Manoel Bomfim
O Brasil Nação volume 2
SEGUNDA PARTE
TRADIÇÕES
À glória de
CASTRO ALVES
Potente e comovida voz de revolução
CASTRO ALVES
Potente e comovida voz de revolução
capítulo 8
A Revolução Republicana
§ 82 – As formas, na política republicana
Depois de sessenta anos de experiência política, com toda a responsabilidade de quem tantas vezes conduziu os destinos da sua pátria, Clemenceau, no fim de tudo, ao despedir-se do pensamento, deixa a terrível confissão: “La verité c’est que, sous de noms divers, nous n’avons jamais été gouvernés que par des oligarchies d’intérêts, decorés d’ideologie” (Au Soir de la Pensée). Isto, na França dos direitos do homem, na pátria das revoluções vingadoras, onde, agora mesmo, ferve a campanha do comunismo, a que já ninguém é indiferente! Que dizer deste Brasil, ostensivamente deixado a bandos espúrios, corrupção de costumes oligárquicos, este Brasil de dirigentes confessadamente abjetos, da tirania à rapinagem!... Ali, há opinião, dividida em muitas casos, mutável com a própria vida da nação: mas a sua realidade passa como verificação ou estímulo por sobre toda a vida política. O mais que se permite aos dirigentes é o intervir nas propagandas, em vista da política e do programa de cada grupo. Há esforços em prol da democracia, há eleições relativamente livres, há vozes que desafrontadamente defendem a verdadeira justiça, estimuladas pela certeza de que, se opinião se move, a conquista está realizada. E, aqui?... Constatação a que ninguém se nega: não temos nem sombra de democracia, para verdade de escolha eleitoral. A purulência oligárquica infiltrou-se, principalmente, nesses cargos eletivos, distribuídos como ostensivos arranjos dentro da crosta. Ora, mesmo que houvesse verdade de urnas, longe estaríamos, ainda, da realidade democrática, visto que a Constituição privilegiou o voto, para os alfabetizados, e que os dirigentes, muito religiosamente, mantêm as populações na ignorância precisa para que, em toda a infâmia e insuficiência, possam continuar no mando. Sim: num país de 36.000.000 de habitantes, não há possibilidade de contar um milhão de eleitores, isto é, cidadãos nas condições exigidas pela organização republicana. De tal sorte, se tudo fosse ótimo na vida política, teríamos que os 36.000.000 de brasileiros deviam existir explorados e tiranizados pelos 10.000, ou 12.000 dirigentes, erguidos sobre os reduzidos eleitores. E tudo seria a continuação concreta do teor colonial, como se dá sempre que um povo de ignaros se encontra sob o domínio de uma reduzida classe dirigente, sobretudo se ela tem origem própria, qual a do Brasil, derivada diretamente do domínio bragantino sobre a colônia.
Mesmo na República, e mais do que nunca: para política brasileira, governar se confunde absolutamente com – dominar e possuir, pois que os governantes assimilam a ignomínia dos seus interesses à vida Estado e às necessidades da nação, dando, a tudo, o preço das suas pessoas. Desta forma, a função de dirigente se tornou, cada vez mais, incompatível com as obras de desinteresse, em sincera dedicação. Os impulsos dignificantes abafaram-se pelos achegos e conveniências, indiferentes a escrúpulos, até os arranjos, pitorescamente tidos como cavações, onde se sepultam escrúpulos e amor-próprio. Vida fácil e regalada, na vaidade do mando, ou mesmo sem ele, pois que a República, quanto ao progresso social tem sido nula: não houve, neste vasto Brasil, nem uma propaganda de ideias, nem uma campanha de política desinteressada. As míseras dificuldades, na direção do país, já não são espasmos de crises, mas sintomas de insuficiência mental e dissolução de caracteres, no curso de longa enfermidade social. Como fato, tudo se reduziu a conflitos de ganâncias, na bestialidade do poderio. E o ambiente nacional se envenenou tanto, nas exalações dessa política, que já parece impossível qualquer remissão, em prosseguimento do regime até aqui realizado.
No entanto, a continuação disso está consagrada – conservação da ordem... Sim: conservadores eles são dessa ordem que inexoravelmente mantêm, pois que nisto vai a mesma manutenção dos seus privilégios, de fartura e domínio. Com essa ordem conseguiram eles valer, e fazer esquecer a verdadeira ordem – o necessário e legítimo desenvolvimento do povo brasileiro, para a justiça integral. No pretexto dessa ordem, imputando à índole do brasileiro o que é, apenas, deficiência deles, acabam justificando a desordem pior – os repetidos levantes armados, motins de soldadesca explorada por politiqueiros da mesma escola, rebeliões tramadas num idêntico intuito de mando, e que, vencedoras, seriam apenas, agravação das misérias correntes. Ingênuos, sinceros, pode ser que alguns ainda apelem para um tal remédio, trazido pela mesma politicagem. Mas em lucidez: como ter fé na virtude política dos que vivem a mexer na ignomínia de sempre? Como dar confiança a criaturas que se definiram e viveram sempre como políticos brasileiros?...
Reconheçamos: a política nacional republicana é obra de que não pode participar um homem, ao mesmo tempo inteligente, senhor de si, e definido em moralidade de caráter, porque ele teria de isolar-se no meio, e a política não se faz no isolamento. Então, toda ela se caracteriza num expurgo à rebours, e os empreiteiros dela chegam a ser os piores inimigos do Brasil, pois que, em verdade, fora impossível – uma nação próspera, feliz, humanamente digna, sob tal direção. Que doam, tais verdades, é dever dizê-las.
Pejorando a grosseria das aspirações, os governantes republicanos definem invariavelmente os seus programas como reconstituição financeira, o que, na normalidade do regime, significa reparar os desastres financeiros, agravados de crimes, dos governos anteriores: “Há uma letra de... milhões, cujo recheio se sumiu... Tal empréstimo, de emprego obrigatório, esvaiu-se, não se sabe como... Tal outro empréstimo, obtido mediante comissão de onzeneiro, teve um líquido de emprego desconhecido...” Nesse concreto de realidades, prossegue a República como eles a compreendem – mandonismo sobre servis, tendo como mais alto propósito a materialidade das finanças, a fornecer pretexto para revoltas sem alcance social nem valor político.
Assim conduzida, a vida pública já não oferece novidade, nos aviltantes processos próprios a esses dirigentes, de coração suspenso ao saco dos tributos, sobre uma população de todo impreparada para a produção moderna. E poderíamos definir a totalidade dos resultados: injustiça, espoliação, privilégios, intumescidos em bestialidade. Assim concebem, e tal o realizam, o pândego presidencialismo da constituição atamancada para este Brasil, que nunca teve educação política. Admite-se que o presidencialismo seja o melhor regime para uma democracia, nas formas atuais; isso, porém, tem de realizar-se num mundo de legítimos democratas republicanos: ambiente livre para as campanhas políticas, dirigentes capazes das mesmas campanhas, uma população civicamente ordenada, pronta a defender intransigentemente as suas liberdades, para impor a sua vontade como governo vencedor na opinião. Então, a política não se consagra como vitórias pessoais; o vencedor deixa de ser chefe de partido, para ser a expressão nacional na suprema direção. Nunca será alma em ressaibos de disputa, fechada em rancores, porque nela falará a legítima voz da nacionalidade: Cesar, Henrique IV e Guilherme de Orange, que passaram das campanhas de conquista do poder para a suprema função, foram, realmente, chefes de nação, reveladores de uma política própria e nova, porque, pela mesma vitória, elevaram-se em concepção.
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"Manoel Bomfim morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."
Cecília Costa Junqueira
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Bomfim, Manoel, 1868-1932
O Brasil nação: vol. II / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 392 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 31).
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nunca é demais pensar...
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