Baudelaire - Pequenos Poemas em Prosa
VII
O BOBO E A VÊNUS
Dia admirável! O vasto parque desmaia sob o olhar candente do sol, como a juventude sob o domínio do amor.
O êxtase universal das coisas exprime-se sem nenhum ruído. Até as águas parecem adormecidas. Ao contrário das festas humanas, há aqui uma orgia silenciosa.
Dir-se ia que uma luz cada vez mais intensa vai dando maior brilho aos objetos; que as flores excitadas ardem de desejo de rivalizar com o azul do céu pela energia das cores; e que o calor, tornando-lhes visível o perfume, fá-lo subir em direção ao astro, como fumaça.
Todavia, nessa felicidade universal, notei um ser aflito.
Aos pés de uma Vênus gigantesca, um desses bobos artificiais, desses tolos voluntários encarregados de fazer rir os reis quando o Remorso ou o Tédio os persegue, vestindo uma roupa berrante e ridícula, coroado de chifres e de guizos, todo encolhido junto à estátua, levanta os olhos cheios de lágrimas para a Deusa imortal.
Dizem os seus olhos: — Sou o último e o mais solitário dos homens, privado de amor e de amizade, e muito inferior, portanto, ao mais imperfeito dos animais. E fui feito, também eu, para compreender e sentir a Beleza imortal! Oh! Deusa! Tende pena da minha tristeza e do meu delírio! Mas, a Vênus implacável fita, ao longe, não sei quê, com seus olhos de mármore.
VIII
O CÃO E O FRASCO
— Meu lindo cachorro, meu bom cão, querido totó! Aproxime-se, venha respirar um excelente perfume comprado na casa do melhor perfumista da cidade.
E o cão, sacudindo a cauda, o que me parece ser, nesses pobres seres, um sinal correspondente à gargalhada e ao sorriso, aproxima-se e pousa curiosamente o focinho no frasco aberto. Mas depois, recuando bruscamente, assustado, late contra mim, à guisa de censura.
— Ah! miserável cão, se eu lhe tivesse oferecido um punhado de excremento, você o farejaria com delícia e talvez o devorasse. Até você, indigno companheiro de minha vida triste, se parece com o público, ao qual nunca se devem apresentar perfumes delicados que o exasperem, mas sujeiras cuidadosamente escolhidas.
IX
O MAU VIDRACEIRO
Há naturezas puramente contemplativas e de todo impróprias para a ação. No entanto, por um impulso misterioso e desconhecido, agem às vezes com uma rapidez de que elas mesmas se julgariam incapazes.
Uns, com receio de encontrar na entrada de casa mais outra infeliz, perambulam covardemente diante da porta, sem se decidirem a entrar; outros guardam uma carta durante quinze dias sem abri-la; outros só ao cabo de seis meses se resignam a fechar um negócio necessário há mais de um ano. Não obstante, às vezes, sentem-se bruscamente precipitados na ação por uma força irresistível, como a flecha de um arco. O médico e o moralista, que tudo pretendem saber, não podem explicar como essas almas ociosas e cheias de volúpia adquirem de repente tão louca energia, nem como, embora incapazes de realizar as coisas mais simples e mais necessárias, revelam de uma hora para outra uma coragem inaudita para praticar os atos mais absurdos e muitas vezes os mais perigosos.
Um dos meus amigos, o mais inofensivo sonhador que jamais existiu, incendiou certa vez uma floresta, para ver, dizia ele, se o fogo pegava com tanta facilidade como em geral se afirmava. Dez vezes em seguida, a experiência falhou; mas, na décima primeira, teve um êxito completo.
Haverá quem acenda um charuto ao lado de uma barrica de pólvora, para ver, para saber, para tentar o destino, para ver-se forçado a dar prova de energia, a arriscar-se, para conhecer os prazeres da ansiedade, ou à toa, por capricho, por distração.
É uma espécie de energia que transborda do enfado e do sonho. Aqueles em que ela se manifesta tão inopinadamente são, em geral, como eu disse, os mais indolentes e os mais sonhadores dos seres.
Haverá igualmente quem, embora leve a própria timidez ao ponto de baixar os olhos quando encara os homens, e ao ponto de precisar reunir toda a sua pobre vontade para entrar num café ou passar diante da bilheteria de um teatro, onde os fiscais lhe parecem revestidos da majestade de Minos (6), de Eaco (7) ou de Radamanto (8), saltará bruscamente ao pescoço de um velho que passar ao seu lado e o abraçará com entusiasmo diante da multidão espantada.
Porquê? Porque... porque essa fisionomia lhe era irresistivelmente simpática? Talvez; é mais legítimo, porém, supor que ele próprio não sabe porquê.
Eu tenho sido, por mais de uma vez, vítima dessas crises e desses impulsos, que nos autorizam a acreditar que haja demônios maliciosos dentro de nós, para nos fazerem realizar, à nossa revelia, as suas mais absurdas vontades.
Uma manhã, eu me levantara mal humorado, triste, cansado de ócio. E, sentindo-me levado a fazer alguma coisa grandiosa, a praticar um ato notável, abri a janela, e ai de mim! (Peço-vos observar que o espírito de mistificação que, em certas pessoas, não é o resultado de um trabalho ou de uma combinação, mas de uma inspiração fortuita, participa muito, embora só pelo ardor do desejo, desse humor, histérico segundo os médicos, que nos leva a praticar sem resistência uma porção de atos perigosos ou inconvenientes.).
A primeira pessoa que descobri na rua foi um vidraceiro cujo grito agudo, discordante, subiu até a mim através a pesada e suja atmosfera parisiense. Ser-me-ia, aliás, impossível dizer porque fui tomado para com aquele pobre homem de um ódio tão súbito quanto despótico.
— Olá! Olá! — gritei-lhe dizendo que subisse.
E ao mesmo tempo eu pensava, não sem um certo contentamento, que, sendo o quarto no sexto andar e a escada muito estreita, o homem devia encontrar dificuldade na subida e ir batendo em vários lugares com os ângulos de sua frágil mercadoria.
Afinal, ele apareceu e eu pus-me a examinar curiosamente os vidros, dizendo-lhe: — Como? Não tem vidros de cor? Cor de rosa, vermelhos, azuis, mágicos, do paraíso? Sem vergonha! Tem a coragem de andar passeando nos bairros pobres sem ter vidros que embelezem a vida! E o empurrei com força pela escada abaixo, por onde ele foi rolando aos gritos.
Depois, aproximei-me da sacada, segurando uma pequena jarra de flores, e, quando o homem tornou a aparecer na saída da porta, deixei-lhe cair perpendicularmente o meu engenho de guerra em cima da bagagem. O choque derrubou-o e ele acabou de quebrar com as costas toda aquela fortuna ambulatória, que produziu o ruído estridente de um palácio de cristal atingido pelo raio.
Então, ébrio de loucura, gritei-lhe furiosamente: — A vida embelezada! A vida embelezada! Essas nervosas brincadeiras não deixam de ter seus riscos e podem custar caro. Mas, que importa a eternidade da maldição, para quem achou num segundo o gozo infinito?
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Charles-Pierre Baudelaire (Paris, 9 de abril de 1821 — Paris, 31 de agosto de 1867) f
oi um poeta boémio ou dandy ou flâneur e teórico da arte francesa. É considerado um dos precursores do simbolismo e reconhecido internacionalmente como o fundador da tradição moderna em poesia, juntamente com Walt Whitman, embora tenha se relacionado com diversas escolas artísticas. Sua obra teórica também influenciou profundamente as artes plásticas do século XIX.
Nasceu em Paris a 9 de abril de 1821. Estudou no Colégio Real de Lyon e Lycée Louis-le-Grand (de onde foi expulso por não querer mostrar um bilhete que lhe foi passado por um colega).
Em 1840 foi enviado pelo padrasto, preocupado com sua vida desregrada, à Índia, mas nunca chegou ao destino. Pára na ilha da Reunião e retorna a Paris. Atingindo a maioridade, ganha posse da herança do pai. Por dois anos vive entre drogas e álcool na companhia de Jeanne Duval. Em 1844 sua mãe entra na justiça, acusando-o de pródigo, e então sua fortuna torna-se controlada por um notário.
Em 1857 é lançado As flores do mal contendo 100 poemas. O autor do livro é acusado, no mesmo ano, pela justiça, de ultrajar a moral pública. Os exemplares são apreendidos, pagando de multa o escritor 300 francos e a editora 100 francos.
Essa censura se deveu a apenas seis poemas do livro. Baudelaire aceita a sentença e escreve seis novos poemas, "mais belos que os suprimidos", segundo ele.
Mesmo depois disso, Baudelaire tenta ingressar na Academia Francesa. Há divergência, entre os estudiosos, sobre a principal razão pela qual Baudelaire tentou isso. Uns dizem que foi para se reabilitar aos olhos da mãe (que dessa forma lhe daria mais dinheiro), e outros dizem que ele queria se reabilitar com o público em geral, que via suas obras com maus olhos em função das duras críticas que ele recebia da burguesia.
Morreu prematuramente sem sequer conhecer a fama, em 1867, em Paris, e seu corpo está sepultado no Cemitério do Montparnasse, em Paris.
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(7) Filho de Júpiter, rei de Egina. Célebre por sua justiça, passou, depois de sua morte, a ser um dos três juízes dos infernos, com Minos e Radamanto.
(8) Um dos três juízes dos infernos, filho de Júpiter e irmão de Minos.