Ensaio 3A - 2ª edição
baitasar
Foram cem anos de bajuladores cortesãos, galanteios, baldas e cismas, paixões e caprichos, ordens e contraordens. Uma vida breve, mas intensa. Cumpri meus compromissos com as meninas. Nunca deixei minhas flores do mal murcharem por secura da atenção. É bem do jeito que o General explicava entre os rolos de fumaça do seu charuto cubano e tragos da nossa cachaça
baitasar
Foram cem anos de bajuladores cortesãos, galanteios, baldas e cismas, paixões e caprichos, ordens e contraordens. Uma vida breve, mas intensa. Cumpri meus compromissos com as meninas. Nunca deixei minhas flores do mal murcharem por secura da atenção. É bem do jeito que o General explicava entre os rolos de fumaça do seu charuto cubano e tragos da nossa cachaça
— Esse é o nosso
segredo, certo meninas?
Os amigos e os inimigos nunca souberam do costume do padrinho com
a bebida e o fumo. O que era feito e dito não poderia ser quebrado pela indiscrição. E não bastava ter a etiqueta de gostosa, era preciso bom senso e ética. Assustou, neném? A fama se faz para o bem e para o mal, depois de feita não tem desfeita
— Os segredos do padrinho
em confiança na casa, daqui não saem.
O padrinho tinha vez que chegava e se ia direto para o quarto. Com a foguista. Chegava com o sorriso da travessura já pensada e pronta. Checava desimpedido. Outras, ele ficava com a conversa das meninas, saboreando os cubanos, a cachaça pura guardada para ele. Uma encomenda especial guardada para um vigilante especial da casa. E a vigília do padrinho se provou necessária
O padrinho tinha vez que chegava e se ia direto para o quarto. Com a foguista. Chegava com o sorriso da travessura já pensada e pronta. Checava desimpedido. Outras, ele ficava com a conversa das meninas, saboreando os cubanos, a cachaça pura guardada para ele. Uma encomenda especial guardada para um vigilante especial da casa. E a vigília do padrinho se provou necessária
— La Piedra não é dona da casa, por acaso. Conhece
o dito que serve para os casos de controle, como o seu e o meu. É o olho da
dona que engorda o negócio.
— Não tem coisa mais
certa que tenha sido dita, General.
— Por favor, aqui não
tenho posto militar.
— Desculpe, padrinho.
Esqueci.
Os homens podem ficar desapiedados e bestializados querendo as
meninas como suas coisinhas. Ficava na decisão de cada menina o que poderia
suportar. Costurávamos nossos retalhos de fantasias para suavizar nossas vidas
e humanizar homens sem ouvidos para fábulas. As conversas com as meninas foram as melhores partes da vida de trabalho na casa. O padrinho tinha bom gosto com os presentes e jeito no trato com as meninas. Na casa não tinha costume de maldades. Coisas que se ouviam nos cochichos das ruas. Em todo caso, o padrinho foi a
segurança das meninas por um longo tempo. Bons tempos foram aqueles. Pena que o
tempo já passado não volta, dá uma saudade do padrinho conversando com as
meninas, fumando e bebendo.
Madrugadas com chuva
— Está chovendo,
padrinho.
— A chuva me enche de
vontades na cama.
No caso de querer fazer filho, se fosse o caso, escolheria o tempo
das chuvas. É quando plantamos maíz
en la Montaña. Um ano com chuva boa e as plantações crescem bem. Os homens
têm trabajo y la plata.
E comida na mesa.
De qualquer jeito, não foram muitas as vezes que desejei fazer
algum filho. Houve um tempo que esperava o homem extraordinário, incomum.
Desperdicei-me esperando. Deveria ter experimentado mais. Depois que os filhos
da casa nasceram essa vontade sumiu. Já tinha os meus filhos.
Vocês
— E o meu cigarro?
— E o meu cigarro?
Faz um bom tempo que a casa perdeu o seu comércio habitual e refinado.
Depois do sumiço do padrinho, os movimentos na casa não foram mais os mesmos.
Sentimos a falta dele. O homem sabia controlar o descontrole. E Olalla sabia
desobedecer os desregramentos do padrinho. A casa entrou em decadência. Os bons
costumes da casa perderam o jeito exclusivo. As oportunidades deixaram de ser
discretas e reservadas. Qualquer puta cansada das ruas consegue abrir sua casa
com aparência de seriedade
— Mamãe, por que o
padrinho se afastou da casa?
Perguntas, perguntas e mais perguntas, não quero responder, não
preciso responder, me esqueçam. Mas esse moço com esse cabelo vermelho me
lembra alguma coisa ou alguém, se parece com um foguista
— Não sei, moço. Mas
deve ter tido suas razões. — pronto, respondi.
Mas o moço não ficou satisfeito. Não sei não é resposta. Eu sei.
Estou tão cansada. Não sei as horas nem os dias. O meu tempo não tem mais
futuro. Acabei, aqui. Eu sabia as razões dos desvios no caminho. Nunca esqueci
o padrinho. Mas tem importância que fica desimportada na poeira do chão. E
quando chega o tempo de manter conversa com os espíritos antigos é sem
importância a belezoca do corpo.
Os sete filhos criados.
Sete.
E não é conta de mentirosa. Nenhum a menos ou a mais.
Cumprida da vida na hora de partir.
Cumprida da vida na hora de partir.
— Trabalhem, meninas. La Piedra cuida de tudo. — cada filho um pai,
uma mãe. Mães diferentes. Pais desconhecidos. Eu, a mãe de todos. Imaginando
vidas. Sempre cuidei das minhas meninas. Nunca deixei de cuidar o interesse das
interessadas sobre a solução do embaraço — O que a menina quer fazer?
Não achava justo tomar decisão que não era minha, nem fazer
fingimento que o embaraço de barriga não tinha influência nos ânimos da
freguesia
— Quero tirar... —
sentia o aperto do molestamento, mas a decisão não requeria consideração.
Cuidava do negócio como meu negócio. As meninas cuidavam do corpo como seu
corpo.
Cada menina com a sua valentia
— O que a menina quer
fazer?
— Quero deixar... — os
olhos me alegravam. Oferecia a criação da casa.
A mocinha sementeira Olalla não disse que sim nem que não. Tinha
tempo para muitas conversas até decidir os cuidados que ia ter. O tempo tinha
futuro – Tudo bem, minha filha. Enquanto a sementeira não arredonda, o feitio é
o mesmo.
Tem tempo
— E quando crescer? — a
maior belezura do tempo é o futuro. Dá ânimo e cria à vontade. Parece que tem tempo para todo futuro e tem futuro para todo tempo. Até que chega o
dia que o tempo tem mais passado que futuro. E a inquietação, antes um ligeiro
desconforto, apressa as urgências. Não haveria mais disfarces para esconder a
menina cheia de vida.
Depois da brotação, outro dia, outra escolha, partir com o filho
ou deixar na criação da casa
— Vai doer? — dei um
passo na direção da menina Olalla, tantas meninas assustadas. Peguei suas mãos
entre as minhas, podia sentir sua respiração cismada.
La Piedra envelhecia
— Para sempre, menina... para siempre.
Cuidava dos preparativos, não descuidava dos cuidados. El tiempo passa de um jeito ou de outro, era
preciso se aprontar. Isso não é ensinado, vem do nascimento de cada dia. A
urgência vem de saber da vontade do tempo em passar, seguir em frente. Nunca vi
desânimo no tempo nem percebi diminuir sua vontade em devorar a atualidade. Não
para. Não cansa. Devasta as putas mais e antes que as esposas. Desgraçadas das
putas e das esposas que envelhecem, descarregam do corpo o futuro, ficam
carregadas com as cicatrizes do tempo no passado
— Coitadas das mulheres.
— Por que, General?
— O tempo esfria tudo.
Os tempos do General foram quentes, mas também esfriaram. As
quenturas não eram do ar mormacento, afinal os trabalhos já quase chegavam às
horas da friagem na alvorada
— A menina está pronta? —
a menina Olalla fez respiro profundo, um sorriso tristonho e saiu calada.
O ventilador quebrado.
Outros tempos e não ficaria quebrado.
No quarto, a foguista aproveitava a ventoinha parada, fazia
escapar do padrinho o suor grosso e quente dos eu corpo de macho. Preparava o
padrinho para o futuro. Adubava. Adiava. Amanhava. E manipulava. Fazia também
trabalhos da educação e provocação do padrinho. Tudo premeditado.
Até que chegava o futuro e o padrinho suplicava
— Me come... me come...
Ela comia.
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