terça-feira, 21 de maio de 2019

Pedagogia do Oprimido - Aprender a dizer a sua palavra (3)

Paulo Freire

Pedagogia do Oprimido - Aprender a dizer a sua palavra (3)




“educação como prática da liberdade”:
alfabetizar é conscientizar 







Prefácio



Aprender a dizer a sua palavra


Professor Ernani Maria Fiori 




continuando...





Não se deixará, pois, aprisionar nos mecanismos de composição vocabular. E buscará novas palavras, não para colecioná -las na memória, mas para dizer e escrever o seu mundo, o seu pensamento, para contar sua história. Pensar o mundo é julgá-lo; e a experiência dos círculos de cultura mostra que o alfabetizando, ao começar a escrever livremente, não copia palavras, mas expressa juízos. Estes, de certa maneira, tentam reproduzir o movimento de srta própria experiência; o alfabetizando, ao dar-lhes forma escrita, vai assumindo, gradualmente, a consciência de testemunha de uma história de que se sabe autor. Na medida em que se apercebe como testemunha de sua história, sua consciência se faz reflexivamente mais responsável dessa história.

O método Paulo Freire não ensina a repetir palavras, não se restringe a desenvolver a capacidade de pensá -las segundo as exigências lógicas do discurso abstrato; simplesmente coloca o alfabetizando em condições de poder re-existenciar criticamente as palavras de seu mundo, para, na oportunidade devida, saber e poder dizer a sua palavra.

Eis porque, em uma cultura letrada, aprende a ler e escrever, mas a intenção última com que o faz, vai além da alfabetização. Atravessa e anima toda a empresa educativa, que não é senão aprendizagem permanente desse esforço de totalização – jamais acabada – através do qual o homem tenta abraçar- se inteiramente na plenitude de sua forma. É a própria dialética em que se existência o homem. Mas, para isto, para assumir responsavelmente sua missão de homem, há de aprender a dizer a sua palavra, pois, com ela, constitui a si mesmo e a comunhão humana em que se constitui; instaura o mundo em que se humaniza, humanizando-o.
Com a palavra, o homem se faz homem. Ao dizer a sua palavra, pois, o homem assume conscientemente sua essencial condição humana. E o método que lhe propicia essa aprendizagem comensura-se ao homem todo, e seus princípios fundam toda pedagogia, desde a alfabetização até os mais altos níveis do labor universitário.

A educação reproduz, assim, em seu plano próprio, a estrutura dinâmica e o movimento dialético do processo histórico de produção do homem. Para o homem, produzir-se é conquistar- se, conquistar sua forma humana. A pedagogia é antropologia.

Tudo foi resumido por uma mulher simples do povo, num círculo de cultura, diante de uma situação representada em quadro: “Gosto de discutir sobre isto porque vivo assim. Enquanto vivo, porém, não vejo. Agora sim, observo como vivo”.

A consciência é essa misteriosa e contraditória capacidade que tem o homem de distanciar-se das coisas para fazê-las presentes, imediatamente presentes. É a presença que tem o poder de presentifìcar: não é representação, mas condição de apresentação. É um comportar-se do homem frente ao meio que o envolve, transformando-o em mundo humano. Absorvido pelo meio natural, responde a estímulos; e o coito de suas respostas mede- se por sua maior ou menor adaptação: naturaliza- se. Despegado de seu meio vital, por virtude da consciência, enfrenta as coisas objetivando -as, e enfrenta-se com elas, que deixam de ser simples estímulos, pura se tornarem desafios. O meio envolvente não o fecha, limita- o – o que supõe a consciência do além- limite. Por isto, porque se projeta intencionalmente além do limite que tenta encerrá-la, pode a consciência desprender-se dele, liberar-se e objetivar, transubstanciando o meio físico em mundo humano.

A “hominização” não é adaptação: o homem não se naturaliza, humaniza o mundo. A “hominização” não é só processo biológico, mas também história.

A intencionalidade da consciência humana não morre na espessura de um envoltório sem reverso. Ela tem dimensão sempre maior do que os horizontes que a circundam. Perpassa além das coisas que alcança, e porque as sobrepassa, pode enfrentá-las como objetos.

A objetividade dos objetos é constituída na intencionalidade da consciência, mas, paradoxalmente, esta atinge, no objetivado, o que ainda não se objetivou: o objetimável. Portanto, o objeto não é só objeto, é, ao mesmo tempo, problema: o que está em frente, como obstáculo e interrogação. Na dialética constituinte da consciência, em que esta se perfaz na medida em que faz o mundo, a interrogação nunca é pergunta exclusivamente especulativa: no processo de totalização da consciência é sempre provocação que a incita a totalizar-se. O mundo é espetáculo, mas sobretudo convocação. E, como a consciência se constitui necessariamente como consciência do mundo, ela é, pois, simultânea e implicadamente, apresentação e elaboração do mundo.




continua....



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PAULO FREIRE
PEDAGOGIA DO OPRIMIDO
23ª Reimpressão
PAZ E TERRA

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© Paulo Freire, 1970
Capa
Isabel Carballo
Revisão
Maria Luiza Simões e Jonas Pereira dos Santos
(Preparaço pelo Centro de Catalog aço -na-fonte do
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ)



Freire, Paulo

F934p      Pedagogia do oprimido, 17ª. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1987

(O mundo, hoje, v.21)

1.   Alfabetizaço – Métodos 2. Alfabetizaço – Teoria I. Título II. Série

CDD-374.012
-371.332

77-0064                          CDD-371.3:376.76

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1994

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Educação como Prática da Liberdade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1967; e Pedagogia do Oprimido

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