segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Maquiavel - O Príncipe: Capítulos III Dos Principados Mistos (conclusão)

O PRÍNCIPE

Maquiavel


AO MAGNÍFICO LORENZO DE MEDICI NICOLÓ MACHIAVELLI






CAPÍTULO III


DOS PRINCIPADOS MISTOS 
(DE PRINCIPATIBUS MIXTIS)


Deve, ainda, quem se encontre à frente de uma província diferente, como foi dito, tornar-se chefe e defensor dos menos fortes, tratando de enfraquecer os poderosos e cuidando que em hipótese alguma aí penetre um forasteiro tão forte quanto ele. E sempre surgirá quem seja chamado por aqueles que na província se sintam descontentes, seja por excessiva ambição, seja por medo, como viu-se terem os etólios introduzido na Grécia os romanos que, aliás, em todas as outras províncias que conquistaram, fizeram-no auxiliados pelos respectivos habitantes. E a ordem das coisas é que, tão logo um estrangeiro poderoso penetre numa província, todos aqueles que nela são mais fracos a ele deem adesão, movidos pela inveja contra quem se tornou poderoso sobre eles; tanto assim é que em relação a estes não se torna necessário grande trabalho para obter seu apoio, pois logo todos eles, voluntariamente, formam bloco com o seu Estado conquistado. Apenas deve haver o cuidado de não permitir adquiram eles muito poder e muita autoridade, podendo o conquistador, facilmente, com suas forças e com o apoio dos mesmos, abater aqueles que ainda estejam fortes, para tornar-se senhor absoluto daquela província. E quem não encaminhar satisfatoriamente esta parte, cedo perderá a sua conquista e, enquanto puder conservá-la, terá infinitos aborrecimentos e dificuldades.

Os romanos, nas províncias de que se assenhorearam, observaram bem estes pontos: fundaram colônias, conquistaram a amizade dos menos prestigiosos, sem lhes aumentar o poder, abateram os mais fortes e não deixaram que os estrangeiros poderosos adquirissem conceito. Quero tomar como exemplo apenas a província da Grécia. Os aqueus e os etólios tornaram-se amigos dos romanos; foi abatido o reino dos macedônios e daí foi expulso Antíoco; mas nem os méritos dos aqueus e dos etólios lhes asseguraram permissão para conquistar algum Estado, nem a persuasão de Felipe logrou fazer com que os romanos se tornassem seus amigos e não o diminuíssem, nem o poder de Antíoco conseguiu fazer com que os mesmos o autorizassem a manter seu domínio naquela província. Isso tudo ocorreu porque os romanos fizeram nesses casos aquilo que todo príncipe inteligente deve fazer: não somente vigiar e ter cuidado com as desordens presentes, como também com as futuras, evitando-as com toda a cautela porque, previstas a tempo, facilmente se lhes pode opor corretivo; mas, esperando que se avizinhem, o remédio não chega a tempo, e o mal já então se tornou incurável. Ocorre aqui como no caso do tuberculoso, segundo os médicos: no princípio é fácil a cura e difícil o diagnóstico, mas com o decorrer do tempo, se a enfermidade não foi conhecida nem tratada, torna-se fácil o diagnóstico e difícil a cura. Assim também ocorre nos assuntos do Estado porque, conhecendo com antecedência os males que o atingem (o que não é dado senão a um homem prudente), a cura é rápida; mas quando, por não se os ter conhecido logo, vêm eles a crescer de modo a se tornarem do conhecimento de todos, não mais existe remédio.

Contudo, os romanos, prevendo as perturbações, sempre as tolheram e jamais, para fugir à guerra, permitiram que as mesmas seguissem seu curso, pois sabiam que a guerra não se evita mas apenas se adia em benefício dos outros; por isso mesmo, promoveram a guerra contra Felipe e Antíoco na Grécia, para evitar terem de fazê-la na Itália e, no entanto, podiam ter evitado a luta naquele momento, se o quisessem. Nem em momento algum lhes agradou aquilo que todos os dias está nos lábios dos entendidos de nosso tempo, o desejo de gozar do benefício da contemporização, mas sim apenas aquilo que resultava de sua própria virtude e prudência: na verdade o tempo lança à frente todas as coisas e pode transformar o bem em mal e o mal em bem.

Mas voltemos à França e examinemos se ela fez alguma das coisas que expomos, falando eu de Luís e não de Carlos porque foi daquele que, por ter mantido mais prolongado domínio na Itália, melhor se viram os progressos: e vereis como ele fez o contrário que se deve fazer para conservar um Estado numa província diferente.

O Rei Luís foi conduzido à Itália pela ambição dos venezianos que, por tal meio, quiseram ganhar o Estado da Lombardia, Não desejo censurar o partido tomado pelo rei; porque, querendo começar a pôr um pé na Itália e não tendo amigos nesta província, sendo-lhe, ao contrário, fechadas todas as portas em razão do comportamento do Rei Carlos, foi obrigado a servir-se daquelas amizades com que podia contar: e ter-lhe-ia resultado bem escolhido esse partido, se nos outros manejos não tivesse cometido erro algum. Conquistada, pois, a Lombardia, o rei readquiriu prontamente aquela reputação que Carlos perdera: Gênova cedeu; os florentinos tornaram-se seus amigos; o marquês de Mantua, o duque de Ferrara, Bentivoglio, a senhora de Forli, o senhor de Faenza, de Pesaro, de Rimini, de Camerino, de Piombino, os Luqueses, os Pisanos e os Sieneses, todos foram ao seu encontro para tornarem-se seus amigos. Os venezianos puderam considerar então a temeridade da resolução que haviam adotado, pois que, para conquistar dois tratos de terra na Lombardia, fizeram o rei tornar-se senhor de dois terços da Itália.

Considere-se agora com quanta facilidade podia o rei manter a sua reputação na Itália se, observadas as normas já referidas, tivesse conservado seguros e defendidos todos aqueles seus amigos que, por serem em grande número, fracos e medrosos uns em relação à Igreja os outros face aos venezianos, precisavam sempre estar com ele; por meio deles poderia, facilmente, ter-se assegurado contra os que ainda se conservavam fortes.

Mas ele, apenas chegado a Milão, fez o contrário, dando auxilio ao papa Alexandre para que ocupasse a Romanha. Nem percebeu que com essa deliberação enfraquecia a si próprio, afastando os amigos e aqueles que se lhe tinham lançado aos braços, enquanto engrandecia a Igreja acrescentando ao poder espiritual, que lhe dá tanta autoridade, tamanha força temporal. Cometido um primeiro erro, foi compelido a seguir praticando outros até que, para pôr fim à ambição de Alexandre e evitar que este se tornasse senhor da Toscana, teve de vir pessoalmente à Itália. Não lhe bastou ter tornado grande a Igreja e perder os amigos; por querer o reino de Nápoles, dividiu-o com o rei da Espanha; sendo primeiro o árbitro da Itália, aí colocou um companheiro para que os ambiciosos daquela província e os descontentes com ele mesmo tivessem onde recorrer e, em vez de deixar naquele reino um soberano a ele sujeito, tirou-o para, em seu lugar, colocar um outro que pudesse expulsá-lo dali.

É coisa muito natural e comum o desejo de conquistar e, sempre, quando os homens podem fazê-lo, serão louvados ou, pelo menos, não serão censurados; mas quando não têm possibilidade e querem fazê-lo de qualquer maneira, aqui está o erro e, consequentemente, a censura. Se a França, pois, podia assaltar Nápoles com suas forças, devia fazê-lo; se não podia, não devia dividir esse reino. E se a divisão que fez com os venezianas sobre a Lombardia mereceu desculpa por ter com ela firmado pé na Itália, aquela merece censura em razão de não ser justificada por essa necessidade.

Tinha, pois, Luís, cometido estes cinco erros: eliminou os menos fortes; aumentou na Itália o prestígio de um poderoso; aí colocou um estrangeiro poderosíssimo; não veio habitar no país; não instalou colônias.

Estes erros, contudo, poderiam não ter causado dano enquanto vivo ele fosse, se não houvesse sido cometido o sexto erro, tomar os territórios aos venezianos. Na verdade, se não tivesse tornado grande a Igreja nem introduzido a Espanha na Itália, seria bem razoável e necessário enfraquecê-los; mas, tomados que foram aqueles partidos, nunca deveriam consentir na ruína dos mesmos, pois, sendo poderosos, teriam sempre mantido aquelas à distância da Lombardia, e isso porque os venezianos jamais iriam consentir em qualquer manobra contra esse Estado, a menos que eles se tornassem os senhores, da mesma forma que os outros não iriam querer tomá-lo à França para dá-lo aos venezianos, ao mesmo tempo que lhes faltava coragem para entrar em luta com estes e com a França. E se alguém dissesse: o Rei Luís cedeu a Romanha a Alexandre e o Reino à Espanha para fugir a uma guerra - respondo com as razões já anteriormente expostas de que - nunca se deve deixar prosseguir uma crise para escapar a uma guerra, mesmo porque dela não se foge mas apenas se adia para desvantagem própria. E se alguns outros alegassem a palavra que o rei havia dado ao Papa, qual a de realizar para ele aquela conquista em troca da dissolução de seu casamento e do chapéu cardinalício para o arcebispo de Ruão - respondo com o que mais adiante se dirá acerca da palavra dos príncipes e de como se a deve respeitar.

Perdeu, pois, o Rei Luís a Lombardia por não ter respeitado nenhum dos princípios observados por outros que dominaram províncias e quiseram conservá-las. Não há aqui milagre algum, mas é sim muito comum e razoável. E deste assunto falei em Nantes ao arcebispo de Ruão, quando Valentino, assim popularmente chamado César Bórgia, filho do Papa Alexandre, ocupava a Romanha: porque, dizendo-me o cardeal de Ruão que os italianos não entendiam de guerra, retruquei-lhe que os franceses não entendiam do Estado, pois que, se de tal compreendessem, não teriam deixado que a Igreja alcançasse tanta grandeza. E por experiência viu-se que a grandeza da Igreja e da Espanha na Itália foi causada pela França, e a ruína desta foi acarretada por aquelas.
Disso se extrai uma regra geral que nunca ou raramente falha: quem é causa do poderio de alguém arruína-se, por que esse poder resulta ou da astúcia ou da força e ambas são suspeitas para aquele que se tornou poderoso.




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Biografia de Nicolau Maquiavel

Nicolau Maquiavel
Filósofo político e escritor italiano
Por Dilva Frazão



Nicolau Maquiavel (1469-1527) foi um filósofo político, historiador, diplomata e escritor italiano, autor da obra-prima "O Príncipe". Foi profundo conhecedor da política da época, estudou-a em suas diferentes obras. Viveu durante o governo de Lourenço de Médici. Realista e patriota definiu os meios para erguer a Itália.

Nicolau Maquiavel nasceu em Florença, Itália, no dia 3 de maio de 1469. Sua família de origem Toscana participou dos cargos públicos por mais de três séculos. Filho de Bernardo Maquiavel, jurista e tesoureiro da província de Marca de Ancona e de Bartolomea Nelli, que era ligada às mais ilustres família de Florença.

Interessado pelos problemas de seu tempo, Maquiavel participou ativamente da política de Florença. Com 29 anos, tornou-se secretário da Segunda Chancelaria durante o governo de Piero Soderim. Tinha a seu cargo questões militares de ordem interna como a redação de documentos oficiais. Ocasionalmente, realizou missões diplomáticas envolvendo a França, Alemanha, os Estados papais e diversas cidades italianas, como Milão, Pisa e Veneza...

... A obra “O Príncipe”, escrita por Maquiavel em 1513, e publicada postumamente em 1532, se transformou em sua obra-prima. O livro, um manual sobre a arte de governar, foi inspirado no estilo político de César Bórgia um dos mais ambiciosos comandantes italianos, que ficou conhecido por seu poder e atrocidades que cometeu para conseguir o que queria. Maquiavel viu nele o modelo para os demais governantes da época.

A obra revela a preocupação de Maquiavel com o momento histórico da Itália, fragilizada pela falta de unidade nacional e alvo de invasões e intrigas diplomáticas. Indignado com a decadência política e moral da Itália, o autor dirige conselhos a um príncipe imaginário, com o único objetivo de unificar a Itália e criar uma nação moderna e poderosa.

Para Maquiavel, o importante era realizar o desejo projetado, mesmo sob qualquer forma de governo – monarquia ou república, e por qualquer meio, inclusive a violência. Considerava os fatores morais, religiosos e econômicos, que operavam na sociedade como forças que um governante hábil poderia e deveria utilizar para construir um estado nacional forte. Assim, o príncipe com seu exército nacional que substituísse as precárias forças mercenárias, deveria ser capaz de estender seu domínio sobre todas as cidades italianas, acabando com a discórdia.


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