domingo, 26 de maio de 2019

Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXVII - Êxtase

Cruz e Sousa

Obra Completa
Volume 1
POESIA



O Livro Derradeiro
Primeiros Escritos

Cambiantes
Outros Sonetos Campesinas
Dispersas
Julieta dos Santos




OUTROS SONETOS 







ÊXTASE


Quando vens para mim, abrindo os braços 
Numa carícia lânguida e quebrada, 
Sinto o esplendor de cantos de alvorada 
Na amorosa fremência dos teus passos.

Partindo os duros e terrestres laços, 
A alma tonta, em delírio, alvoroçada, 
Sobe dos astros a radiosa escada 
Atravessando a curva dos espaços.

Vens, enquanto que eu, perplexo d’espanto, 
Mal te posso abraçar, gozar-te o encanto 
Dos seios, dentre esses rendados folhos.

Nem um beijo te dou! abstrato e mudo 
Diante de ti, sinto-te, absorto em tudo, 
Uns rumores de pássaros nos olhos.





LUAR


Ao longo das louríssimas searas 
Caiu a noite taciturna e fria... 
Cessou no espaço a límpida harmonia 
Das infinitas perspectivas claras.

As estrelas no céu, puras e raras, 
Como um cristal que nítido radia, 
Abrem da noite na mudez sombria 
O cofre ideal de pedrarias caras.

Mas uma luz aos poucos vai subindo 
Como do largo mar ao firmamento – abrindo 
Largo clarão em flocos d’escomilha.

Vai subindo, subindo o firmamento! 
E branca e doce e nívea, lento e lento, 
A lua cheia pelos campos brilha...





CELESTE


Vi-te crescer! tu eras a criança 
Mais linda, mais gentil, mais delicada: 
Tinhas no rosto as cores da alvorada 
E o sol disperso pela loira trança.

Asas tinhas também, as da esperança... 
E de tal sorte eras sutil e alada 
Que parecias ave arrebatada 
Na luz do Espaço onde a razão descansa!

Depois, então, fizeste-te menina, 
Visão de amor, puríssima, divina, 
Perante a qual ainda hoje me ajoelho.

Cresceste mais! És bela e moça agora... 
Mais eu, que acompanhei toda essa aurora, 
Sinto bem quanto estou ficando velho.






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De fato, a inteligência, criatividade e ousadia de Cruz e Sousa eram tão vigorosos que, mesmo vítima do preconceito racial e da sempiterna dificuldade em aceitar o novo, ainda assim o desterrense, filho de escravos alforriados, João da Cruz e Sousa, “Cisne Negro” para uns, “Dante Negro” para outros, soube superar todos os obstáculos que o destino lhe reservou, tornando-se o maior poeta simbolista brasileiro, um dos três grandes do mundo, no mesmo pódio onde figuram Stephan Mallarmé e Stefan George. A sociedade recém-liberta da escravidão não conseguia assimilar um negro erudito, multilíngue e, se não bastasse, com manias de dândi. Nem mesmo a chamada intelligentzia estava preparada para sua modernidade e desapego aos cânones da época. Sua postura independente e corajosa era vista como orgulhosa e arrogante. Por ser negro e por ser poeta foi um maldito entre malditos, um Baudelaire ao quadrado. Depois de morrer como indigente, num lugarejo chamado Estação do Sítio, em Barbacena (para onde fora, às pressas, tentar curar-se de tuberculose), seu
corpo foi levado para o Rio de Janeiro graças à intervenção do abolicionista José do Patrocínio, que cuidou para que tivesse um enterro cristão, no cemitério São João Batista.



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