com pouco trabalho manteve. Por outro lado, César Bórgia, pelo povo chamado Duque Valentino, adquiriu o Estado com a fortuna do pai e, juntamente com aquela, o perdeu; isso não obstante fossem por ele utilizados todos os meios e feito tudo aquilo que devia ser efetivado por um homem prudente e virtuoso, para lançar raízes naqueles Estados que as armas e a fortuna de outrem lhe tinham concedido. Porque, como se disse acima, quem não lança os alicerces primeiro, com uma grande virtude poderá estabelecê-los depois, ainda que se façam com aborrecimentos para o construtor e perigo para o edifício. Se, pois, se considerarem todos os progressos do duque, ver-se-á ter ele estabelecido grandes alicerces para o futuro poderio, os quais não julgo supérfluo descrever, pois não saberia que melhores preceitos do que o exemplo de suas ações poderia indicar a um príncipe novo; e se as suas disposições não lhe aproveitaram, não foi por culpa sua, mas sim em resultado de uma extraordinária e extrema má sorte.

Tinha Alexandre VI, ao querer tornar grande o duque seu filho, muitas dificuldades presentes e futuras. Primeiro, não via meio de poder fazê-lo senhor de algum Estado que não fosse Estado da Igreja; voltando-se para tomar um destes, sabia que o duque de Milão e os venezianos não lho permitiriam, porque Faenza e Rimini estavam já sob a proteção dos venezianos. Via além disto as armas da Itália, e em especial aquelas de que poderia servir-se, encontrarem-se nas mãos daqueles que deviam temer a grandeza do Papa; não podia fiar-se, assim, pertencendo todas elas aos Orsíni e Colonna e seus partidários. Era, pois, necessário que se perturbasse aquela organização dos Estados italianos e fossem desarticulados os pertencentes àqueles, para poder assenhorear-se seguramente de parte dos mesmos. Isso foi-lhe fácil, eis que encontrou os venezianos que, levados por outras causas, tinham se posto a fazer com que os franceses retornassem à Itália, ao que não somente não se opôs, como também tornou mais fácil com a dissolução do primeiro matrimônio do Rei Luís. Passou, portanto, o rei à Itália com a ajuda dos venezianos e consentimento de Alexandre: nem bem era chegado a Milão, já o Papa dele obteve tropas para a conquista da Romanha, a qual tornou-se possível em razão da reputação do rei. Tendo ocupado a Romanha e batido os partidários dos Colonna, o duque, querendo manter a conquista e avançar mais à frente, tinha duas coisas que tal lhe impediam: uma, as suas tropas que não lhe pareciam fiéis, a outra, a vontade da França; isto é, temia o duque que lhe falhassem as tropas dos Orsíni, das quais se valera, não só impedindo-o de conquistar, como também tomando-lhe o conquistado, bem como receava que o rei não deixasse de fazer-lhe o mesmo. Dos Orsíni teve prova quando, depois da tomada de Faenza, assaltando Bolonha, os viu irem friamente a esse assalto; acerca do rei, conheceu sua disposição quando, tomado o ducado de Urbino, atacou a Toscana; o rei fê-lo desistir dessa campanha. Em conseqüência de tal, o duque deliberou não mais depender das armas e fortuna dos outros. Inicialmente, enfraqueceu as facções dos Orsíni e dos Colonna em Roma; para tanto, atraiu para junto de si todos os adeptos dos mesmos, que fossem gentis-homens, fazendo-os seus gentis-homens, dando-lhes grandes estipêndios e os honrando. Segundo suas qualidades, com comandos e governos; de forma que, em poucos meses, a afeição que mantinham pelas facções foi extinta e voltou-se toda ela para o duque. Depois, esperou a ocasião de eliminar os Orsíni, dispersos que já estavam os da casa Colonna, ocasião que lhe surgiu bem e que ele melhor aproveitou; porque, tendo percebido os Orsíni, tarde porém, que a grandeza do duque e da Igreja era a sua ruína, organizaram uma conferência em Magione, no Perugino. Dessa reunião nasceram a rebelião de Urbino, os tumultos da Romanha e infinitos perigos para o duque, o qual a todos superou com o auxílio dos franceses.

E, readquirida a reputação, não confiando na França nem nas outras tropas estrangeiras, para não as ter fortalecidas, socorreu-se da astúcia. E tão bem soube dissimular seus sentimentos, que os Orsíni, por intermédio do Senhor Paulo, reconciliaram-se com ele: para assegurar-se melhor deste intermediário, o duque não deixou de dispensar-lhe cortesia de toda natureza, dando-lhe dinheiro, roupas e cavalos; tanto assim que a simplicidade dos Orsíni levou-os a Sinigalia, às mãos do duque. Eliminados, pois, estes chefes, transformados os partidários dos mesmos em amigos seus, tinha o duque lançado muito boas bases para o seu poderio, possuindo toda a Romanha com o ducado de Urbino, parecendo-lhe, ainda, ter tornado amiga a Romanha e ganho para si todas aquelas populações que começavam a experimentar o seu bem-estar.

E, porque esta parte é digna de ser conhecida e imitada pelos outros, não desejo omiti-la. Tomada que foi a Romanha, encontrando-a dirigida por senhores impotentes, os quais mais depressa haviam espoliado os seus súditos do que os tinham governado, dando-lhes motivo de desunião ao invés de união, tanto que aquela província era toda ela cheia de latrocínios, de brigas e de tantas outras causas de insolência, o duque julgou necessário, para torná-la pacífica e obediente ao poder real, dar-lhe bom governo. Por isso, aí colocou Ramiro de Orco, homem cruel e solícito, ao qual deu os mais amplos poderes. Este, em pouco tempo, tornou-a pacífica e unida, com mui grande reputação. Depois, entendeu o duque não ser necessária tão excessiva autoridade, e isso porque não duvidava pudesse vir a mesma a tornar-se odiosa; instalou um juízo civil no centro da província, com um presidente excelentíssimo, onde cada cidade tinha o seu advogado. E porque sabia que os rigorismos passados tinham dado origem a algum ódio, para limpar os espíritos daquelas populações e conquistá-los completamente, quis mostrar que, se alguma crueldade havia ocorrido, não nascera dele, mas sim da triste e cruel natureza do ministro. E, servindo-se da oportunidade, fez colocarem-no uma manhã, na praça pública de Casena, cortado em dois pedaços, com um pau e uma faca ensanguentada ao lado. A ferocidade desse espetáculo fez com que a população ficasse ao mesmo tempo satisfeita e pasmada.



continua...


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Breve biografia de Nicolau Maquiavel

Nicolau Maquiavel
Filósofo político e escritor italiano
Por Dilva Frazão



Nicolau Maquiavel (1469-1527) foi um filósofo político, historiador, diplomata e escritor italiano, autor da obra-prima "O Príncipe". Foi profundo conhecedor da política da época, estudou-a em suas diferentes obras. Viveu durante o governo de Lourenço de Médici. Realista e patriota definiu os meios para erguer a Itália.

Nicolau Maquiavel nasceu em Florença, Itália, no dia 3 de maio de 1469. Sua família de origem Toscana participou dos cargos públicos por mais de três séculos. Filho de Bernardo Maquiavel, jurista e tesoureiro da província de Marca de Ancona e de Bartolomea Nelli, que era ligada às mais ilustres família de Florença.

Interessado pelos problemas de seu tempo, Maquiavel participou ativamente da política de Florença. Com 29 anos, tornou-se secretário da Segunda Chancelaria durante o governo de Piero Soderim. Tinha a seu cargo questões militares de ordem interna como a redação de documentos oficiais. Ocasionalmente, realizou missões diplomáticas envolvendo a França, Alemanha, os Estados papais e diversas cidades italianas, como Milão, Pisa e Veneza...

... A obra “O Príncipe”, escrita por Maquiavel em 1513, e publicada postumamente em 1532, se transformou em sua obra-prima. O livro, um manual sobre a arte de governar, foi inspirado no estilo político de César Bórgia um dos mais ambiciosos comandantes italianos, que ficou conhecido por seu poder e atrocidades que cometeu para conseguir o que queria. Maquiavel viu nele o modelo para os demais governantes da época.

A obra revela a preocupação de Maquiavel com o momento histórico da Itália, fragilizada pela falta de unidade nacional e alvo de invasões e intrigas diplomáticas. Indignado com a decadência política e moral da Itália, o autor dirige conselhos a um príncipe imaginário, com o único objetivo de unificar a Itália e criar uma nação moderna e poderosa.

Para Maquiavel, o importante era realizar o desejo projetado, mesmo sob qualquer forma de governo – monarquia ou república, e por qualquer meio, inclusive a violência. Considerava os fatores morais, religiosos e econômicos, que operavam na sociedade como forças que um governante hábil poderia e deveria utilizar para construir um estado nacional forte. Assim, o príncipe com seu exército nacional que substituísse as precárias forças mercenárias, deveria ser capaz de estender seu domínio sobre todas as cidades italianas, acabando com a discórdia.


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Leia também:

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