mulheres descalças
a parte ruim da vida: a herança do ódio
Ensaio 102B – 2ª edição 1ª reimpressão
Ensaio 102B – 2ª edição 1ª reimpressão
baitasar
tê vida na villa qui os branco grita e avisa e jura qui é dos branco – é eles qui manda e desmanda, e acusa, e aponta, e prende, e solta, e perdoa – num é lugá prus fraco. é um vazio de vida prus pretu qui é obrigado vivê docilmente silenciado, como se as corrente, os açoite, os grito, as ameaça e o uso do corpo dos pretu como ferramenta fosse coisa boa e justa de sê
é preciso resistí à tristeza de vivê sem vida pra escoiê, num tê a própria vida
na villa, os qui se credita dono de tudo num qué vê os pretu e os índio como gente da villa, então, num deixa ninguém vê nem mudá a vida desconjuntada sem vida deles. num é um lugá qui protege os fraco, é um lugá qui usa os fraco dum jeito violento, afiado, indecente e jura qui é pru bem deles, num é pru mau; os dono de tudo jura qui os pretu num sabe sê gente como os branco sabe sê
sê pretu e durá na vida num dava alívio, dá muntu calafrio de atormentamento e amargura vivê pra vê os pretu novo morrê de véio sem tá véio, desembocando no rastro do desaparecimento sem tá doente, tê fome e escutá qui é vagabundo, chorá e sê acusado de fingido. num é depois de morrê qui a virtude vai acordá, num é depois de morrê qui os fiu vai nascê
depois de morrê os espritu pode dançá, cantá, subí e descê, mais o morto tá desembocado da vida: sem trilha pra caminhá, sem rochedo pra subí, sem ilusão pra vivê, sem prosperidade pra abocanhá, sem rio qui leva pra vasteza das água funda, sem gritaria, sem sol, sem sê vento, sem sê as estrela. os morto depois de morrê tá morto
os branco vivo gosta do qui gosta: a regalia de tê os pretu pra dominação e uso no próprio gosto, eles tá muntu atarefado com eles mesmo pra sê diferente dos vaidoso qui qué a vida só prus branco vivo; eles num sente vergonha nem alívio pras maldade feita
eles oferece prus pretu a paciência dócil do silêncio ou a morte
num dá pra dizê qui num era assim, num dá pra dizê qui num é assim
Reza junto, mãinha!
o abicu insistia nos pedido pra cavalaria, Peço ajuda à preciosa Cruz do Senhor São Bento, enquanto ele pedia reforço de salvamento um nevoêro desceu na villa, o clarão amarelão chegô pra cima do dia acinzentado anunciando qui o dia podia ficá mais bão qui tava, mais era preciso esperá docilmente, era só tê paciência pra aguardá a natureza agí
as palavra dita pelo abicu quando dita sozinha tem um podê menó de ajudá. muntu mais forte qui um pedindo é dois pedindo. ele parô as vista em mãinha, lhe procurô com o pedido de socorro nas vista, ele sabia qui precisá ajuda num é o mesmo qui pedí ajuda, Reza junto... mãinha... por favor...
Continua, abicu! É bão pedí pra vida acordá desembaraçada dos soluço frustrado, prus espritu bão combatê sem vingança pela justeza da justiça, mais é bão num esquecê qui o entendimento justo num pode sê só aparência!
tem veiz qui é só pedí, Eu sou o moleque Fumaça, os soldados da Cavalaria sabem que não nasci, nem longe nem perto daqui, mas peço para ver do fogo o ferro, do ar o feitiço, da peste o bicho peçonhento, pois tenho para minha defesa Jesus Cristo e o Senhor São Bento, ele tava todo espichado inté na ponta dos pé na cabeça da pedra, os braço e os óio pra cima, continuô, na Arca de Noé me meto, com a chave de São Pedro me fecho, e com os três me acompanho: Pai, Filho e Espírito Santo. Amém.
Muntu bem dito, muriquinhu...
a louvação pra reza feita sai da mais véia pru abicu, o muriquinhu qui num tá nascido
mais tem veiz, munta veiz, quase toda veiz, qui cada um tem tanta justeza na justiça tanto quanto vale a sua energia, força e resistência pra cansá o siô dono de tudo. rezá é bão pruqui chama a cavalaria pra luta, mais fazê o dono de tudo vê qui tumbém vai perdê pode sê meió qui só rezá. num é tarefa fácil e dócil, precisa sê quase invencível
Vamu, muriquinhu... falta rezá o Pai Nosso e mais a Ave Maria...
ali, na ponta dos pé, no topo da pedra da infâmia, o muriquinhu furô no meio o nevoêro com o esquicho dum clarão da mijadêra, parecia um arco de chuva colorida e brilhante, fez toda volta da pedra inté fechá a cercadura da infâmia, Eu juro que todo homem ou mulher que se deliciar com o uso desta pedra não vai ter descanso! É preciso marcar a maldade e lutar, tratá os pretu como apetrecho de utilidade faz-tudo, como a parte ruim da vida pra sê abandonada depois de estragada, é vivê solto nas asa da ruindade
a mais véia oiô com ôio de corretivo pru muriquinhu qui num nasceu, Fumaça! U muriquinhu abicu num pode esquecê qui tâmo nesse trabáio pra desbaratá as coisa ruim. É muntu preciso derramá o amô qui tem muntu no tabulêro. É preciso fazê abundá esse amô nas pessoa.
o abicu cismado parô o esguicho da demarcação, queria mostrá respeito com a mais véia, mais num segurô as palavra qui nascia dos pensamento mais fundo qui conseguia soltá na garganta depois de passá pelo curação. o peito tava esparramado, tava inchado com tanta dô escondida, impedida de saí e flutuá com a vontade de sê igual. num queria sê mais meió nem mais pió, queria sê tratado sem ódio como parte boa da vida, mais as palavra qui soltô com vontade balançô as rua da villa, O amor? Olha na sua volta, mãinha. Essa correria não é para entrar no baile nem para admirar as delícias do sol brilhando nas águas do rio. O amor que transborda no tabuleiro foi pisoteado, caiu no chão e foi humilhado, espezinhado, machucado, pela correria desta gente egoísta. A curiosidade indiferente embrustece e asfixia esse amor. Não dá gosto viver na Villa sendo apontado como a parte ruim da vida!
Cruiz e credo, muriquinhu abicu! As coisa dita pela boca do muriquinhu faz parecê mais penoso e triste vivê na Villa. Faz doê e sê mais doído qui já é...
a voz da mais véia tremeu, num queria deixá aquela dô lhe entrá como uma maldição, num queria ficá presa na amargura qui num mexe os pé pra mudá do lugá qui tá
... a ruindade existe em tudo qui é parte. Num é bão cansá a alegria com o gosto vingativo nem acostumá com o prato frio e arruinado. Num tê é bão se pra tê é preciso fazê os otro perdê o gosto da vida.
o abicu sentô no topo da pedra, os óio oiando as mão acomodada nas perna. a voz qui ele soltô num parecia tá zangada, mais continuava dura e provocativa
E não é torturante e desesperador para qualquer homem ou mulher ser aprisionado e escravizado? Não é injusto os dono de tudo usarem a igreja, os padre e as reza para não permitirem que o preto escolha a vida que quer... ou não quer? Não é um desalento manter o preto sem instrução para continuar desolado e isolado das coisas boas? Ainda vai ter muito mais tempo que esse vivido, muita conversa, e quase nada feito, para mudar essa afobação e correria.
Eu sei... essa preta sabe... dói sabê.
a dô dos dois ficô misturada
as ideia do passado num morre no passado, elas muda o jeito de se mostrá, mais num morre, passa dos pai prus fiu: a herança do ódio. o gosto de escravizá num vai morrê enquanto existí gente qui credita – e se admira e se saboreia – no sofrimento dos pretu e no acabamento defunto dos índio
A Villa foi arruinada pela desumanidade e vai continuar assim até virar pelo avesso. A ânsia pela felicidade ligada ao egoísmo enche corações longamente ocupados com o desamor, deitô-se com as costa no topo da pedra, gosta de colocá os óio no mundo qui parece num existí, depois de meió acomodado, continuô, a Villa está acostumada com o desapego e o desprezo com os desletrados, o que acontece hoje acontecerá amanhã.
liberata desviô os passo do tabulêro e foi no rumo qui precisô pra ficá no lugá qui podia vê o abicu, e repará na correria, lá pra perto do rio
Eu vô continuá tentando.
o abicu saltô da pedra com as asa qui só os anjo usa, ficô de frente com a liberata
É inútil falar de amor para animais. A mãinha pode continuar tentando, mas essa correria é o momento de maior significado na Villa, vem das formas puras do ódio acumulado por dias, anos e tempos, como uma tanga que cobre as vistas e se esconde das vergonhas de saber da tristeza do escravizado que se mata comendo terra ou se enforca, ou se envenena, ou se entrega aos abusos da aguardente, da maconha, da mão subindo e descendo no mastro duro e solitário, da preta violentada, do muriquinho que precisa crescer sem ninguém na sua volta.
a mais véia quase se dobrô de dô, mais em veiz disso, deu dois passo e avisô o muriquinhu qui ele precisava voltá pra pedra e dizê o qui tava acontecendo, Agora, Fumaça, seu lugá nesta correria é oiá do mais alto lugá.
Eu volto.
liberata oiava prus lado, tudo qui era lado, É preciso desaprendê odiá, muriquinhu...
Falar é mais fácil que ensinar.
ergueu a cabeça com as força qui lhe restava, Hoje, ocê tá impossível, parô as palavra qui tava saindo, respirô duas veiz, bem fundo, antes de continuá, a maldade num é uma maldição qui nasce com as pessoa.
A maldade nasce das pessoas, mãinha.
a baronesa qui oiava prus lado da correria e num sabia escutá as conversa do abicu abriu nova conversa, Liberata, esse nevoeiro desceu na hora certa para atrapalhar as vistas e ajudar o fujão. Ele precisa de toda ajuda. Vou tratar disto.
a mais nova levô as mão junta no peito qui só ficava mais apertado, voltô as vista pru barão e pediu ajuda
Não posso ajudar nenhum negro em fuga, foi a resposta qui teve
o abicu oiô firme pra mais véia, a resposta do barão podia sê otra pra agradá a baronesa, mais pensô nas resposta qui ia precisá tê pru superiô dele. quem manda sempre vai tê otro qui manda mais. é o balanço com gosto amargo dos menó qui sempre tem alguém mandão pra sê obedecido
ninguém chega na posição qui ele tá na villa – e num qué perdê – ajudando os pretu fujão. ninguém chega lá, tão perto de tudo, e acima do todo, sem sê desumano, demasiado desumano, desfeito de sê gente. e se chegá sem esquecê de sê gente, logo vão lhe fazê esquecê. ninguém vai tão mais longe sem fazê as pessoa ficá apalermada pra acreditá qui a vida precisa tê mais sofrimento qui vida, qui vida sem sofrimento num é vida. quem nunca escutô qui o paraíso é prus puro do curação... sofrimento nesta vida pra tê a vida de morto eterna? escuta, repete... inté qui o apalermado creditá qui as coisa qui ele pensa é ele qui pensa
as pessoa corria pra tê tempo de oiá os resto do pretu sê agarrado e jogado no buraco da terra, elas soltava as conversa mais animada das coisa qui num viu, só ouviu, e pode tê coisa mais apalermada qui repetí as mentira? o apalermado é tão bem ensinado qui num sabe qui é apalermado, num sabe qui num pensa. o palermado jura qui os pretu num é gente pruqui se fosse gente num tava na vida qui tá
a correria apressada era pra num perdê nada
Esse negro fujão vai se esconder na mata?
Mas que mato? Por ali? Ali só tem água...
Aposto que escapa.
Na água? E negro sabe nadar?
Não conheço um que não afunda! Hahahaha!
Bem isso, são bons para fazerem uma faca, um machado, mas pescar... e se não fossem vagabundos e preguiçosos poderiam ser melhores na produção dos alimentos.
Eu gosto das danças... ah, as negras... bem limpinhas... ah...
Ouvi dizer que gostam de decapitar os donos e beber o sangue... Não sei se eles gostam, mas é o que dizem.
Quanta bobagem, se for preciso fazer eles fazem uma bebedeira – que aliás adoram – e muita depravação. São depravados... e só.
E a feitiçaria?
os três siô distinto num corria, mais caminhava na direção do rio. eles tinha a pose de quem parecia sabê tudo de nada dos pretu, como se sabê de ouví dizê fosse bão pra conhecê tudo qui é pretu
a conversa e os grito qui descia a rampa da rua, tumbém subia. num tem lei qui vai resolvê tanto desprezo, num tem conversa qui resolve tanta vontade de sê superiô, acima de tudo e do todo, sê pra sempre dum otro jeito é mudá os muriquinhu. ensiná o amô precisa sê a nossa herança
a inquietação num pode sê uma vontade vazia e sem ação
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