mulheres descalças
Vamô chamá Cavalaria! Viva São Bento Pequeno, protetô nazareno!
Ensaio 101B – 2ª edição 1ª reimpressão
Ensaio 101B – 2ª edição 1ª reimpressão
baitasar
num tem escôia pra pretu qui foge: começô corrê num para mais, num óia pra tráis, o passado nunca mais; só tem um jeito pra pará de corrê e num voltá prus castigo e pras corrente com os pé descalço: achá um bão disfarce entrado nos mato; num é coisa fácil de arranjá, num basta tê refúgio pra ficá encobertado: é preciso vivê
o rodomoinho da escravatura arrasta pra suas correnteza a ebulição da vida e afoga tudo, mastiga guisado com carne de pretu. tudo planejado. a distração: é divertimento fazê sofrê e deixá um rastro sofrido e conformado; a melancolia: o tédio é imbecil demais pra lutá. o castigo: o pelôinho e o rabo de tatu. só resta fugí pra tê vida com vida. num tem como pará de lutá enquanto sente vontade de tê vida mais qui só vivê pra serví de limpa-pé. é pra muntu longe qui o fujão precisa escapá inté achá o refúgio qui fala da vontade de tê vida qui num é estranha pra própria vida
corrê sem sabê pra onde corre num parece sê um bão jeito. imitá o desespero dum otro pretu e fugí sem suposição de rumo pode provocá a vontade de fugí notro, depois notro; mais desobedecê e fugí pode num cansá a mão qui usa o rabo de tatu. é preciso tê um plano de mais tempo: ensiná as criança vivê
os pretu precisa ensiná os muriquinho pretu vivê livre pra provocá nos dono de tudo os cuidados que atazana o tempo todo. os muriquinho pretu precisá ensiná otro jeito de vivê pru muriquinho branco qui aprende desde abé obínrin: se é pretu vai fugí, se é branco precisá aprendê castigá
ensiná é coisa difícil de acontecê quando um pretu corre a esmo e o muriquinho branco gosta de vê a correria babando da quexada inté o peito. ensiná é coisa muntu difícil de acontecê sem qualqué ajuda. fugí, lutá, desafiá é um jeito de ensiná, mais é preciso educá uma pele qui sente a dô do otro, mais num só isso: é preciso sabê sentí na pele a paixão e os abalo do otro. num tem como suportá vivê sem tê vida nem corrê sem tê um mapa dum otro lugá. num tem como voltá depois qui precisa fugí da caçada. dá uma angústia pensá qui esse tempo da escravidão nunca vai passá sem um plano de lutá
o abicu fumaça narrava pra liberata os passo do pretu qui fugia a esmo, qui queria se libertá de qualqué coisa qui obriga fazê – e num adianta dizê quinum qué fazê
só sabe de querê fugí quem tá escravizado, a razão qui existe no escravizado só existe nele. corrê pra liberdade num é a mesma coisa qui vivê com folga, soltura e confiança. a mão qui usa o rabo de tatu é o lado feio da vida, a fartura violenta qui deixa o mundo mínimo. o prazê é removido do curação pra mão. tudo fica agarrado no fio de couro grosso e ensanguentado qui pode se soltá da cintura e acabá com o corre lá e cá. num tem quem dá controle pra mão do branco
corrê sem um plano é só corrê
tem veiz qui a cautela num é remédio é só cumprimento, tem veiz qui o acatamento num é cautela é só preparação; tem veiz qui os pretu se perde da cautela pruqui é desafiado pela crueldade e a furia dos dono de tudo qui num atura os pretu tê vida própria, tê vida solta deles, como se num pudesse deixá fazê comparativo entre o escravizado e o dono de tudo: os pretu feio, triste, desanimado e ignorante; os dono de tudo tão branco, bunito, casto, atraente, engenhoso, esperto, divino tão acima de tudo. o espritu dos branco num pensa, só se acredita mais elegante e mais sublime, nem disfarça qui num é muntu alegre
os dono de tudo é o lado feio da vida qui num suporta ouví dizê qui os pretu e os índio tem vida e é vida muntu bunita. tê vida é como tê um sino qui badala as alegria e as tristeza qui toca no curação pruqui a vida tem pele qui se arrepia. tê vida é sentí o chêro das lembrança e fazê a pele fica arrebitada, tê vida é num precisá oiá pra sabê
os dono de tudo tumbém tem vida, tumbém tem curação e sino, mais é um curação com preguiça pra fazê os trabáio de tê vida. manda os escravizado fazê, mais num é só desanimação do curação, tumbém é medo qui os pretu fique acima deles, e diga tudo qui pensa e sente, fazendo os dono de tudo virá escombro e assombração. destruídos pelo vazio da vida qui num é vida pruqui num tem compaixão, só tem medo. os pretu num que sê acima nem abaixo, só que tê a vida própria da vida
a vida com medo é uma estrada zangada
Liberata, esse daí que corre a esmo não vai ter muita carne para a sepultura comer.
a muié dos chá qui afirma: ajudá é muntu meió qui oiá com dó; colocô munta atenção naquele abicu demasiado humano
Pru qui, Fumaça?
o num nascido subiu mais na ponta dos pé, antes de dizê do seu achado
É pequeno no tamanho e descarnado. Pode se esconder em alguma fresta, mas não vai. Ele está muito assustado.
liberata desceu as vista cansada, oiô na volta, podia sentí o apetite pelo lado feio do mundo, a máscara da crueldade mata pra zombá da vida pruqui farejá a morte é só um divertimento pra esse mundo de morto qui continua vivendo morto
Coitado, exclamô a baronesa sem sabê escutá as palavra do abicu, mais um que não se aguentou e fugiu.
os quatro fez silêncio, cada um com os seus pedaço do pensamento qui as palavra precisa revigorá. só as conversa faz vivê os pensamento. enquanto as palavra num sai do esconderijo dos pensamento e a garganta num se abre pras palavra nascê - os cuidado, as ideia, a imaginação, a memória, os propósito, os sentimento - é como um abicu, um fiu qui nasce pra morrê, nasce sem tê nascido. pensamento qui num nascê é um querê defunto
É preciso saber o que aconteceu. O elemento pode não ser nenhum coitado, mas um criminoso perigoso, as palavra dita pelo barão num parecia tê maldade, mais num disse qui a correria podia tá errada. a maldade condena os pretu inté quando jura dizê qui defende: primêro a dureza depois a dúvida, isso se a culpa já num foi julgada pelo ódio e pela cisma
na villa, dizê qui suspeita dum pretu é o mesmo qui condená antes de sabê u qui foi acontecido. pode parecê abuso – e é abuso qui pra gente da villa num é –, mais é o feitio de pensá e sentí das gente da villa. isso num muda logo, vai continuá. pra mudá é preciso tê a intenção de compreendê no lugá de farejá. muntu muriquinho nasce e aprende esse jeito de abusá da vida: fuçando pelo nariz, sentindo pelo vento a revelação. uma vigília confusa baseada na dominação pela mentira e o absurdo. tem veiz qui piora, tem veiz qui num piora: a permissão pra odiá
a muié do tabulêro num quis fazê atenção da sua atenção pras palavra do barão, depois cuidava do assunto da cisma de branco; agora, ela precisa sabê u qui tá acontecendo e dos perigo daquela confusão do pretu se soltando das vontade dos dono de tudo. o capitão-do-mato logo havia de se apresentá
Conta mais, Fumaça!
o abicu deu um pulo piquininino na cabeça da pedra pra subí mais as vista, queria vê mais pra longe daquela gente toda qui corre pra cima e pra baixo, pra longe e pra perto. o abicu aponta prum piá qui arrasta uma muié pela mão pra perto do alvoroço. quando ele cansa de puxá, ela arrasta ele de volta. e assim eles vai e vem. o piquinino chorava. o choro dos óio se misturava com o choro do nariz. a mãe gritava. só o qui eles num soltava era a mão um dotro
quando o badalo do sino gritô bem alto a confusão aumentô. num era aviso da missa, podia sê aviso de ataque dos castelhano pra buscá o pretu. o abicu levô as vista pru sino qui tocava solitário. num tinha ninguém pendurado na corda do badalo. num tinha corda no badalo. o padinhu tava de braço cruzado na assistência, parecia sabê o fim de tanto corre-corre. pronto pra última aliança entre o morto e a vida pra sempre
Parece que ele quer fugir pelo rio...
E lá ele é peixe?
Vai saber, Liberata. O descarnado conhecer algum feitiço que faz virar preto fujão em lambari.
liberata fez qui num deu importância pra provocação do abicu
Num é um bão caminho pra usá se ocê num tem remo, num tem canoa e num respira embaixo das água do rio.
Não tem chance.
Afundado nas água vira presa à toa pra barquêro calejado.
o fujão num tem tempo pra calculá os risco nem gemê as lamúria, precisa encontrá alguma piquininina brecha no cerco. os pensamento atrapaiado pelo medo, confuso pelos grito e ameaça, num pode tropeçá na hesitação. os pé empurra os chão qui pisava, o estômago vazio chega e sai na boca, o suô escorre da imaginação como o sonho escorre do sono
Se caí nas água...
Pelo menos, nas águas do rio os brancos não têm favorecimento para usar da força.
a muié mais véia oiô com dureza pro abicu
E afogá quem num pode reclamá num é usá força? Cortá a língua num é como no desenho do artista. Batê e arrancá as pele dos pretu num é como oiá tudo nas pintura da casa grande. Salvá um pretu é bão, salvá uma vida é tê respeito com a vida, mais lutá pra defendê muntas vida tem um preço maió.
Por que, Liberata?
Pruqui salvá uma vida mostra qui ocê é muntu piedoso, um bão curação, mais pode sê só isso: devoção, ocê num qué mudá nada. Salvá muntas vida desembucha qui ocê pode sê um libertadô qui qué mudá inté ocê mesmo. E isso provoca mais medo qui aplauso.
depois virô atenção pra mais nova
Baronesa, tenho pedido pra fazê...
as duas tava atenta uma notra enquanto a villa parecia tá desorientada. as muié sabe qui a vida precisa sê boa vida pra toda vida, é preciso cuidá de toda vida. elas tumbém sabe qui a villa continuava desregulada pelo gosto de castigá pra divertimento. os villêro corria atrás do pretu pra divertimento, sem a claridade qui desenruga a máscara do ódio, a cisma só aguça mais desconfiança qui provoca implicância
Pois faça o seu pedido, mâinha.
a mais nova sabia do pedido qui tava chegando; um pedido feito prum inimigo é uma súplica, mais se feito prum amigo é uma encomenda
Ayomide sabe como o corre e foge vai acabá, num sabe?
a mais nova confirmô com um piquininino balanço da cabeça
Sei, a villa podia num querê sabê da tristeza nas palavra da mais véia, mais ela podia sentí, e o que mãinha quer encomendar?
elas num precisa usá suspiro de arrependimento ou comedimento, num era só a pele qui uma mostrava pra otra, mais os osso, a carne, as entranha
Peça pru Barão se metê entre a mão qui segura o rabo de tatu e o pretu.
tem súplica fácil de num atende: o inimigo caçoa e rechaça pra desencorajá a vida de vivê sem sua licença de patrão. o mais cruento deste jeito de vivê sangrento é qui o patrão gosta de mostrá qui aprendeu vivê sem a fraqueza do perdão
tem encomenda arriscada de atendê qui a amiga recebe sem medo, mais com ganância pra atendê pela pressão do apreço na amiga
Esse é um pedido forte.
a mais véia concordô com um leve aceno da cabeça, antes de soltá as palavra da confirmação, Eu sei.
o abicu tava todo espichado na cabeça da pedra infame pra num perdê de vê o rumo do pretu, mais mudô as vista pras duas muié
Mãinha perde tempo e as palavra, essa daí não vai virar as costas à boa vida que tem. Queria ter permissão para espiar os corações, aposto com mãinha que essa daí não vai fazer muito esforço para ajudar o preto.
liberata lhe mandô nos óio um pedido pra se aquietá e cuidá de num perdê das vista o fujão, Eu conheço meió o fiu qui o fiu conhece a mãinha.
E o sol disse: já volto!
ela num riu nem o abicu acreditava na preta com os modo farto e alegre de vestí pra se mostrá. pru abicu ela tava no rodomoinho da vaidade e precisava tá segura. no rodomoinho qui ela escôieu vivê num se nada nem se corre contra a correnteza. num tem como entrá no rodomoinho e num se entregá pra suas força. é ruim, é triste, mais aguardado. precisa arriscá tudo no rodomoinho pra num perdê o sonho de vivê dum jeito qui parece sê pra sempre, parece qui num vai morrê. ninguém vive mais qui o rodomoinho, ninguém volta pra dizê o qui tá no fundo do rodomoinho nem se o rodomoinho tem fundura
o tabulêro da avoinha com as erva e as reza num pode fazê curá essa vontade de vivê nas borda do rodomoinho gente qui num parece sê o qui é: coisa ruim qui gosta de fazê coisa ruim – e faz tudo qui pode – pra num deixá a vida ficá boa prus pretu e os índio
gente qui escôieu vivê no rodomoinho das regra do vergalho gosta do pretu qui apanha quieto e sabe seu lugá inferiô de vivê. gente qui escôieu o rodomoinho do rabo de tatu num dá sossêgo pru pretu qui luta pra vivê livre: vivê das suas escôia
o abicu num se conforma com a correria atrás do pretu e grita, Vamô chamá Cavalaria! Viva São Bento Pequeno, protetô nazareno!
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