Nem Tudo Está Dito
Fumo de tabaco rói o ar.
O quarto –
um capítulo do inferno de Krutchônikh (1).
Recorda –
atrás desta janela
pela primeira vez
apertei tuas mãos, atônito.
Hoje te sentas,
no coração – aço.
Um dia mais
e me expulsarás,
talvez, com zanga.
No teu hall escuro longamente o braço,
trêmulo, se recusa a entrar na manga.
Sairei correndo,
lançarei meu corpo à rua.
Transtornado,
tornado
louco pelo desespero.
Não o consintas,
meu amor,
meu bem,
digamos até logo agora.
De qualquer forma
o meu amor
– duro fardo por certo –
pesará sobre ti
onde quer que te encontres.
Deixa que o fel da mágoa ressentida
num último grito estronde.
Quando um boi está morto de trabalho
ele se vai
e se deita na água fria.
Afora o teu amor
para mim
não há mar,
e a dor do teu amor nem a lágrima alivia.
Quando o elefante cansado quer repouso
ele jaz como um rei na areia ardente.
Afora o teu amor
para mim
não há sol,
e eu não sei onde estás e com quem.
Se ela assim torturasse um poeta,
ele
trocaria sua amada por dinheiro e glória,
mas a mim
nenhum som me importa
afora o som do teu nome que eu adoro.
E não me lançarei no abismo,
e não beberei veneno,
e não poderei apertar na têmpora o gatilho.
Afora
o teu olhar
nenhuma lâmina me atrai com seu brilho.
Amanhã esquecerás
que eu te pus num pedestal,
que incendiei de amor uma alma livre,
e os dias vãos – rodopiante carnaval –
dispersarão as folhas dos meus livros...
Acaso as folhas secas destes versos
far-te-ão parar,
respiração opressa?
Deixa-me ao menos arrelvar numa última carícia teu passo que se apressa.
Maiakowisk
Natureza Humana
Cheguei. Sinto de novo a natureza
Longe do pandemônio da cidade
Aqui tudo tem mais felicidade
Tudo é cheio de santa singeleza
Vagueio pela múrmura leveza
Que deslumbra de verde e claridade
Mas nada. Resta vívida a saudade
Da cidade em bulício e febre acessa
Ante a perspectiva da partida
Sinto que me arranca algo da vida
Mas quero ir. E ponho-me a pensar
Que a vida é esta incerteza que em mim mora
A vontade tremenda de ir-me embora
E a tremenda vontade de ficar
Vinicios de Moraes
O Poeta Pede a Seu Amor que lhe Escreva
Meu entranhado amor, morte que é vida,
tua palavra escrita em vão espero
e penso, com a flor que se emurchece
que se vivo sem mim quero perder-te.
O ar é imortal. A pedra inerte
nem a sombra conhece nem a evita.
Coração interior não necessita
do mel gelado que a lua derrama.
Porém eu te suportei. Rasguei-me as veias,
sobre a tua cintura, tigre e pomba,
em duelo de mordidas e açucenas.
Enche minha loucura de palavras
ou deixa-me viver na minha calma
e para sempre escura noite d'alma.
Federico García Lorca, in 'Poemas Esparsos'
14
Brincas todos os dias com a luz do universo.
Visitante sutil, chegas na flor e na água
És mais do que essa clara cabeça que aperto
como entre as mãos um cacho de uvas, cada dia.
A ninguém te pareces desde que te amo.
Deixa-me estender-te entre grinaldas amarelas.
Quem escreve o teu nome com letras de fumo entre as estrelas do sul?
Ah, deixa-me recordar-te como eras outrora quando não existias.
De súbito o vento ulula e me golpeia a janela fechada.
O céu é uma rede cheia de peixes sombrios.
Aqui vêm ter todos os ventos, todos.
E despe-se a chuva.
Passam fugindo os pássaros.
O vento. O vento.
Posso lutar apenas contra a força dos homens.
O temporal remoinha folhas escuras
e solta todas as barcas que de noite atracaram no céu.
Tu estás aqui. Ah, tu não foges.
Tu me responderás até o último grito.
Encolhe-te a meu lado como se tivesses medo.
Não obstante algumas vezes passou uma sombra estranha por teus olhos.
Agora mesmo, pequena, me trazes madressilvas
e até os seios trazes perfumados.
Enquanto o vento triste galopa matando borboletas
eu te amo e minha alegria morde tua boca de ameixa.
Quanto te haverá doído acostumar-te a mim,
à minha alma só e selvagem, ao meu nome que todos afugentam.
Já vimos tantas vezes arder o luzeiro do céu, beijando-nos os olhos,
e sobre nossas cabeças destorcer-se o crepúsculo em leques gigantes.
Em ti minhas palavras choveram afagando-te.
Amei de há muito teu corpo de queimado nácar.
Creio-te até senhora do universo.
Hei de trazer-te das montanhas flores alegres, amarílis,
avelãs escuras, e cestas silvestres de beijos.
Quero fazer contigo
o que faz a primavera às cerejeiras.
Neruda
Fumo de tabaco rói o ar.
O quarto –
um capítulo do inferno de Krutchônikh (1).
Recorda –
atrás desta janela
pela primeira vez
apertei tuas mãos, atônito.
Hoje te sentas,
no coração – aço.
Um dia mais
e me expulsarás,
talvez, com zanga.
No teu hall escuro longamente o braço,
trêmulo, se recusa a entrar na manga.
Sairei correndo,
lançarei meu corpo à rua.
Transtornado,
tornado
louco pelo desespero.
Não o consintas,
meu amor,
meu bem,
digamos até logo agora.
De qualquer forma
o meu amor
– duro fardo por certo –
pesará sobre ti
onde quer que te encontres.
Deixa que o fel da mágoa ressentida
num último grito estronde.
Quando um boi está morto de trabalho
ele se vai
e se deita na água fria.
Afora o teu amor
para mim
não há mar,
e a dor do teu amor nem a lágrima alivia.
Quando o elefante cansado quer repouso
ele jaz como um rei na areia ardente.
Afora o teu amor
para mim
não há sol,
e eu não sei onde estás e com quem.
Se ela assim torturasse um poeta,
ele
trocaria sua amada por dinheiro e glória,
mas a mim
nenhum som me importa
afora o som do teu nome que eu adoro.
E não me lançarei no abismo,
e não beberei veneno,
e não poderei apertar na têmpora o gatilho.
Afora
o teu olhar
nenhuma lâmina me atrai com seu brilho.
Amanhã esquecerás
que eu te pus num pedestal,
que incendiei de amor uma alma livre,
e os dias vãos – rodopiante carnaval –
dispersarão as folhas dos meus livros...
Acaso as folhas secas destes versos
far-te-ão parar,
respiração opressa?
Deixa-me ao menos arrelvar numa última carícia teu passo que se apressa.
Maiakowisk
Natureza Humana
Cheguei. Sinto de novo a natureza
Longe do pandemônio da cidade
Aqui tudo tem mais felicidade
Tudo é cheio de santa singeleza
Vagueio pela múrmura leveza
Que deslumbra de verde e claridade
Mas nada. Resta vívida a saudade
Da cidade em bulício e febre acessa
Ante a perspectiva da partida
Sinto que me arranca algo da vida
Mas quero ir. E ponho-me a pensar
Que a vida é esta incerteza que em mim mora
A vontade tremenda de ir-me embora
E a tremenda vontade de ficar
Vinicios de Moraes
O Poeta Pede a Seu Amor que lhe Escreva
Meu entranhado amor, morte que é vida,
tua palavra escrita em vão espero
e penso, com a flor que se emurchece
que se vivo sem mim quero perder-te.
O ar é imortal. A pedra inerte
nem a sombra conhece nem a evita.
Coração interior não necessita
do mel gelado que a lua derrama.
Porém eu te suportei. Rasguei-me as veias,
sobre a tua cintura, tigre e pomba,
em duelo de mordidas e açucenas.
Enche minha loucura de palavras
ou deixa-me viver na minha calma
e para sempre escura noite d'alma.
Federico García Lorca, in 'Poemas Esparsos'
14
Brincas todos os dias com a luz do universo.
Visitante sutil, chegas na flor e na água
És mais do que essa clara cabeça que aperto
como entre as mãos um cacho de uvas, cada dia.
A ninguém te pareces desde que te amo.
Deixa-me estender-te entre grinaldas amarelas.
Quem escreve o teu nome com letras de fumo entre as estrelas do sul?
Ah, deixa-me recordar-te como eras outrora quando não existias.
De súbito o vento ulula e me golpeia a janela fechada.
O céu é uma rede cheia de peixes sombrios.
Aqui vêm ter todos os ventos, todos.
E despe-se a chuva.
Passam fugindo os pássaros.
O vento. O vento.
Posso lutar apenas contra a força dos homens.
O temporal remoinha folhas escuras
e solta todas as barcas que de noite atracaram no céu.
Tu estás aqui. Ah, tu não foges.
Tu me responderás até o último grito.
Encolhe-te a meu lado como se tivesses medo.
Não obstante algumas vezes passou uma sombra estranha por teus olhos.
Agora mesmo, pequena, me trazes madressilvas
e até os seios trazes perfumados.
Enquanto o vento triste galopa matando borboletas
eu te amo e minha alegria morde tua boca de ameixa.
Quanto te haverá doído acostumar-te a mim,
à minha alma só e selvagem, ao meu nome que todos afugentam.
Já vimos tantas vezes arder o luzeiro do céu, beijando-nos os olhos,
e sobre nossas cabeças destorcer-se o crepúsculo em leques gigantes.
Em ti minhas palavras choveram afagando-te.
Amei de há muito teu corpo de queimado nácar.
Creio-te até senhora do universo.
Hei de trazer-te das montanhas flores alegres, amarílis,
avelãs escuras, e cestas silvestres de beijos.
Quero fazer contigo
o que faz a primavera às cerejeiras.
Neruda
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