Capítulo 4
continuando...
Para fazer justiça a ela, deve ser dito que preferiria mil vezes um espadim. Sapos são coisas pegajosas para alguém esconder consigo durante uma manhã inteira. Mas, se espadins são proibidos, deve-se recorrer a sapos. Além disso, sapos e risadas às vezes conseguem aquilo que o aço frio não consegue. Ela riu. O arquiduque corou. Ela riu. O arquiduque praguejou. Ela riu. O arquiduque bateu a porta.
“O céu seja louvado!”, gritou Orlando ainda rindo. Ouviu o som das rodas da carruagem rolando num ritmo furioso pelo pátio. Ouviu-as rodar pela estrada. O som se tornava cada vez mais fraco. Então desapareceu completamente.
“Estou só”, disse Orlando em voz alta, uma vez que não havia ninguém para ouvir.
Que o silêncio seja mais profundo depois do ruído, ainda é preciso a confirmação da ciência. Mas que a solidão é diretamente mais aparente depois que alguém foi amado, muitas mulheres jurariam. Quando o som das rodas da carruagem do arquiduque desapareceu, Orlando sentiu que se distanciavam dela cada vez mais um arquiduque (ela não se importava com isso), uma fortuna (ela não se importava com, isso), um título (ela não se importava com isso), a segurança e a condição da vida de casada (ela não se importava com isso), mas também a vida e um amor. “A vida e um amor”, murmurou; e, dirigindo-se para a escrivaninha, mergulhou a pena na tinta e escreveu:
“A vida e um amor” — um verso sem ritmo e que não fazia sentido com o que vinha antes — algo a respeito da maneira adequada de dar banho em ovelhas para evitar sarna. Relendo, corou e repetiu:
“A vida e um amor.” Então, deixando a pena de lado, foi para o seu quarto, parou em frente ao espelho e ajeitou as pérolas no pescoço. Então, já que as pérolas não produzem grande efeito num vestido de verão de algodão estampado, trocou-o por um outro, de tafetá cinza-pombo; depois por outro, cor de pêssego; depois por um de brocado cor de vinho. Talvez precisasse de um pouco de pó, e, se colocasse o cabelo — assim — sobre a testa, podia ser que ficasse bem. Depois calçou sapatos de bico fino e colocou no dedo um anel de esmeralda. “Agora”, disse quando estava pronta, e acendeu os candelabros de prata que ladeavam o espelho. Que mulher não se teria entusiasmado ao ver o que Orlando viu queimando na neve? — pois tudo em redor do espelho eram campos de neve, e ela era como um fogo, um arbusto ardente, e as chamas das velas em volta da sua cabeça eram folhas de prata; ou ainda, o espelho era água verde e ela, uma sereia coberta de pérolas, uma sereia numa caverna, cantando de tal forma que os remadores se inclinavam em seus barcos e caíam, caíam para abraçá-la; tão escura, tão brilhante, tão dura, tão suave ela era, tão surpreendentemente sedutora que era uma pena não haver ninguém ali para expressar em linguagem clara e para dizer de uma vez: “Com os diabos senhora, sois a encarnação da beleza!” — o que era verdade. Mesmo Orlando (que não tinha vaidade pessoal) sabia disso, pois ela sorriu o sorriso involuntário que as mulheres sorriem quando sua própria beleza, que não parece a sua própria, toma a forma de uma gota que cai ou de uma fonte que sobe e confronta-as de repente no espelho — esse sorriso ela sorriu, e então escutou por um momento e ouviu somente as folhas soprando e os pardais piando, e então suspirou: “A vida, um amor’’ e então girou nos calcanhares com extraordinária rapidez, arrancou do pescoço as pérolas, despiu os cetins das costas, empertigou-se em elegantes calções de seda negra como um nobre qualquer e tocou a campainha. Quando o criado apareceu, disse-lhe que preparasse imediatamente uma carruagem de seis cavalos. Tinha sido chamada a Londres, por negócios urgentes. Menos de uma de hora depois da partida do arquiduque, ela se pôs a caminho.
E como estava a caminho, podemos aproveitar a oportunidade — já que a paisagem era uma paisagem inglesa comum que não necessita de descrição — para chamar a atenção do leitor, mais particularmente do que pudemos fazer no momento, para uma ou duas observações que escaparam aqui e ali no curso da narrativa. Por exemplo, pode ter sido observado que Orlando escondia seus manuscritos, quando interrompida. Depois, que se olhava longa e intensamente no espelho; e agora, quando partiu para Londres, podia-se notar seu sobressalto e um grito abafado quando os cavalos galopavam mais rapidamente do que ela desejava. Sua modéstia com relação a seus escritos, sua vaidade com relação à sua pessoa, seus temores por sua segurança, tudo parece indicar que o que há pouco se disse da ausência de diferença entre Orlando homem e Orlando mulher estava deixando de ser totalmente verdadeiro. Estava se tornando um pouco mais modesta — como são as mulheres —, quanto ao seu espírito, e um pouco mais vaidosa — como são as mulheres —, quanto à sua pessoa. Certas suscetibilidades aumentavam, outras diminuíam. A mudança de roupas, diriam alguns filósofos, tinha muito a ver com isso. Futilidades vãs, como parecem, as roupas têm — dizem eles — funções mais importantes do que simplesmente nos aquecer. Elas mudam nossa visão do mundo e a visão do mundo sobre nós. Por exemplo, quando o capitão Bartolus viu a saia de Orlando, imediatamente mandou estender um toldo para ela, insistiu para que se servisse de uma outra fatia de carne, e convidou-a para ir a terra com ele em sua chalupa. Essas atenções não lhe teriam sido feitas se suas saias, em vez de esvoaçar, fossem ajustadas às pernas como calças. E, quando recebemos atenções, convém retribuí-las. Orlando fez mesuras; aquiesceu; elogiou os modos daquele homem gentil, como teria feito se suas calças elegantes fossem saias de mulher e seu casaco engalanado fosse um feminino corpete de cetim. Assim, pode-se sustentar o ponto de vista de que são as roupas que nos usam, e não nós que as usamos; podemos fazê-las tomar a forma do braço ou do peito, mas elas moldam nosso coração, nosso cérebro, nossa língua, à sua vontade. Assim, tendo usado saias por um tempo considerável, era visível uma certa mudança em Orlando, mesmo em seu rosto, que pode ser encontrada se o leitor verificar na página 100. Se compararmos o retrato de Orlando como homem com o de Orlando como mulher, veremos que, embora ambos sejam indubitavelmente uma e a mesma pessoa, há certas mudanças. O homem tem a mão livre para pegar a espada, a mulher deve usar a sua para evitar que os cetins lhe escorreguem dos ombros. O homem encara o mundo de frente, como se tivesse sido feito para seu uso e de acordo com o seu gosto. A mulher lança-lhe um olhar de esguelha, cheio de sutileza e até de desconfiança. Se usassem as mesmas roupas, é possível que sua maneira de olhar viesse a ser a mesma.
Esta é a opinião de alguns filósofos e sábios, mas nós nos inclinamos por outra. Felizmente, a diferença entre os sexos é de grande profundidade. As roupas são apenas símbolos de algo extremamente oculto. Foi a transformação do próprio Orlando que determinou sua escolha pelas roupas de mulher e pelo sexo feminino. E talvez nisso ela estivesse expressando apenas um pouco mais abertamente do que de costume — a franqueza, na verdade, era a alma de sua natureza — algo que acontece com muita gente sem ser assim tão claramente expresso. Pois aqui novamente chegamos a um dilema. Embora os sexos sejam diferentes, eles se confundem. Em cada ser humano ocorre uma vacilação de um ser para outro. E frequentemente são apenas as roupas que mantêm a aparência masculina ou feminina, enquanto interiormente o sexo é aquele oposto ao que está à vista. Das complicações e confusões que daí resultam, cada um teve experiências; mas aqui deixamos o problema geral e observamos apenas o efeito ímpar que isso teve no caso particular de Orlando.
Pois foi esta mistura de homem e mulher, um preponderando, depois a outra, que frequentemente dava à sua conduta uma inesperada reviravolta. As curiosas perguntariam, por exemplo, se Orlando era uma mulher, como não demorava mais do que dez minutos para se vestir? E suas roupas não eram escolhidas ao acaso e às vezes não estavam até um pouco gastas? Então responderiam, ainda, que ela não tinha a formalidade de um homem nem o amor masculino pelo poder. Ela possuía um coração excessivamente terno. Não suportava ver um burro ser espancado nem um gatinho ser afogado. Contudo, novamente observavam que detestava assuntos domésticos, levantava-se de madrugada e saía pelos campos no verão antes do nascer do sol. Nenhum fazendeiro conhecia melhor as colheitas do que ela. Podia beber com os mais fortes e gostava de jogos de azar. Montava bem e conduzia seis cavalos a galope sobre a Ponte de Londres. Contudo, novamente, embora audaciosa e ativa como um homem, notava-se que a visão de alguém em perigo causava-lhe palpitações das mais femininas. Caía em lágrimas à mais leve provocação. Não era versada em geografia, achava matemática intolerável, e sustentava alguns caprichos mais comuns entre as mulheres do que entre os homens, como por exemplo que viajar para o sul é o mesmo que descer uma encosta. No entanto, é difícil dizer se Orlando era mais homem ou mais mulher, e isso não pode ser resolvido agora. Pois agora sua carruagem estava rodando nas pedras. Tinha chegado a sua casa na cidade. Os estribos estavam sendo arriados e os portões de ferro abertos. Ela estava entrando na casa de seu pai em Blackfriars, que — embora a moda estivesse abandonando aquele extremo da cidade — era ainda uma mansão agradável, espaçosa, com jardins até o rio e um aprazível bosque de nogueiras para se passear.
Ali se instalou e começou imediatamente a procurar em torno de si aquilo que viera buscar — isto é, vida e um amor. A respeito da primeira, pode haver alguma dúvida; o segundo, ela encontrou sem a menor dificuldade, dois dias depois de sua chegada. Era uma terça-feira quando viera para a cidade. Na quinta-feira foi dar um passeio no Mall, como então era hábito das pessoas de condição. Não dera mais do que uma ou duas voltas pela avenida antes de ser notada por um pequeno grupo de gente vulgar que vai lá para espiar seus superiores. Quando passou por eles, uma mulher carregando uma criança no colo parou à sua frente, encarou familiarmente o rosto de Orlando e gritou: “Que o céu nos acuda se esta não é a Lady Orlando!” Seus companheiros aglomeraram-se em torno, e Orlando se encontrou por um momento no centro de uma multidão de cidadãos espantados e mulheres de negociantes, todos ansiosos para ver a heroína do célebre processo. Tal foi o interesse que o caso despertou na mente do povo. Na verdade, ela poderia ter sido seriamente molestada pela pressão da multidão — esquecera que as damas não devem passear sozinhas em lugares públicos — se um cavalheiro alto não se adiantasse e lhe oferecesse a proteção de seu braço. Era o arquiduque. Ao vê-lo, ela foi dominada ao mesmo tempo pelo embaraço e por um certo deleite. Este magnânimo cavalheiro não apenas a tinha perdoado, mas, para mostrar que levara na brincadeira a sua travessura com o sapo, procurara uma joia feita com a forma daquele réptil, que lhe ofereceu, com a confirmação do seu amor, ao conduzi-la à carruagem.
Com a multidão, com o duque, com a joia, voltou para casa no pior estado que se possa imaginar. Era então impossível sair para um passeio sem ficar meio sufocada, sem ser presenteada com um sapo de esmeraldas e pedida em casamento por um arquiduque? Teve uma visão melhor do caso no dia seguinte, quando encontrou na mesa do café meia dúzia de bilhetes das damas mais famosas do lugar — Lady Suffolk, Lady Salisbury, Lady Chesterfield, Lady Tavistock e outras, que a lembravam em termos polidos as velhas alianças entre suas famílias e a dela, e desejavam a honra de conhecê-la. No dia seguinte, que era sábado, muitas dessas grandes damas foram visitá-la pessoalmente. Na terça-feira, por volta do meio-dia, lacaios trouxeram cartões de convite para vários saraus, jantares e reuniões próximas; de modo que Orlando foi lançada sem demora, mas com algum alarido e espuma, nas águas da sociedade londrina.
Descrever verdadeiramente a sociedade londrina daquele ou de qualquer outro tempo ultrapassa os poderes do biógrafo ou do historiador. Só aqueles que necessitam pouco da verdade e não a respeitam — poetas e novelistas — podem fazê-lo com confiança, pois este é um dos casos em que a verdade não existe. Nada existe. Tudo é um miasma — uma miragem. Para simplificar — Orlando podia voltar para casa, de um desses saraus, às três ou quatro da manhã, com as faces como uma árvore de Natal e os olhos como estrelas. Desamarrava um laço, dava uma volta pelo quarto, desamarrava outro laço, parava e dava outra volta pelo quarto. Frequentemente o sol ardia sobre as chaminés de Southwark antes que ela se resolvesse a ir para a cama, ali ficar deitada arfando e debatendo-se, rindo e suspirando, por uma hora ou mais, até afinal dormir. E qual a causa de toda essa agitação? A sociedade. E o que a sociedade teria dito ou feito para lançar uma dama racional em tal excitação? Em uma palavra, nada. Por mais que atormentasse a memória no dia seguinte, Orlando não lembrava de uma única palavra para exaltar coisa alguma. Lorde O. tinha sido galante. Lorde A., cortês. O marquês de C., encantador. O sr. M., divertido. Mas, quando tentava lembrar em que teriam consistido essa galanteria, essa cortesia, esse encanto e esse divertimento, era levada a crer numa falha de memória, pois não conseguia assinalar nada. Era sempre a mesma coisa. Nada restava no dia seguinte, embora a excitação do momento fosse intensa. Assim, somos forçados a concluir que a sociedade é uma dessas misturas que as donas de casa habilidosas servem quentes no período natalino, cujo sabor depende da mescla e da agitação adequadas de uma dúzia de diferentes ingredientes. Provar um a um em separado é insípido. Retirar Lorde O., Lorde A., Lorde C. ou o sr. M., cada um deles separadamente, não é nada. Misturados todos juntos, combinam, produzindo o mais inebriante sabor e o mais sedutor dos aromas. Contudo, essa embriaguez e essa sedução fogem completamente à nossa análise. Por isso, ao mesmo tempo, a sociedade é tudo e a sociedade é nada. A sociedade é a mais poderosa mistura do mundo e a sociedade em si não existe. Com tal monstro só os poetas e os novelistas podem lidar; com esse tudo e esse nada suas obras atingem um volume considerável; e para eles o deixamos, com a melhor das boas vontades.
Seguindo o exemplo de nossos predecessores, consequentemente, diremos apenas que a sociedade no reinado da rainha Ana era de um brilho ímpar. Ingressar nela era o objetivo de toda pessoa bem-nascida. Os encantos eram supremos. Os pais instruíam seus filhos, as mães suas filhas. Nenhuma educação era completa para ambos os sexos que não incluísse a ciência da conduta, a arte de fazer reverências e cumprimentos, o manejo da espada e do leque, o cuidado com os dentes, a postura da perna, a flexibilidade do joelho, os métodos adequados de entrar e sair da sala, com mil etc., que imediatamente se apresentarão por si mesmos a qualquer pessoa que esteja em sociedade. Já que Orlando tinha recebido o elogio da rainha Elizabeth pela maneira como lhe entregara uma tigela com água de rosas, quando menino, deve-se supor que era suficientemente habilitada para estar à altura das exigências; certo que era distraída e que às vezes se tornava desastrada; estava pronta a pensar em poesia quando deveria estar pensando em tafetá; e talvez seu passo fosse um pouco largo demais para uma mulher e seus gestos, sendo abruptos, podiam pôr em risco, em certos momentos, uma xícara de chá.
Se essa ligeira inabilidade era suficiente para contrabalançar o esplendor de sua presença, ou se ela herdara uma gota a mais desse humor negro que corre nas veias de toda a sua raça, o certo é que não estivera nas rodas mundanas mais do que umas vinte vezes que já não tivesse perguntado a si mesma — quando não houvesse ninguém a não ser o seu cachorro Pippin — “que diabos acontece comigo?” Era terça-feira, 16 de junho de 1712; ela acabava de voltar de um grande baile em Arlington House; a aurora estava no céu, e ela descalçava uma das meias. “Não me importo se não encontrar mais ninguém enquanto viver”, exclamou Orlando rebentando em lágrimas. Amores ela tinha em abundância, mas a vida, que afinal tem certa importância, lhe escapava. “É a isso”, perguntava — mas não havia ninguém para responder — “é a isso” — terminava a frase da mesma forma — “que as pessoas chamam vida?” O cachorro levantou a pata dianteira em sinal de simpatia. O cachorro lambeu Orlando. Orlando afagou-o com a mão. Orlando beijou-o. Em resumo, havia entre eles a mais verdadeira simpatia que pode haver entre um cão e sua dona, embora não se possa negar que a mudez dos animais seja um grande impedimento para os requintes da comunicação. Eles abanam a cauda; inclinam a parte dianteira do corpo e elevam a traseira; rodam, pulam, arranham, ganem, latem, babam, têm toda a sorte de cerimônias e artifícios próprios, mas é tudo inútil, já que não podem falar. Essa era a sua discordância — pensou, colocando o cachorro gentilmente no chão — em relação às pessoas importantes de Arlington House. Elas também abanam a cauda, se inclinam, rodam, pulam, arranham e babam, porém não conseguem conversar. “Todos esses meses tenho frequentado a sociedade”, disse Orlando, atirando uma das meias pelo quarto, “não ouvi nada senão o que Pippin poderia ter dito. Estou com frio. Sou feliz. Tenho fome. Apanhei um rato. Enterrei um osso. Por favor, beije o meu nariz.” E isso não bastava.
Procuraremos explicar como em tão pouco tempo ela passara do deslumbramento para a decepção, admitindo que esta misteriosa composição a que chamamos sociedade não é absolutamente boa ou má em si mesma, mas possui um espírito volátil embora potente, que ou embriaga quando pensamos que é encantadora — como Orlando pensara — ou produz dor de cabeça quando a julgamos repulsiva — como Orlando a julgava agora. Não temos dúvida de que a faculdade de falar tenha muito a ver com isso. Muitas vezes uma hora de silêncio é a mais arrebatadora de todas; um espírito brilhante pode ser indescritivelmente tedioso. Mas deixemos isso para os poetas e continuemos a nossa história.
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Virginia Woolf, escritora inglesa, nasceu em 1882, no seio de uma família da alta sociedade londrina. Após a morte de seus pais, ela e os irmãos se mudaram para uma casa no bairro de Bloomsbury, onde realizavam encontros com personalidades e poetas da época, como como T. S. Elliot e Clive Bell. Virginia começou a escrever em 1905, inicialmente para jornais. Dez anos depois, ela lançou seu primeiro livro “A Viagem”.
No período entre a 1ª e 2ª Guerra Mundial, Virginia Woolf se tornou uma figura conhecida na sociedade inglesa. Em 1941, ela cometeu suicídio se jogando no rio Ouse, perto da residência onde morava com seu marido, o crítico literário Leonardo Woolf, em Sussex. Mas, a obra de Virginia se imortalizou. Usando com excelência a técnica do fluxo de consciência, a escritora criou livros inovadores, que lhe fizeram ser conhecida como a maior romancista lírica do idioma inglês.
A Universidade de Adelaide, uma das instituições de ensino mais antigas da Austrália, disponibilizou online toda a obra de Virginia Woolf para download gratuito. Ao todo, são dez romances e dois livros de contos que podem ser baixados em três formatos: Zip, ePub e Kindle (para dispositivos Amazon). Entre os arquivos, estão algumas das obras mais famosas da escritora inglesa, como “Mrs. Dalloway” (1925), “Rumo ao Farol” (1927), “Os Anos” (1937) e “A Marca na Parede” (1944).
As obras estão em inglês. Para fazer o download, basta clicar sobre o título e escolher a opção “download. Também estão disponíveis ensaios de Virginia Woolf, como “O Leitor Comum” (1925), no qual ela reflete sobre a arte literária com base em obras-primas de outros autores renomados.
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Leia também:
Virgínia Woolf - Orlando : Apresentação e Prefácio
Virgínia Woolf - Orlando : Capítulo 1
Virgínia Woolf - Orlando : Capítulo 1(b) - Talvez fosse culpa de Orlando...
Virgínia Woolf - Orlando : Capítulo 1(c) ... A princesa prosseguiu
Virgínia Woolf - Orlando : Capítulo 1(d) ... Toda a cor, salvo o vermelho
Virgínia Woolf - Orlando : Capítulo 2 (a) ... O biógrafo agora se depara
Virgínia Woolf - Orlando : Capítulo 2 (b) ... Como esta pausa era...
Virgínia Woolf - Orlando : Capítulo 2 (c) ... No mesmo momento
Virgínia Woolf - Orlando : Capítulo 2 (d) ... Nunca a casa
Virgínia Woolf - Orlando : Capítulo 3 (a) ... É realmente uma grande infelicidade
Virgínia Woolf - Orlando : Capítulo 3 (b) ... Felizmente, a srta. Penelope Hartopp, filha do general
Virgínia Woolf - Orlando : Capítulo 3 (c) ... O som das trombetas diminuiu
Virgínia Woolf - Orlando : Capítulo 4 (a) ... Com alguns guinéus
Virgínia Woolf - Orlando : Capítulo 4 (b) ... Ninguém manifestou a menor suspeita
Virgínia Woolf - Orlando : Capítulo 4 (c) ... Para fazer justiça a ela
Virgínia Woolf - Orlando : Capítulo 4 (d) ... Orlando atirou a segunda meia
“O céu seja louvado!”, gritou Orlando ainda rindo. Ouviu o som das rodas da carruagem rolando num ritmo furioso pelo pátio. Ouviu-as rodar pela estrada. O som se tornava cada vez mais fraco. Então desapareceu completamente.
“Estou só”, disse Orlando em voz alta, uma vez que não havia ninguém para ouvir.
Que o silêncio seja mais profundo depois do ruído, ainda é preciso a confirmação da ciência. Mas que a solidão é diretamente mais aparente depois que alguém foi amado, muitas mulheres jurariam. Quando o som das rodas da carruagem do arquiduque desapareceu, Orlando sentiu que se distanciavam dela cada vez mais um arquiduque (ela não se importava com isso), uma fortuna (ela não se importava com, isso), um título (ela não se importava com isso), a segurança e a condição da vida de casada (ela não se importava com isso), mas também a vida e um amor. “A vida e um amor”, murmurou; e, dirigindo-se para a escrivaninha, mergulhou a pena na tinta e escreveu:
“A vida e um amor” — um verso sem ritmo e que não fazia sentido com o que vinha antes — algo a respeito da maneira adequada de dar banho em ovelhas para evitar sarna. Relendo, corou e repetiu:
“A vida e um amor.” Então, deixando a pena de lado, foi para o seu quarto, parou em frente ao espelho e ajeitou as pérolas no pescoço. Então, já que as pérolas não produzem grande efeito num vestido de verão de algodão estampado, trocou-o por um outro, de tafetá cinza-pombo; depois por outro, cor de pêssego; depois por um de brocado cor de vinho. Talvez precisasse de um pouco de pó, e, se colocasse o cabelo — assim — sobre a testa, podia ser que ficasse bem. Depois calçou sapatos de bico fino e colocou no dedo um anel de esmeralda. “Agora”, disse quando estava pronta, e acendeu os candelabros de prata que ladeavam o espelho. Que mulher não se teria entusiasmado ao ver o que Orlando viu queimando na neve? — pois tudo em redor do espelho eram campos de neve, e ela era como um fogo, um arbusto ardente, e as chamas das velas em volta da sua cabeça eram folhas de prata; ou ainda, o espelho era água verde e ela, uma sereia coberta de pérolas, uma sereia numa caverna, cantando de tal forma que os remadores se inclinavam em seus barcos e caíam, caíam para abraçá-la; tão escura, tão brilhante, tão dura, tão suave ela era, tão surpreendentemente sedutora que era uma pena não haver ninguém ali para expressar em linguagem clara e para dizer de uma vez: “Com os diabos senhora, sois a encarnação da beleza!” — o que era verdade. Mesmo Orlando (que não tinha vaidade pessoal) sabia disso, pois ela sorriu o sorriso involuntário que as mulheres sorriem quando sua própria beleza, que não parece a sua própria, toma a forma de uma gota que cai ou de uma fonte que sobe e confronta-as de repente no espelho — esse sorriso ela sorriu, e então escutou por um momento e ouviu somente as folhas soprando e os pardais piando, e então suspirou: “A vida, um amor’’ e então girou nos calcanhares com extraordinária rapidez, arrancou do pescoço as pérolas, despiu os cetins das costas, empertigou-se em elegantes calções de seda negra como um nobre qualquer e tocou a campainha. Quando o criado apareceu, disse-lhe que preparasse imediatamente uma carruagem de seis cavalos. Tinha sido chamada a Londres, por negócios urgentes. Menos de uma de hora depois da partida do arquiduque, ela se pôs a caminho.
E como estava a caminho, podemos aproveitar a oportunidade — já que a paisagem era uma paisagem inglesa comum que não necessita de descrição — para chamar a atenção do leitor, mais particularmente do que pudemos fazer no momento, para uma ou duas observações que escaparam aqui e ali no curso da narrativa. Por exemplo, pode ter sido observado que Orlando escondia seus manuscritos, quando interrompida. Depois, que se olhava longa e intensamente no espelho; e agora, quando partiu para Londres, podia-se notar seu sobressalto e um grito abafado quando os cavalos galopavam mais rapidamente do que ela desejava. Sua modéstia com relação a seus escritos, sua vaidade com relação à sua pessoa, seus temores por sua segurança, tudo parece indicar que o que há pouco se disse da ausência de diferença entre Orlando homem e Orlando mulher estava deixando de ser totalmente verdadeiro. Estava se tornando um pouco mais modesta — como são as mulheres —, quanto ao seu espírito, e um pouco mais vaidosa — como são as mulheres —, quanto à sua pessoa. Certas suscetibilidades aumentavam, outras diminuíam. A mudança de roupas, diriam alguns filósofos, tinha muito a ver com isso. Futilidades vãs, como parecem, as roupas têm — dizem eles — funções mais importantes do que simplesmente nos aquecer. Elas mudam nossa visão do mundo e a visão do mundo sobre nós. Por exemplo, quando o capitão Bartolus viu a saia de Orlando, imediatamente mandou estender um toldo para ela, insistiu para que se servisse de uma outra fatia de carne, e convidou-a para ir a terra com ele em sua chalupa. Essas atenções não lhe teriam sido feitas se suas saias, em vez de esvoaçar, fossem ajustadas às pernas como calças. E, quando recebemos atenções, convém retribuí-las. Orlando fez mesuras; aquiesceu; elogiou os modos daquele homem gentil, como teria feito se suas calças elegantes fossem saias de mulher e seu casaco engalanado fosse um feminino corpete de cetim. Assim, pode-se sustentar o ponto de vista de que são as roupas que nos usam, e não nós que as usamos; podemos fazê-las tomar a forma do braço ou do peito, mas elas moldam nosso coração, nosso cérebro, nossa língua, à sua vontade. Assim, tendo usado saias por um tempo considerável, era visível uma certa mudança em Orlando, mesmo em seu rosto, que pode ser encontrada se o leitor verificar na página 100. Se compararmos o retrato de Orlando como homem com o de Orlando como mulher, veremos que, embora ambos sejam indubitavelmente uma e a mesma pessoa, há certas mudanças. O homem tem a mão livre para pegar a espada, a mulher deve usar a sua para evitar que os cetins lhe escorreguem dos ombros. O homem encara o mundo de frente, como se tivesse sido feito para seu uso e de acordo com o seu gosto. A mulher lança-lhe um olhar de esguelha, cheio de sutileza e até de desconfiança. Se usassem as mesmas roupas, é possível que sua maneira de olhar viesse a ser a mesma.
Esta é a opinião de alguns filósofos e sábios, mas nós nos inclinamos por outra. Felizmente, a diferença entre os sexos é de grande profundidade. As roupas são apenas símbolos de algo extremamente oculto. Foi a transformação do próprio Orlando que determinou sua escolha pelas roupas de mulher e pelo sexo feminino. E talvez nisso ela estivesse expressando apenas um pouco mais abertamente do que de costume — a franqueza, na verdade, era a alma de sua natureza — algo que acontece com muita gente sem ser assim tão claramente expresso. Pois aqui novamente chegamos a um dilema. Embora os sexos sejam diferentes, eles se confundem. Em cada ser humano ocorre uma vacilação de um ser para outro. E frequentemente são apenas as roupas que mantêm a aparência masculina ou feminina, enquanto interiormente o sexo é aquele oposto ao que está à vista. Das complicações e confusões que daí resultam, cada um teve experiências; mas aqui deixamos o problema geral e observamos apenas o efeito ímpar que isso teve no caso particular de Orlando.
Pois foi esta mistura de homem e mulher, um preponderando, depois a outra, que frequentemente dava à sua conduta uma inesperada reviravolta. As curiosas perguntariam, por exemplo, se Orlando era uma mulher, como não demorava mais do que dez minutos para se vestir? E suas roupas não eram escolhidas ao acaso e às vezes não estavam até um pouco gastas? Então responderiam, ainda, que ela não tinha a formalidade de um homem nem o amor masculino pelo poder. Ela possuía um coração excessivamente terno. Não suportava ver um burro ser espancado nem um gatinho ser afogado. Contudo, novamente observavam que detestava assuntos domésticos, levantava-se de madrugada e saía pelos campos no verão antes do nascer do sol. Nenhum fazendeiro conhecia melhor as colheitas do que ela. Podia beber com os mais fortes e gostava de jogos de azar. Montava bem e conduzia seis cavalos a galope sobre a Ponte de Londres. Contudo, novamente, embora audaciosa e ativa como um homem, notava-se que a visão de alguém em perigo causava-lhe palpitações das mais femininas. Caía em lágrimas à mais leve provocação. Não era versada em geografia, achava matemática intolerável, e sustentava alguns caprichos mais comuns entre as mulheres do que entre os homens, como por exemplo que viajar para o sul é o mesmo que descer uma encosta. No entanto, é difícil dizer se Orlando era mais homem ou mais mulher, e isso não pode ser resolvido agora. Pois agora sua carruagem estava rodando nas pedras. Tinha chegado a sua casa na cidade. Os estribos estavam sendo arriados e os portões de ferro abertos. Ela estava entrando na casa de seu pai em Blackfriars, que — embora a moda estivesse abandonando aquele extremo da cidade — era ainda uma mansão agradável, espaçosa, com jardins até o rio e um aprazível bosque de nogueiras para se passear.
Ali se instalou e começou imediatamente a procurar em torno de si aquilo que viera buscar — isto é, vida e um amor. A respeito da primeira, pode haver alguma dúvida; o segundo, ela encontrou sem a menor dificuldade, dois dias depois de sua chegada. Era uma terça-feira quando viera para a cidade. Na quinta-feira foi dar um passeio no Mall, como então era hábito das pessoas de condição. Não dera mais do que uma ou duas voltas pela avenida antes de ser notada por um pequeno grupo de gente vulgar que vai lá para espiar seus superiores. Quando passou por eles, uma mulher carregando uma criança no colo parou à sua frente, encarou familiarmente o rosto de Orlando e gritou: “Que o céu nos acuda se esta não é a Lady Orlando!” Seus companheiros aglomeraram-se em torno, e Orlando se encontrou por um momento no centro de uma multidão de cidadãos espantados e mulheres de negociantes, todos ansiosos para ver a heroína do célebre processo. Tal foi o interesse que o caso despertou na mente do povo. Na verdade, ela poderia ter sido seriamente molestada pela pressão da multidão — esquecera que as damas não devem passear sozinhas em lugares públicos — se um cavalheiro alto não se adiantasse e lhe oferecesse a proteção de seu braço. Era o arquiduque. Ao vê-lo, ela foi dominada ao mesmo tempo pelo embaraço e por um certo deleite. Este magnânimo cavalheiro não apenas a tinha perdoado, mas, para mostrar que levara na brincadeira a sua travessura com o sapo, procurara uma joia feita com a forma daquele réptil, que lhe ofereceu, com a confirmação do seu amor, ao conduzi-la à carruagem.
Com a multidão, com o duque, com a joia, voltou para casa no pior estado que se possa imaginar. Era então impossível sair para um passeio sem ficar meio sufocada, sem ser presenteada com um sapo de esmeraldas e pedida em casamento por um arquiduque? Teve uma visão melhor do caso no dia seguinte, quando encontrou na mesa do café meia dúzia de bilhetes das damas mais famosas do lugar — Lady Suffolk, Lady Salisbury, Lady Chesterfield, Lady Tavistock e outras, que a lembravam em termos polidos as velhas alianças entre suas famílias e a dela, e desejavam a honra de conhecê-la. No dia seguinte, que era sábado, muitas dessas grandes damas foram visitá-la pessoalmente. Na terça-feira, por volta do meio-dia, lacaios trouxeram cartões de convite para vários saraus, jantares e reuniões próximas; de modo que Orlando foi lançada sem demora, mas com algum alarido e espuma, nas águas da sociedade londrina.
Descrever verdadeiramente a sociedade londrina daquele ou de qualquer outro tempo ultrapassa os poderes do biógrafo ou do historiador. Só aqueles que necessitam pouco da verdade e não a respeitam — poetas e novelistas — podem fazê-lo com confiança, pois este é um dos casos em que a verdade não existe. Nada existe. Tudo é um miasma — uma miragem. Para simplificar — Orlando podia voltar para casa, de um desses saraus, às três ou quatro da manhã, com as faces como uma árvore de Natal e os olhos como estrelas. Desamarrava um laço, dava uma volta pelo quarto, desamarrava outro laço, parava e dava outra volta pelo quarto. Frequentemente o sol ardia sobre as chaminés de Southwark antes que ela se resolvesse a ir para a cama, ali ficar deitada arfando e debatendo-se, rindo e suspirando, por uma hora ou mais, até afinal dormir. E qual a causa de toda essa agitação? A sociedade. E o que a sociedade teria dito ou feito para lançar uma dama racional em tal excitação? Em uma palavra, nada. Por mais que atormentasse a memória no dia seguinte, Orlando não lembrava de uma única palavra para exaltar coisa alguma. Lorde O. tinha sido galante. Lorde A., cortês. O marquês de C., encantador. O sr. M., divertido. Mas, quando tentava lembrar em que teriam consistido essa galanteria, essa cortesia, esse encanto e esse divertimento, era levada a crer numa falha de memória, pois não conseguia assinalar nada. Era sempre a mesma coisa. Nada restava no dia seguinte, embora a excitação do momento fosse intensa. Assim, somos forçados a concluir que a sociedade é uma dessas misturas que as donas de casa habilidosas servem quentes no período natalino, cujo sabor depende da mescla e da agitação adequadas de uma dúzia de diferentes ingredientes. Provar um a um em separado é insípido. Retirar Lorde O., Lorde A., Lorde C. ou o sr. M., cada um deles separadamente, não é nada. Misturados todos juntos, combinam, produzindo o mais inebriante sabor e o mais sedutor dos aromas. Contudo, essa embriaguez e essa sedução fogem completamente à nossa análise. Por isso, ao mesmo tempo, a sociedade é tudo e a sociedade é nada. A sociedade é a mais poderosa mistura do mundo e a sociedade em si não existe. Com tal monstro só os poetas e os novelistas podem lidar; com esse tudo e esse nada suas obras atingem um volume considerável; e para eles o deixamos, com a melhor das boas vontades.
Seguindo o exemplo de nossos predecessores, consequentemente, diremos apenas que a sociedade no reinado da rainha Ana era de um brilho ímpar. Ingressar nela era o objetivo de toda pessoa bem-nascida. Os encantos eram supremos. Os pais instruíam seus filhos, as mães suas filhas. Nenhuma educação era completa para ambos os sexos que não incluísse a ciência da conduta, a arte de fazer reverências e cumprimentos, o manejo da espada e do leque, o cuidado com os dentes, a postura da perna, a flexibilidade do joelho, os métodos adequados de entrar e sair da sala, com mil etc., que imediatamente se apresentarão por si mesmos a qualquer pessoa que esteja em sociedade. Já que Orlando tinha recebido o elogio da rainha Elizabeth pela maneira como lhe entregara uma tigela com água de rosas, quando menino, deve-se supor que era suficientemente habilitada para estar à altura das exigências; certo que era distraída e que às vezes se tornava desastrada; estava pronta a pensar em poesia quando deveria estar pensando em tafetá; e talvez seu passo fosse um pouco largo demais para uma mulher e seus gestos, sendo abruptos, podiam pôr em risco, em certos momentos, uma xícara de chá.
Se essa ligeira inabilidade era suficiente para contrabalançar o esplendor de sua presença, ou se ela herdara uma gota a mais desse humor negro que corre nas veias de toda a sua raça, o certo é que não estivera nas rodas mundanas mais do que umas vinte vezes que já não tivesse perguntado a si mesma — quando não houvesse ninguém a não ser o seu cachorro Pippin — “que diabos acontece comigo?” Era terça-feira, 16 de junho de 1712; ela acabava de voltar de um grande baile em Arlington House; a aurora estava no céu, e ela descalçava uma das meias. “Não me importo se não encontrar mais ninguém enquanto viver”, exclamou Orlando rebentando em lágrimas. Amores ela tinha em abundância, mas a vida, que afinal tem certa importância, lhe escapava. “É a isso”, perguntava — mas não havia ninguém para responder — “é a isso” — terminava a frase da mesma forma — “que as pessoas chamam vida?” O cachorro levantou a pata dianteira em sinal de simpatia. O cachorro lambeu Orlando. Orlando afagou-o com a mão. Orlando beijou-o. Em resumo, havia entre eles a mais verdadeira simpatia que pode haver entre um cão e sua dona, embora não se possa negar que a mudez dos animais seja um grande impedimento para os requintes da comunicação. Eles abanam a cauda; inclinam a parte dianteira do corpo e elevam a traseira; rodam, pulam, arranham, ganem, latem, babam, têm toda a sorte de cerimônias e artifícios próprios, mas é tudo inútil, já que não podem falar. Essa era a sua discordância — pensou, colocando o cachorro gentilmente no chão — em relação às pessoas importantes de Arlington House. Elas também abanam a cauda, se inclinam, rodam, pulam, arranham e babam, porém não conseguem conversar. “Todos esses meses tenho frequentado a sociedade”, disse Orlando, atirando uma das meias pelo quarto, “não ouvi nada senão o que Pippin poderia ter dito. Estou com frio. Sou feliz. Tenho fome. Apanhei um rato. Enterrei um osso. Por favor, beije o meu nariz.” E isso não bastava.
Procuraremos explicar como em tão pouco tempo ela passara do deslumbramento para a decepção, admitindo que esta misteriosa composição a que chamamos sociedade não é absolutamente boa ou má em si mesma, mas possui um espírito volátil embora potente, que ou embriaga quando pensamos que é encantadora — como Orlando pensara — ou produz dor de cabeça quando a julgamos repulsiva — como Orlando a julgava agora. Não temos dúvida de que a faculdade de falar tenha muito a ver com isso. Muitas vezes uma hora de silêncio é a mais arrebatadora de todas; um espírito brilhante pode ser indescritivelmente tedioso. Mas deixemos isso para os poetas e continuemos a nossa história.
continua pag 79...
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Virginia Woolf, escritora inglesa, nasceu em 1882, no seio de uma família da alta sociedade londrina. Após a morte de seus pais, ela e os irmãos se mudaram para uma casa no bairro de Bloomsbury, onde realizavam encontros com personalidades e poetas da época, como como T. S. Elliot e Clive Bell. Virginia começou a escrever em 1905, inicialmente para jornais. Dez anos depois, ela lançou seu primeiro livro “A Viagem”.
No período entre a 1ª e 2ª Guerra Mundial, Virginia Woolf se tornou uma figura conhecida na sociedade inglesa. Em 1941, ela cometeu suicídio se jogando no rio Ouse, perto da residência onde morava com seu marido, o crítico literário Leonardo Woolf, em Sussex. Mas, a obra de Virginia se imortalizou. Usando com excelência a técnica do fluxo de consciência, a escritora criou livros inovadores, que lhe fizeram ser conhecida como a maior romancista lírica do idioma inglês.
A Universidade de Adelaide, uma das instituições de ensino mais antigas da Austrália, disponibilizou online toda a obra de Virginia Woolf para download gratuito. Ao todo, são dez romances e dois livros de contos que podem ser baixados em três formatos: Zip, ePub e Kindle (para dispositivos Amazon). Entre os arquivos, estão algumas das obras mais famosas da escritora inglesa, como “Mrs. Dalloway” (1925), “Rumo ao Farol” (1927), “Os Anos” (1937) e “A Marca na Parede” (1944).
As obras estão em inglês. Para fazer o download, basta clicar sobre o título e escolher a opção “download. Também estão disponíveis ensaios de Virginia Woolf, como “O Leitor Comum” (1925), no qual ela reflete sobre a arte literária com base em obras-primas de outros autores renomados.
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Leia também:
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Virgínia Woolf - Orlando : Capítulo 1
Virgínia Woolf - Orlando : Capítulo 1(b) - Talvez fosse culpa de Orlando...
Virgínia Woolf - Orlando : Capítulo 1(c) ... A princesa prosseguiu
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