Paulo Freire
Pedagogia do Oprimido - Aprender a dizer a sua palavra (2)
“educação como prática da liberdade”:
alfabetizar é conscientizar
Prefácio
Aprender a dizer a sua palavra
Uma pesquisa prévia investiga o universo das palavras faladas, no meio cultural do alfabetizando. Daí são extraídos os vocábulos de mais ricas possibilidades fonêmicas e de maior carga semântica – os que não só permitem rápido domínio do universo da palavra escrita, como também, o mais eficaz engajamento de quem a pronuncia, com a força pragmática que instaura e transforma o mundo humano.
Estas palavras são chamadas geradoras porque, através da combinação de seus elementos básicos, propiciam a formação de outras. Como palavras do universo vocabular do alfabetizando, são significações constituídas ou re -constituídas em comportamentos seus, que configuram situações existenciais ou, dentro delas, se configuram. Tais significações são plasticamente codificadas em quadros, slides, filminas, etc., representativos das respectivas situações, que, da experiência vivida do alfabetizando, passam para o mundo dos objetos. O alfabetizando ganha distância para ver sua experiência: “ad-mirar”. Nesse instante, começa a descodificar.
A descodificação é análise e consequente reconstituição da situação vivida: reflexo, reflexão e abertura de possibilidades concretas de ultrapassagem. Mediada pela objetivação, a imediatez da experiência lucidifica-se, interiormente, em reflexão de si mesma e crítica animadora de novos projetos existenciais. O que antes era fechamento, pouco a pouco se vai abrindo; a consciência passa a escutar os apelos que a convocam sempre mais além de seus limites: faz -se crítica.
Ao objetivar seu mundo, o alfabetizando nele reencontra-se com os outros e nos outros, companheiros de seu pequeno “círculo de cultura”. Encontram-se e reencontram- se todos no mesmo mundo comum e, da coincidência das intenções que o objetivam, ex-surge a comunicação, o diálogo que criticiza e promove os participantes do círculo. Assim, juntos, re-criam criticamente o seu mundo: o que antes os absorvia, agora podem ver ao revés. No círculo de cultura, a rigor, não se ensina, aprende- se em “reciprocidade de consciências”; não há professor, há um coordenador, que tem por função dar as informações solicitadas pelos respectivos participantes e propiciar condições favoráveis à dinâmica do grupo, reduzindo ao mínimo sua intervenção direta no curso do diálogo.
A “codificação” e a “descodificação” permitem ao alfabetizando integrar a significação das respectivas palavras geradoras em seu contexto existencial – ele a redescobre num mundo expressado em seu comportamento. Conscientiza a palavra como significação que se constitui em sua intenção significante, coincidente com intenções de outros que significam o mesmo mundo. Este – o mundo – é o lugar do encontro de cada um consigo mesmo e os demais.
A essa altura do processo, a respectiva palavra geradora pode ser, ela mesma, objetivada como combinação de fonemas suscetíveis de representação gráfica. O alfabetizando já sabe que a língua também é cultura, de que o homem é sujeito: sente-se desafiado a desvelar os segredos de sua constituição, a partir da construção de suas palavras – também construção de seu mundo. Para esse efeito, como também para a descodificação das situações significadas pelas palavras geradoras, a que nos referimos, é de particular interesse a etapa preliminar do método, que não havíamos ainda mencionado. Nessa etapa, são descodificadas pelo grupo, várias unidades básicas, codificações simples e sugestivas, que, dialogicamente descodifìcadas, vão redescobrindo o homem como sujeito de todo o processo histórico da cultura e, obviamente, também da cultura letrada. O que o homem fala e escreve e como fala e escreve, é tudo expressão objetiva de seu espírito. Por isto, pode o espírito refazer o feito, neste redescobrindo o processo que o faz e refaz.
Assim, ao objetivar uma palavra geradora – íntegra, primeiro, e depois decomposta em seus elementos silábicos – o alfabetizando já está motivado para não só buscar o mecanismo de sua recomposição e da composição de novas palavras, mas também para escrever seu pensamento. A palavra geradora, ainda que objetivada em sua condição de simples vocábulo escrito, não pode mais libertar- se de seu dinamismo semântico e de sua força pragmática, de que o alfabetizando já se fizera consciente na repetida descodificação crítica.
continua....
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Leia também:
Pedagogia do Oprimido - Aprender a dizer a sua palavra (1)
Pedagogia do Oprimido - Aprender a dizer a sua palavra (3)
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Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ)
1987
1994
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Educação como Prática da Liberdade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1967; e Pedagogia do Oprimido
Pedagogia do Oprimido - Aprender a dizer a sua palavra (2)
“educação como prática da liberdade”:
alfabetizar é conscientizar
Prefácio
Aprender a dizer a sua palavra
Professor Ernani Maria Fiori
continuando... Um mínimo de palavras, com a máxima polivalência fonêmica, é o ponto de partida para a conquista do universo vocabular. Essas palavras, oriundas do próprio universo vocabular do alfabetizando, uma vez transfiguradas pela crítica, a ele retornam em aço transformadora do mundo. Como saem de seu universo e como a ele voltam? |
Uma pesquisa prévia investiga o universo das palavras faladas, no meio cultural do alfabetizando. Daí são extraídos os vocábulos de mais ricas possibilidades fonêmicas e de maior carga semântica – os que não só permitem rápido domínio do universo da palavra escrita, como também, o mais eficaz engajamento de quem a pronuncia, com a força pragmática que instaura e transforma o mundo humano.
Estas palavras são chamadas geradoras porque, através da combinação de seus elementos básicos, propiciam a formação de outras. Como palavras do universo vocabular do alfabetizando, são significações constituídas ou re -constituídas em comportamentos seus, que configuram situações existenciais ou, dentro delas, se configuram. Tais significações são plasticamente codificadas em quadros, slides, filminas, etc., representativos das respectivas situações, que, da experiência vivida do alfabetizando, passam para o mundo dos objetos. O alfabetizando ganha distância para ver sua experiência: “ad-mirar”. Nesse instante, começa a descodificar.
A descodificação é análise e consequente reconstituição da situação vivida: reflexo, reflexão e abertura de possibilidades concretas de ultrapassagem. Mediada pela objetivação, a imediatez da experiência lucidifica-se, interiormente, em reflexão de si mesma e crítica animadora de novos projetos existenciais. O que antes era fechamento, pouco a pouco se vai abrindo; a consciência passa a escutar os apelos que a convocam sempre mais além de seus limites: faz -se crítica.
Ao objetivar seu mundo, o alfabetizando nele reencontra-se com os outros e nos outros, companheiros de seu pequeno “círculo de cultura”. Encontram-se e reencontram- se todos no mesmo mundo comum e, da coincidência das intenções que o objetivam, ex-surge a comunicação, o diálogo que criticiza e promove os participantes do círculo. Assim, juntos, re-criam criticamente o seu mundo: o que antes os absorvia, agora podem ver ao revés. No círculo de cultura, a rigor, não se ensina, aprende- se em “reciprocidade de consciências”; não há professor, há um coordenador, que tem por função dar as informações solicitadas pelos respectivos participantes e propiciar condições favoráveis à dinâmica do grupo, reduzindo ao mínimo sua intervenção direta no curso do diálogo.
A “codificação” e a “descodificação” permitem ao alfabetizando integrar a significação das respectivas palavras geradoras em seu contexto existencial – ele a redescobre num mundo expressado em seu comportamento. Conscientiza a palavra como significação que se constitui em sua intenção significante, coincidente com intenções de outros que significam o mesmo mundo. Este – o mundo – é o lugar do encontro de cada um consigo mesmo e os demais.
A essa altura do processo, a respectiva palavra geradora pode ser, ela mesma, objetivada como combinação de fonemas suscetíveis de representação gráfica. O alfabetizando já sabe que a língua também é cultura, de que o homem é sujeito: sente-se desafiado a desvelar os segredos de sua constituição, a partir da construção de suas palavras – também construção de seu mundo. Para esse efeito, como também para a descodificação das situações significadas pelas palavras geradoras, a que nos referimos, é de particular interesse a etapa preliminar do método, que não havíamos ainda mencionado. Nessa etapa, são descodificadas pelo grupo, várias unidades básicas, codificações simples e sugestivas, que, dialogicamente descodifìcadas, vão redescobrindo o homem como sujeito de todo o processo histórico da cultura e, obviamente, também da cultura letrada. O que o homem fala e escreve e como fala e escreve, é tudo expressão objetiva de seu espírito. Por isto, pode o espírito refazer o feito, neste redescobrindo o processo que o faz e refaz.
Assim, ao objetivar uma palavra geradora – íntegra, primeiro, e depois decomposta em seus elementos silábicos – o alfabetizando já está motivado para não só buscar o mecanismo de sua recomposição e da composição de novas palavras, mas também para escrever seu pensamento. A palavra geradora, ainda que objetivada em sua condição de simples vocábulo escrito, não pode mais libertar- se de seu dinamismo semântico e de sua força pragmática, de que o alfabetizando já se fizera consciente na repetida descodificação crítica.
continua....
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PAULO FREIRE
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PEDAGOGIA DO OPRIMIDO
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23ª Reimpressão
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PAZ E TERRA
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Leia também:
Pedagogia do Oprimido - Aprender a dizer a sua palavra (1)
Pedagogia do Oprimido - Aprender a dizer a sua palavra (3)
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© Paulo Freire, 1970
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Capa
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Isabel Carballo
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Revisão
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Maria Luiza Simões e Jonas Pereira dos Santos
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(Preparaço pelo Centro de Catalog aço -na-fonte do
|
Freire, Paulo
|
F934p Pedagogia do oprimido, 17ª. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
|
(O mundo, hoje, v.21)
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1. Alfabetizaço – Métodos 2. Alfabetizaço – Teoria I. Título II. Série
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CDD-374.012
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Educação como Prática da Liberdade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1967; e Pedagogia do Oprimido
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