Manoel Bomfim
O Brasil nação volume 1
PRIMEIRA PARTE
SEQUÊNCIAS HISTÓRICAS
capítulo 3
capítulo 3
o novo malogro
Para ter uma ideia da má-fé e da insídia dos moderados, ao prometerem as reformas reclamadas pela nação, basta atender ao que se passou com a descentralização. Era aspiração tão geral, que os próprios monarquistas, dentre os vencedores de 1831, a aceitavam sob a forma de um império federado.115 O projeto de reforma pela Câmara dos deputados, e rejeitado pelo Senado, consignava-a; o projeto que seria adotado no golpe de Estado era o de uma federação. No entanto, a Regência de 1832, num dos seus papéis públicos, afirma que: “os exaltados pretendem abismar a pátria nos horrores da anarquia, pois que desejam que se proclame a federação já e já...” Antecipando-se a tais despautérios, os exaltados, acusados em 1831 pelos mesmos motivos, lançaram o seu desafio em nome da razão: “Povos do universo, conhecei e ficai sabendo que, no Brasil de 1831, considera-se anarquia o pedir ao governo que livre a pátria dos seus inimigos!...”
A vitória dos moderados sobre os radicais de 1831 significou, para o Brasil, a queda da sua vida política, abandonada, depois, de qualquer ideal, reduzida a nomes, toda em baixos compromissos, sem possibilidade de lutas vivificantes e renovadoras, qual se constituiu, em suma, o transcorrer do segundo Império, e, mesmo dantes, na Regência Araújo Lima, quando se inscrevem os rótulos insinceros e mentirosos – liberais-conservadores. Compreende-se, no entanto, que modificação tão profunda não se faria de súbito. Antes da degradação definitiva, liberais sinceros, radicais em princípios, apesar de colhidos na ilusão da ordem, procuraram realizar uma parte, ao menos, do programa de 1831. Afinal, o característico essencial desse programa se perdeu; mas aí ficaram medidas parciais, detalhes muito expressivos, para patentear a sinceridade de alguns dos homens de 1831. Mesmo atacando e batendo os exaltados, o governo onde predominava Feijó inclinava-se para a democracia, como se vê na organização da guarda nacional e da justiça de paz. Com uma maioria apavorada diante das reivindicações radicais, a Câmara dos deputados equilibrou o orçamento, proibiu as loterias, vício trazido por D. João VI, vedou a criação de novas condecorações, completou a proteção legal dos índios, declarou livres os africanos importados de contrabando... Nada disto espanta, pois que era do programa formal dos moderados ditos liberais, enquanto, ansiosos de fazer carreira, achegaram-se ao programa revolucionário com que se combatia o Império de 1824. O projeto de reforma constitucional adotado pela Câmara, em outubro de 1831, é uma ostensiva realização de democracia. Pelas ideias, os Feijó, Lino Coutinho, Custódio Dias, Alencar, Paula Sousa... eram genuínos democratas; mas peiava-os a sensatez, enleava-os a moderação, o preconceito da ordem, o culto da forma legal. E, com isso, deram razão ao Senado: passado o pavor do primeiro momento, os marqueses em nada cederam. A maioria dos deputados, já classificados em moderados, se curvou e cedeu na pessoa dos mais ousadamente trânsfugas. E o total dos sucessos ligados ao 7 de Abril é uma queda que, passando pelo 30 de julho de 1832, veio ter ao minguado ato adicional, fruto mesquinho de um liberalismo castrado – castrado por eunucos.
Nessa conjuntura, repete-se a demonstração com que já nos encontramos: todo o mal proveio da insuficiência dos dirigentes. Era uma generalidade de bacharéis de Coimbra, mal-preparados, inaptos para a vida moderna, isolados das realidades superiores e dos interesses verdadeiramente humanos, viciados na tradição bragantina, um passado renitente e mau, que desorganizava os caracteres e enevoava os espíritos. Nos transes de 1831, nos debates da Constituinte, nas cortes de 1821-22, eram os mesmos intelectos, travados pelos erros do ambiente: não atinavam com o que realmente convinha ao Brasil; ou, se alcançavam a ideia dos atos bons, não sabiam organizá-los para o êxito razoável. Tanto vale dizer: o conjunto dos políticos dominadores, mesmo de 1831 em diante, não era de homens com o caráter e a mentalidade precisos para reconstituir a nação brasileira, sanando-lhe os males da aleijada independência de 1822. Por isso mesmo, se queremos compreender alguma coisa desses novos desastres nacionais, temos de andar pelas páginas da história, que nos mostram as almas e os recursos das pessoas através dos quais se fez a lastimável degradação da política já exclusivamente nacional... Torna-se indispensável essa revista de homens, porque o característico, de toda essa prolongada decadência, está em substituírem-se os motivos, de princípios e de crenças políticas, por nomes, isto é, motivos puramente pessoais. De 1837 em diante, a vida pública é, descaradamente, o – ôte-toi que je m’y mette... Em 1840, o imperial menino foi o trampolim de que se serviram os sôfregos com que se fez o respectivo ministério – da maioridade, arrastando, embora, os ingênuos Otoni e Alencar... De 1842 em diante, a política brasileira é aquele charco, revolvo pela mão do imperante, a fingir de parlamentarismo a elevar e descer os partidos de mentira, e que só se distinguem nas cabeças – Olinda, Paraná, Rodrigues Torres, Zacharias, Franco de Sá, Rio Branco, Cotegipe Sinimbu... Por fora, alteiam-se e ressoam vozes de poetas, abre-se a campanha abolicionista, agitam-se republicanos e federalistas... Tudo sem ligação com a política propriamente dita. E assim, impondo-se à deficiência dos políticos profissionais, faz-se a Abolição, proclama-se a República... Há um momento de ressurgir político, para responder a reação monárquica de 1891-96... Verifica-se que não há mais possibilidade de conservar o Brasil para os interesses diretos dos Braganças, mas ainda não há caracteres para redimi-lo. Decai a vida pública para o charco de sempre; decai ainda mais a política – um bragantismo sem Bragança, e, agora, agravado de despudor absoluto: assalto descarado às posições, gozo impudico do poder, o saque da fortuna pública, a ostentação brutal da força, de mistura com a gatunagem em todas as formas...
Examinemos, pois, as criaturas que se apossaram do Brasil em 1831. Delas, umas são anteriores a esse capítulo de história; outras apareceram com a campanha de 1826-31; outras surgiram depois, mas ainda a tempo de influir no curso dos sucessos e de concorrer para a inflexão dos nossos· destinos, pela degradação dos próprios caracteres. São do primeiro grupo todos esses – Feijó, Araújo Lima, Lino Coutinho, Vergueiro, Paula e Sousa... que vieram das cortes, da Independência, da Constituinte. Os segundos personificam-se nos Vasconcelos, Hermeto... Os últimos aparecem com os Rodrigues Torres, Paulino Soares de Sousa... No primeiro grupo se incluiriam os Andradas, mas, em verdade, apesar do rumor com que se manifestaram depois do exílio, nenhum deles teve influência determinante nos sucessos políticos, a não ser Antônio Carlos, na revolução palaciana de 1840.
§ 25 – A política da degradação – 1831-38-40...
Para ter uma ideia da má-fé e da insídia dos moderados, ao prometerem as reformas reclamadas pela nação, basta atender ao que se passou com a descentralização. Era aspiração tão geral, que os próprios monarquistas, dentre os vencedores de 1831, a aceitavam sob a forma de um império federado.115 O projeto de reforma pela Câmara dos deputados, e rejeitado pelo Senado, consignava-a; o projeto que seria adotado no golpe de Estado era o de uma federação. No entanto, a Regência de 1832, num dos seus papéis públicos, afirma que: “os exaltados pretendem abismar a pátria nos horrores da anarquia, pois que desejam que se proclame a federação já e já...” Antecipando-se a tais despautérios, os exaltados, acusados em 1831 pelos mesmos motivos, lançaram o seu desafio em nome da razão: “Povos do universo, conhecei e ficai sabendo que, no Brasil de 1831, considera-se anarquia o pedir ao governo que livre a pátria dos seus inimigos!...”
115 O próprio Sr. Pereira da Silva comenta nestes termos a tirania centralizadora da Constituição de 1824: “A província ficara assim, sob esse regime, de braços atados, despida de ação, como colônia (da corte) antes, do que como parte integrante de uma nação.” (De 1831 a 1840 , pág. 30).
A vitória dos moderados sobre os radicais de 1831 significou, para o Brasil, a queda da sua vida política, abandonada, depois, de qualquer ideal, reduzida a nomes, toda em baixos compromissos, sem possibilidade de lutas vivificantes e renovadoras, qual se constituiu, em suma, o transcorrer do segundo Império, e, mesmo dantes, na Regência Araújo Lima, quando se inscrevem os rótulos insinceros e mentirosos – liberais-conservadores. Compreende-se, no entanto, que modificação tão profunda não se faria de súbito. Antes da degradação definitiva, liberais sinceros, radicais em princípios, apesar de colhidos na ilusão da ordem, procuraram realizar uma parte, ao menos, do programa de 1831. Afinal, o característico essencial desse programa se perdeu; mas aí ficaram medidas parciais, detalhes muito expressivos, para patentear a sinceridade de alguns dos homens de 1831. Mesmo atacando e batendo os exaltados, o governo onde predominava Feijó inclinava-se para a democracia, como se vê na organização da guarda nacional e da justiça de paz. Com uma maioria apavorada diante das reivindicações radicais, a Câmara dos deputados equilibrou o orçamento, proibiu as loterias, vício trazido por D. João VI, vedou a criação de novas condecorações, completou a proteção legal dos índios, declarou livres os africanos importados de contrabando... Nada disto espanta, pois que era do programa formal dos moderados ditos liberais, enquanto, ansiosos de fazer carreira, achegaram-se ao programa revolucionário com que se combatia o Império de 1824. O projeto de reforma constitucional adotado pela Câmara, em outubro de 1831, é uma ostensiva realização de democracia. Pelas ideias, os Feijó, Lino Coutinho, Custódio Dias, Alencar, Paula Sousa... eram genuínos democratas; mas peiava-os a sensatez, enleava-os a moderação, o preconceito da ordem, o culto da forma legal. E, com isso, deram razão ao Senado: passado o pavor do primeiro momento, os marqueses em nada cederam. A maioria dos deputados, já classificados em moderados, se curvou e cedeu na pessoa dos mais ousadamente trânsfugas. E o total dos sucessos ligados ao 7 de Abril é uma queda que, passando pelo 30 de julho de 1832, veio ter ao minguado ato adicional, fruto mesquinho de um liberalismo castrado – castrado por eunucos.
Nessa conjuntura, repete-se a demonstração com que já nos encontramos: todo o mal proveio da insuficiência dos dirigentes. Era uma generalidade de bacharéis de Coimbra, mal-preparados, inaptos para a vida moderna, isolados das realidades superiores e dos interesses verdadeiramente humanos, viciados na tradição bragantina, um passado renitente e mau, que desorganizava os caracteres e enevoava os espíritos. Nos transes de 1831, nos debates da Constituinte, nas cortes de 1821-22, eram os mesmos intelectos, travados pelos erros do ambiente: não atinavam com o que realmente convinha ao Brasil; ou, se alcançavam a ideia dos atos bons, não sabiam organizá-los para o êxito razoável. Tanto vale dizer: o conjunto dos políticos dominadores, mesmo de 1831 em diante, não era de homens com o caráter e a mentalidade precisos para reconstituir a nação brasileira, sanando-lhe os males da aleijada independência de 1822. Por isso mesmo, se queremos compreender alguma coisa desses novos desastres nacionais, temos de andar pelas páginas da história, que nos mostram as almas e os recursos das pessoas através dos quais se fez a lastimável degradação da política já exclusivamente nacional... Torna-se indispensável essa revista de homens, porque o característico, de toda essa prolongada decadência, está em substituírem-se os motivos, de princípios e de crenças políticas, por nomes, isto é, motivos puramente pessoais. De 1837 em diante, a vida pública é, descaradamente, o – ôte-toi que je m’y mette... Em 1840, o imperial menino foi o trampolim de que se serviram os sôfregos com que se fez o respectivo ministério – da maioridade, arrastando, embora, os ingênuos Otoni e Alencar... De 1842 em diante, a política brasileira é aquele charco, revolvo pela mão do imperante, a fingir de parlamentarismo a elevar e descer os partidos de mentira, e que só se distinguem nas cabeças – Olinda, Paraná, Rodrigues Torres, Zacharias, Franco de Sá, Rio Branco, Cotegipe Sinimbu... Por fora, alteiam-se e ressoam vozes de poetas, abre-se a campanha abolicionista, agitam-se republicanos e federalistas... Tudo sem ligação com a política propriamente dita. E assim, impondo-se à deficiência dos políticos profissionais, faz-se a Abolição, proclama-se a República... Há um momento de ressurgir político, para responder a reação monárquica de 1891-96... Verifica-se que não há mais possibilidade de conservar o Brasil para os interesses diretos dos Braganças, mas ainda não há caracteres para redimi-lo. Decai a vida pública para o charco de sempre; decai ainda mais a política – um bragantismo sem Bragança, e, agora, agravado de despudor absoluto: assalto descarado às posições, gozo impudico do poder, o saque da fortuna pública, a ostentação brutal da força, de mistura com a gatunagem em todas as formas...
Examinemos, pois, as criaturas que se apossaram do Brasil em 1831. Delas, umas são anteriores a esse capítulo de história; outras apareceram com a campanha de 1826-31; outras surgiram depois, mas ainda a tempo de influir no curso dos sucessos e de concorrer para a inflexão dos nossos· destinos, pela degradação dos próprios caracteres. São do primeiro grupo todos esses – Feijó, Araújo Lima, Lino Coutinho, Vergueiro, Paula e Sousa... que vieram das cortes, da Independência, da Constituinte. Os segundos personificam-se nos Vasconcelos, Hermeto... Os últimos aparecem com os Rodrigues Torres, Paulino Soares de Sousa... No primeiro grupo se incluiriam os Andradas, mas, em verdade, apesar do rumor com que se manifestaram depois do exílio, nenhum deles teve influência determinante nos sucessos políticos, a não ser Antônio Carlos, na revolução palaciana de 1840.
_______________________
"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."
Cecília Costa Junqueira
_______________________
O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).
_______________________
Download Acesse:
http://www.fundar.org.br/bbb/index.php/project/o-brasil-nacao-vol-i-manoel-bonfim/
_______________________
Leia também:
O Brasil nação - v1: § 24 – E o malogro dá em confusão... - Manoel Bomfim
Nenhum comentário:
Postar um comentário