Manoel Bomfim
O Brasil nação volume 1
PRIMEIRA PARTE
SEQUÊNCIAS HISTÓRICAS
capítulo 3
capítulo 3
o novo malogro
A primeira menção, nos homens de 1831, deve ser a do Padre Feijó, a figura mais viva e mais distinta, mais forte e mais nobre, de toda a política de então, de toda a política nacional no Brasil monárquico. Valeu, de fato, como um homem – caráter, vontade, inteligência e ação. Caráter até o extremo da virtude; inteligência profunda, original, lúcida e culta, mais do que qualquer clérigo do seu tempo;116 vontade – incompleta em recursos de congraçamento, mas definitiva como execução. Foi o ânimo dominante nos transes em que organizava a vitória de 1831, e garantiu, com isso, o poder para os moderados – suplantando, ao mesmo tempo, os exaltados e os restauradores. Isso se dava quando, na primeira linha dos que tinham as vantagens e as responsabilidades
§ 26 – O Padre Feijó
A primeira menção, nos homens de 1831, deve ser a do Padre Feijó, a figura mais viva e mais distinta, mais forte e mais nobre, de toda a política de então, de toda a política nacional no Brasil monárquico. Valeu, de fato, como um homem – caráter, vontade, inteligência e ação. Caráter até o extremo da virtude; inteligência profunda, original, lúcida e culta, mais do que qualquer clérigo do seu tempo;116 vontade – incompleta em recursos de congraçamento, mas definitiva como execução. Foi o ânimo dominante nos transes em que organizava a vitória de 1831, e garantiu, com isso, o poder para os moderados – suplantando, ao mesmo tempo, os exaltados e os restauradores. Isso se dava quando, na primeira linha dos que tinham as vantagens e as responsabilidades
116 O valor intelectual de Feijó está patente nos seus pareceres – casamento dos padres, divórcio..., e, sobretudo, no seu Tratado de Lógica, perfeitamente a par da ciência da época, mesmo na parte biológica. Feijó compreendeu melhor as necessidades econômicas do Brasil do que todas as sucessivas camadas dos nossos estadistas. Mal se anunciou o caminho de ferro, tratou de adotá-lo no país.
do poder estavam esses Limas – chefes militares com um longo prestígio, de campanhas e vitórias. Em face do senado, de bragantistas reacionários, mais marqueses do que brasileiros, se Feijó o não suplantou é porque se viu traído pelos companheiros: os Hermeto que, no momento decisivo, vão combater com o inimigo da véspera; os Evaristo, que lhe defendem a política diminuindo-lhe a força, com o achar inconveniente e mau aquilo mesmo que defendem...
Intrinsecamente democrata, ligado à política dos moderados, Feijó manteve absoluta coerência com o programa do seu partido na revolução. Armitage, que, aliás não morre de amores por ele, ao contemplar-lhe a vida, sintetiza assim o seu feitio moral e político: “Era de costumes ultra republicanos...” A coerência do proceder o levou a atos que parecem exageros: um tratado com a Regência e os colegas, ao entrar para o ministério em 1831; uma ortografia pessoal, em meio ao arbitrário da ortografia comum; explícita oposição, apesar de clérigo, às pretensões da Cúria Romana contra o Estado brasileiro. Coerente com o seu ideal de democracia, chegava a reivindicações de efeitos sociais e francamente republicanos. Clérigo, propôs legislação de divórcio e de casamento para os sacerdotes. Abolicionista de coração, uma vez no governo, executou rigorosamente o ajuste que proibia a entrada de africanos escravizados. “Os portugueses estavam desapoderados”, comenta Austricliano de Carvalho (II 289). Nas cortes, nenhum brasileiro foi mais radical – liberdade política e emancipação nacional. Aceitava a revolução constitucional, com tanto que a aplicassem integralmente ao Brasil, pois que isto significava a nossa liberdade. Por isso mesmo, com os quatro companheiros, teve de sair de Lisboa como perseguido pela portuguesada. De volta, no Rio de Janeiro de 1823, encontrando a Independência atamancada por José Bonifácio, Feijó envia ao imperador uma exposição das suas ideias, quanto ao que lhe parece necessário como organização de um Brasil democrático. José Bonifácio se limita a fazer um resumo da exposição; Feijó insiste, e leva pessoalmente a Pedro I a sua exposição, ao mesmo tempo que pede ao governo permissão para publicá-lo. Aparece o opúsculo, e o monarca o considera republicano. Vai o padre para o seu torrão natal, e, lá chegado, já encontra as autoridades oficialmente prevenidas para vigiá-lo – como republicano e carbonário perigoso. Tudo isto por ordem do imperador, em cuja sinceridade e liberalidade Feijó ainda acredita.117 O embusteiro tira a máscara, e quando, em 1824, se pede o parecer das câmaras municipais a respeito da constituição outorgada, Feijó foi um dos raros que, em nome da câmara do seu Itu, fez reservas e propôs várias emendas, no sentido dos seus ideais – descentralização, abolição das condecorações... Não prevaleceram, é de ver, tais emendas, mas Feijó se mantém democrata, para vir a ser, na Assembleia de 1826, um dos mais decididos oposicionistas à política imperial. Nessa qualidade, com Alencar, Custódio Dias, Lino Coutinho... ele fez parte dos moderados. Pediram-lhe para aceitar um lugar no governo, quando a situação era incerta e arriscada: ele aceitou, e salvou o poder atacado por todos os lados. Então, julgou-se capaz de, em forma legal e moderada, realizar o programa de 7 de abril. Na rua, os exaltados,
117 Varnhagem, empenhado em fazer de grandes brasileiros entusiastas do Bragança, seu amo, recorta três linhas de uma carta de Feijó a Pedro I, antes da dissolução, e afirma que o intemerato regente considerava o príncipe embusteiro o fundador da nação brasileira: “O Brasil deve a existência política a V. M... ao desinteresse, a liberalidade e justiça de V. M...” Naquele momento, em começo de 1823, tais conceitos pareceriam justos a Feijó. Não esqueçamos, no entanto, que, desde 1824, ele foi nítida oposição ao Império de Pedro I e aos seus marqueses. Obcecado – por achar motivos conta os Andradas, o Sr. Porto-Seguro os acusa da perseguição que Feijó sofreu em 1823; mas, no desenvolver dos casos, deixa patente que a iniciativa da portaria inquisitorial foi do próprio imperador, e limita a sua acusação a achar que, defendendo-se, em 1932, – de ser o autor da citada portaria, Martim Francisco devia esconder o verdadeiro autor, e não descobrir a coroa... (Hist. da Independ., pág. 121).
justamente descrentes das formas legais, clamavam sublevados, e Feijó, decidido e vigoroso, deu toda a ação de que era capaz, para restabelecer a ordem e salvar os créditos do seu partido – como partido de governo... Grande erro, que entregou a sorte do Brasil à politicagem dos moderados, para a definitiva vitória do senado dos marqueses.
Por que, esse erro?
Feijó, realmente enérgico e inteiriço, tinha a ilusão das próprias forças, e sentia a necessidade de não transigir nem ceder. Assim, resistiu energicamente, eficazmente, à pressão dos companheiros radicais, quando estes quiseram impor-se pela força. Mas, dirá o mesmo Sr. P. da Silva: “Muitas das ideias e princípios dos exaltados eram do seu programa.” Governo, atacado, ele respondeu vigorosamente, e dominou os adversários. Há, no entanto, sua diferença – no modo como foram atacados, já os exaltados, já os restauradores... Para estes é que Feijó foi o inimigo irreconciliável, ao passo que, uma vez senhor da situação, ele não insiste em perseguir os antigos correligionários. E, por isso, os adversários o acusaram de os proteger, como aconteceu no caso da República de Piratinin.118 Foi assim que, abusando da própria força, Feijó veio a despejar, do ministério, o leal companheiro, França, substituindo-o por Vasconcelos, que, depois, contra ele construiu a sua política de regresso e de degradação. Destarte, quando pretendeu apurar os esforços no sentido de cumprir o prometido pelo 7 de Abril, já se achou inteiramente cercado e à mercê dos marqueses do senado,
118 “...nunca perseguiu sistematicamente os exaltados, limitando-se a desterrá-los, geralmente para outros pontos do território nacional...” (De 1831 a 1840 , cap. I). “... despertaram desconfianças os morosos e mesquinhos socorros enviados a reprimir a revolução do Rio Grande do Sul” (Moreira Azevedo, op. cit., pág. 199). Será por isso a tradição de apego dos republicanos rio-grandenses à sua memória, a ponto de que o jornal de propaganda de Venâncio Ayres se chamava – O Padre Feijó. “Feijó mais parecia favorecer e animar os revoltosos que os defensores da legalidade”, no Rio Grande (De 1831 a 1840 , pág. 195).
que lhe negaram a demissão de José Bonifácio, cujo prestígio animava a campanha reacionária dos caramurus. Foi quando se planejou o golpe de Estado de 30 de julho – para a inteira reforma da Constituição, democratizando-a radicalmente. Tudo demonstra, nessa emergência, que faltava a Feijó visão política, senão, ele teria compreendido que, depois da vitória dos marqueses no caso da tutoria, tudo estava perdido: o apelo para o golpe de Estado, o supremo recurso ilegal, sem a justificativa da revolução, era a confissão explícita da derrota. Agora, a situação era dos reacionários.
Apesar de tudo, o Padre Feijó saiu do governo engrandecido, na auréola que nunca mais se dissipou. Intimamente forte e ativo, quis continuar na política, e concorreu muito para o ato adicional. Como vislumbre das últimas esperanças, elegeram-no regente, e ele foi, nas funções majestáticas, o homem puro, probo e simples – de costumes ultra republicanos. Mas, nada mais havia a fazer: passara o momento, tudo sacrificado à ambição torpe de uns, a explorar a estulta sensatez dos outros. Apesar de tudo, o bom do padre continuou a trabalhar pela realidade da democracia no Brasil. Era, nele, uma necessidade irresistível. Um pobre de espírito, o Sr. Pereira da Silva, dirá de Feijó: “Talento mediano (porque não se exaltava em retórica), doutrinas anárquicas (na medida em que eram liberais e democráticas), incoerência de ideias...” – porque não achava que o regime de liberdade fosse parlamentarismo por fora da constituição, como o pretendia Vasconcelos, como o arremedaram depois, no segundo Império.119 Dentro dos seus princípios, Feijó exigia dos outros a sincera aplicação das leis.
119 O caso do planejado golpe de Estado, de 30 de julho, tem sido mal contado. O Sr. P. da Silva, sem maiores provas, insinua que fora de Feijó a iniciativa respectiva. Aliás, tudo consistia em que a Câmara dos deputados votava a reforma da constituição como se fora constituinte, dispensando o Senado. Nada prova que a mesma proposta fosse de Feijó. Mas certo é que ele a adotou bravamente. Depois em 1837, o traidor Hermeto afirmou que fora Feijó o autor da ideia (De 1831 a 1840 , págs. 77 e 215).
Era intransigentemente pelo sistema representativo – expressão da vontade da nação; mas, na prática, propendia para o regime presidencial. Daí sua manifesta antipatia pela ingerência do legislativo nas funções imediatas do governo. De boa-fé, não se pode achar incoerência na atividade de Feijó, aquele que, absolutamente escoimado de haver preparado o levante de 1842, foi pôr-se à frente dele – porque era um protesto em nome das ideias que ele sempre professara, porque nesse movimento se encontravam os seus amigos de sempre. E por ser inteiramente coerente com os princípios que proclamava, e absolutamente probo, ao sair do lugar de chefe da nação, apenas tinha o necessário para transportar-se ao seu Itu.
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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."
Cecília Costa Junqueira
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O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).
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Leia também:
O Brasil nação - v1: § 25 – A política da degradação – 1831-38-40... - Manoel Bomfim
O Brasil nação - v1: § 27 – De Olinda, por Vergueiro e Holanda, a Montezuma - Manoel Bomfim
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