terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Florbela Espanca - A Mensageira das Violetas 15

Florbela Espanca



15 - A Mensageira das Violetas





MENDIGA



Na vida nada tenho e nada sou; 
Eu ando a mendigar pelas estradas... 
No silêncio das noites estreladas
Caminho, sem saber para onde vou!

Tinha o manto do sol... quem mo roubou?! 
Quem pisou minhas rosas desfolhadas?! 
Quem foi que sobre as ondas revoltadas 
A minha taça de ouro espedaçou?

Agora vou andando e mendigando, 
Sem que um olhar dos mundos infinitos 
Veja passar o verme, rastejando...

Ah, quem me dera ser como os chacais 
Uivando os brados, rouquejando os gritos 
Na solidão dos ermos matagais!...





SUPREMO ENLEIO


Quanta mulher no teu passado, quanta! 
Tanta sombra em redor! Mas que me importa? 
Se delas veio o sonho que conforta, 
A sua vinda foi três vezes santa!
Erva do chão que a mão de Deus levanta, 
Folhas murchas de rojo à tua porta... 
Quando eu for uma pobre coisa morta, 
Quanta mulher ainda! Quanta! Quanta!
Mas eu sou a manhã: apago estrelas! 
Hás de ver-me, beijar-me em todas elas, 
Mesmo na boca da que for mais linda!
E quando a derradeira, enfim, vier, 
Nesse corpo vibrante de mulher 
Será o meu que hás de encontrar ainda...





TOLEDO


Diluído numa taça de ouro a arder 
Toledo é um rubi. E hoje é só nosso! 
O sol a rir...Viv´alma...Não esboço 
Um gesto que me não sinta esvaecer... 

As tuas mãos tateiam-me a tremer... 
Meu corpo de âmbar, harmonioso e moço, 
É como um jasmineiro em alvoroço 
Ébrio de sol, de aroma, de prazer! 

Cerro um pouco o olhar, onde subsiste 
Um romântico apelo vago e mudo 
- Um grande amor é sempre grave e triste. 

Flameja ao longe o esmalte azul do Tejo... 
Uma torre ergue ao céu um grito agudo... 
Tua boca desfolha-me num beijo...





________________________


A Mensageira das Violetas, de Florbela Espanca

Fonte: ESPANCA, Florbela. A mensageira das violetas: antologia. Seleção e edição de Sergio Faraco. Porto Alegre: L&PM, 1999. (Pocket). 

Texto proveniente de: 
A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo Permitido o uso apenas para fins educacionais. 

Texto-base digitalizado por: 


Luciana Peixoto Silva – Divinópolis/MG
_______________________


Nenhum comentário:

Postar um comentário