Manoel Bomfim
O Brasil Nação volume 2
SEGUNDA PARTE
TRADIÇÕES
À glória de
CASTRO ALVES
Potente e comovida voz de revolução
CASTRO ALVES
Potente e comovida voz de revolução
capítulo 8
A Revolução Republicana
§ 85 – A finança dos republicanos “práticos”
Empréstimos no estrangeiro, e serviço da respectiva dívida, formam um dos capítulos mais ricos em estupidez e infâmia do financismo da República. Na União: maior soma (funding é empréstimo) convertida em dívida, nos últimos vinte anos da gestão republicana do que em toda a vida anterior do país, aí compreendidos os empréstimos em vista da guerra do Paraguai; suspensão de pagamentos por um período de mais de metade da existência da República; formidável soma de empréstimos negados ao seu destino obrigado, para um emprego que chega a ser verdadeiro desvio; as rendas, uma por uma, dadas em penhor... Por fora da União, a federação veio a ser como ciosa prerrogativa, a prerrogativa de contraírem, Estados e Municipalidades, tantos empréstimos quantos obtenham, que nunca serão bastantes para os que os procuram. E, então, aí tem havido de tudo: juros acima de usura, comissões devorantes, desvios confessados, e que vão a 40, 50 % do total; contratadores ou negociadores dos empréstimos que por lá ficam a comer e gozar todo o empréstimo, sem parar na emissão dos títulos, até que a polícia os trancafia, e a justiça os condena (a justiça de lá); juros cujos pagamentos se suspendem, sem nenhuma explicação, por decênios... Agora mesmo, a Bolsa de Fundos Públicos de São Paulo oficiou a 12 Câmaras municipais que paguem os “cupons” de suas dívidas “cujos serviços não estão em dia, com grave dano do crédito público...” E, com isto, de fato, esboroou-se o famoso crédito do Brasil. O último empréstimo no estrangeiro, pelo último governo, nos últimos dias, e cujo produto se evaporou; esse foi obtido através de comissões e garantias tais, como tal juro, que só mesmo para um Estado falido.
Completa-se, este financeirismo de empréstimos, déficits e calotes, com a tributação de desvario sugador com que se fazem as receitas. O termo – tributos é usual, deles, inconscientes e atávicos, na tradicional fiscalidade de saque. A tarifa alfandegária, precioso legado de D. João, com os seus 15% ad valorem, essa é o teor, mesmo, da ignorância incurável com que eles financiam. A técnica, indispensável nessas pautas, só entra como manejos de interessados em fraudarem, ou privilegiarem-se. No mais, há erros inadmissíveis mesmo no bacharelismo vigente. Aí, como em todas as receitas, taxa-se com o intuito explícito de fazer renda. Mas, objeta-se, há um evidente comércio, apesar dos mesmos impostos. Sim: um comércio feito por profissionais... profissionais, sobretudo, em achar o meio de evitar a finta. Lembremo-nos de que, se na Capital da União o imposto é universal, pois que a fiscalidade está fora da política, nos Estados, só pagam o duro das receitas os alheios à política, sobretudo a oposição quando há heroicos para tal mister.
E nos veios dessa finança escoa-se o que seria efetiva prosperidade, como se perde o melhor da riqueza já feita; câmbio, Banco do Brasil, cobranças em ouro... são os outros símbolos da finança oficial. A República recebeu o câmbio ao par – 27, libra 9$600, e ei-lo, agora a 5 e avos, libra a quarenta e tantos mil réis. A isto, respondem imediatamente os construtores republicanos: foram as seguidas turbações políticas, levantes, revoluções formais que deram neste resultado. Não: as turbações formais, não concorreram nem com 30% para a desvalorização do dinheiro nacional. A primeira e mais sensível das depreciações veio como correspondência do financismo inicial da República, com as emissões a jorro e as subsequentes encampações. Quando Floriano começou o seu governo, sem nenhum levante, ainda, o câmbio já estava a 15. E passou todo o período do grande alagoano atormentado pela mais violenta e poderosa das guerras civis do Brasil, sem que o câmbio descesse mais de quatro pontos. Veio o prudentismo – paz, reinado da sensatez, poderio dos conservadores na República... aura da reação, garantia dos homens de bem... perseguição aos republicanos, desvirtuação essencial da política, verdadeira turbação íntima... e, o câmbio degringola numa desvalorização nunca vista até a casa dos 6. Vem o reinado da ostensiva finança, com suspensão de pagamentos, para que o câmbio possa subir, e fique nessa flutuação em torno de 10, até que se faça a economia política de brutal enfeudamento da finança aos interesses do café, cuja valorização se torna o eixo de toda a caranguejola financista: Convênio da Taubaté, Caixa de Conversão... tréguas à degringolada, até que a grande guerra dá o pretexto de nova suspensão de pagamentos, e novos empréstimos. Em verdade, na desgraça universal, a guerra foi negócio vantajoso para o Brasil: forçada restrição de importação, incremento da produção nacional, reforço de exportação... Pois bem, com isto e os milhares de dólares entrados por empréstimo, degringola o câmbio, numa queda que começou bem antes de 5 de julho de 1922, derrocada que se acentua até a atual regeneração financeira em câmbio miserável, por uma degringolada propositada, e cujas peripécias e datas são inteiramente independentes das crises de revolta armada. Desta sorte, só a filáucia coimbrense poderá explicar a definitiva desvalorização da moeda nacional pelas perturbações armadas, Aliás, nem seria preciso insistir em demonstrar o contrário, quando a renascença de agora, neste prometido Cruzeiro, de câmbio a cinco, vem patentear que toda essa finança é o encaminhamento, todo instintivo, para o atual preço do café. Que importa toda a imensa fortuna em que os brasileiros foram roubados? O câmbio, que de libra – 16$000 vem, no interregno de um decênio, a libra – 40$000, reduziu a riqueza da nação, papel-moeda ou títulos, a 30% do valor da emissão. Foi uma verdadeira espoliação, de que ninguém aproveitou, no entanto, nem o café, jubilante do câmbio baixo, nem o Estado, que continua em déficit; espoliação que corresponde ao desbarato dos empréstimos últimos, de que ela é o preço.
Para digno remate, alinhava-se, em oito dias, uma radical reforma financeira, estabilização, moeda-ouro... justificada no estafadíssimo truísmo de que o inconveniente do câmbio é a instabilidade, não a mesquinhez da taxa. Sem dúvida: quando, numa governança um tanto razoável, com um câmbio natural, expressão legítima dos fatores econômicos, fazia-se o valor do mil-réis em variações pouco sensíveis, já esperadas. Tudo ia regularmente, apesar de que esse – REAL – unidade monetária, fosse expressão de uma taxa tão rebaixada que já não é valor palpável, se não uma mera abstração, ou insignificância, que, para ser unidade, multiplica-se por mil. Pouco nos importava a formidável depreciação histórica da nossa moeda. Mas importa infinitamente que, justamente no fundo de uma nunca vista depreciação da moeda, dentro de uma crise financeira resultante principalmente dos erros políticos, adote-se como remédio o definitivo amesquinhamento da moeda, aproveitando-se esse aviltamento monetário como padrão de moeda-ouro. Aliás, só a irremissível insuficiência da finança bacharelesca pode admitir que o remédio colhesse: que o Cruzeiro, a mil-réis baratinho, será um símbolo de ouro, que teremos câmbio estável, a coberto de jogatina e de sustos. Estabilidade de câmbio e circulação metálica não são coisas a fazerem-se por simples decreto, quando a nação é pobre, isto é, sem reservas. Neste caso, ou o Estado é o próprio senhor da economia nacional (Rússia), e o pode fazer porque incorpora o mercado cambial, ou o câmbio oscilará, à mercê de uma economia inarmônica, dependente de múltiplos fatores, não fortuitos, mas dissociados e relativos, muitas vezes, a motivos superiores à economia nacional, mesmo com uma balança comercial favorável. Então, só quando se acumule riqueza e a nação seja economicamente independente, ela será senhora de sua finança, para um câmbio estável. Por enquanto, aqui, a providência servirá para impedir ao câmbio de melhorar. Cheguem, porém, dias análogos aos de 1890, 97, 1915, 1922-25... e o câmbio achará por onde descer, dos cinco em que pretendem estabilizá-lo.
Quando se criaram os impostos aduaneiros em ouro, foi, bem explicitamente, para que a finança oficial tivesse o ouro do que precisa, sem depender do câmbio. Uma parte desse ouro seria para um fundo de resgate. Destarte, retomando o serviço da dívida externa, o Tesouro estaria inteiramente fora das oscilações cambiais: iniciar-se-ia o anunciado resgate, e o Brasil viria a ser um país de moeda sã, superior à contingência de câmbios... Talvez, bem imaginado, mas sem ajuste da realidade; nem a fração-ouro, reservada ao resgate, seria valor-força para elevar o país à circulação metálica, nem os estadistas republicanos têm tenacidade, honesta e sincera, indispensável para execução de um programa. E o ouro do resgate, que já se elevaria a £ 300 milhões, foi sempre desviado para... o sorvedouro comum, pelo que houve de votar-se uma lei autorizando o desvio, já realizado.
Através de toda essa finançaria, em que o Estado se empobreceu tanto quanto se endividava, e a nação estiolava, sugada pelos impostos; inflando nessa finança, o simbólico Banco do Brasil passou da suspensão de pagamentos (inclusive depósitos) de 1900, à opulência de hoje. Apesar de quanto o tesouro já tinha ajudado ao banco periclitante, nem ele tinha crédito, nem as respectivas ações valiam coisa alguma: corrida, intervenção do Estado – a forçar os credores a deixar na carteira do falido os seus créditos, ao mesmo tempo que o Tesouro dava a sua responsabilidade aos correspondentes débitos. E, mais uma vez, derivou a fortuna do Brasil em benefício dos felizes acionistas do Banco. Daí para cá multiplicaram-se os favores, privilégios e negócios, em que os magros recursos da nação se esvaem para os cofres do estabelecimento cuja melhor função é a de ser canal escuso dos favores governamentais em dinheiro, e que, nos seus privilégios asfixiantes de crédito, pôde passar, em vinte anos, de escória bancária, à suntuosidade finançante de agora. É bem o retrato, avesso, da finança oficial.
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"Manoel Bomfim morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."
Cecília Costa Junqueira
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Bomfim, Manoel, 1868-1932
O Brasil nação: vol. II / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 392 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 31).
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