sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Cruz e Sousa - Poesias Completas: Dispersas LV-Saudação

 Cruz e Sousa


Obra Completa
Volume 1
POESIA



O Livro Derradeiro
Primeiros Escritos

Cambiantes
Outros Sonetos Campesinas
Dispersas
Julieta dos Santos



DISPERSAS 




SAUDAÇÃO
           (Desterro, 14 nov., 1880)
           Qual o que não exulta ao ler uma epopeia!
           Qual o que a ver dor não lhe estremece o crânio,
           Em confusões cruéis?!
           Qual o que tem fresca, sublime, pronta a ideia,
           E do altar da caridade no supedâneo,
           Não deixa alguns lauréis?!
           (Do Autor)
         

Ontem, grande desgraça
Que o povo se abraça
D’Itajaí em geral!
Ontem, o cetro divino
Que se tornando ferino
Tudo esmaga afinal!

Ontem, prantos e dor...
Grandes gritos d’horror...
A fatal confusão!
Ontem, lampas perdidas
De centenas de vidas,
Que nas águas lá vão!

Ontem, negras as vagas,
Os belos céus, essas plagas,
– Onde existe o Senhor!
Ontem, – fatalidade!
A pobrezinha cidade
Toda envolta em negror!

Hoje, oh! Deus sempiterno!
– O teu gládio superno
De bonança a irradir,
Veio ao povo esmagado
Ao tredo peso do fado
Fazer do caos ressurgir!

Hoje, o íris brilhante
Lá nos céus, radiante,
Já se faz divulgar!
E todo o povo prostrado
Te agradece arroubado
Mas ainda a chorar!

E corações caridosos
Farão a dar pressurosos
Os seus globos gentis!
Dai! é doce a esmola!
Ela aos pobres consola,
Torna-os ledos, gasis!

A miséria chorava
Em delírio bradava
Por um pouco de pão!
E eles foram dizendo
– Ide, pois vos mantendo,
Aqui tendes a mão!

E vós – lá no tablado,
O mor rasgo, elevado,
De fazer acabais!
É um rasgo de glória
De brilhante memória
Pros vindouros anais!

Vós fazeis do cenário
Um dinal santuário
Trabalhando p’ra pobres!
Mostrais bem que nas almas
Possuís celsas palmas
De ações muito nobres!

P’ra louvar amadores,
Tantas lutas, labores,
Tanta excelsa virtude!
Ah! me falta uma lira
Que um poema desfira...
Ai! me falta alaúde!

Só Deus pode dar louros
De mil glórias, tesouros,
Como vós mereceis!
Pois que feitos tão divos,
Tão imensos, altivos
Só d’heróis ou de reis!

Amadores briosos!
Vós sois tão valorosos
Qual os bravos na guerra!
Sois os nautas valentes
Socorrendo ridentes
Quem cá gema na terra!

Amor, Deus, Caridade
– É a sublime trindade
Radiante de Luz!
Donde vós, amadores,
Lá colheis os fulgores,
De mil graças a flux!






A IMPRENSA
         (Desterro, 21 nov., 1880)
         A Imprensa é brilhante como o meteoro,
         sublime como os arrebóis do cerúleo infinito!
         (Do Autor)


A lâmpada gigantesca
Das glórias do porvir,
Turíbulo majestoso
No mundo a irradir,
É a imprensa tesouro
E c’roa de verde louro
A fronte do escritor!
É centelha sublimada
Que vem do céu arrojada
À treva dando fulgor!

– O homem nasceu pequeno
Mas com as letras cresceu
Foi como o vulto de Rodes
Que lá tão alto s’ergueu!
Foi preciso – estudando
Co’a própria ideia lutando
Mergulhar-se na luz!
Foi preciso ter glória,
Brilhante, leda memória,
Colher renomes a flux!

Foi preciso mil lutas
Mil labores insanos
P’ra descobrir nesses mundos
Da diva luz os arcanos!
Foi preciso que um bravo,
Não mostrando-se ignavo
Mas inspirado por Deus,
A pedra bruta talhasse
E a luz então derramasse
Qual seiva santa dos Céus!

Foi preciso os séculos
Ainda um pouco nas trevas
Erguessem as frontes bem alto
E devastassem mil selvas!
Foi preciso que o mundo
Sentisse abalo profundo
Ao desvendar-se o saber!
Foi preciso que os entes
Ou se erguessem potentes
Ou tombassem a morrer!

Mas não! – o homem ergueu-se,
Quase, quase com Deus,
Tirou a fronte da treva
E só pregou-a nos Céus!
Viu o futuro de louros
E quis colher os tesouros
Que dão renome sem fim!
Sonhou, sonhou co’a vitória
E o gládio teve da glória
Qual o grão Bernardim!

O homem, gênio sublime,
Caminha, com seu bordão
Até achar o brilhante,
A luz, a luz da razão!
Tropeça um pouco, se tomba
Ergue-se, voa qual pomba
E indo a luz descobrir,
Busca ouvir no infinito
Do eco ao longe este grito:
Trabalha para o porvir!

Quando os povos modernos
Sentirem no coração
Uma ardente centelha,
Que caia lá d’amplidão,
Deixarão esses vícios,
Insanos, negros, fictícios
Que dão só noite ao viver!
E irão curvados a ela
Depor-lhe verde capela
Farão então por crescer!

Camões, Milton, Abreu,
Já da vida sem lampas,
Erguei-vos crânios altivos,
Espedaçai essas campas!
Dizei – se o homem caminha
Se na treva definha
A quem se deve louvar?!...
Se as letras seguem ovantes
Dizei ó nobres gigantes
A quem se ergue alcançar?!!...

E Guttemberg, esse herói,
Essa vergôntea dinal,
Que co’escopro na destra
Foi das letras fanal!
Ao descobrir a imprensa
Essa epopeia imensa
Para toda a nação,
Com glória ingente sonhava
Na luz por certo nadava
Já tinha os louros na mão!



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De fato, a inteligência, criatividade e ousadia de Cruz e Sousa eram tão vigorosos que, mesmo vítima do preconceito racial e da sempiterna dificuldade em aceitar o novo, ainda assim o desterrense, filho de escravos alforriados, João da Cruz e Sousa, “Cisne Negro” para uns, “Dante Negro” para outros, soube superar todos os obstáculos que o destino lhe reservou, tornando-se o maior poeta simbolista brasileiro, um dos três grandes do mundo, no mesmo pódio onde figuram Stephan Mallarmé e Stefan George. A sociedade recém-liberta da escravidão não conseguia assimilar um negro erudito, multilíngue e, se não bastasse, com manias de dândi. Nem mesmo a chamada intelligentzia estava preparada para sua modernidade e desapego aos cânones da época. Sua postura independente e corajosa era vista como orgulhosa e arrogante. Por ser negro e por ser poeta foi um maldito entre malditos, um Baudelaire ao quadrado. Depois de morrer como indigente, num lugarejo chamado Estação do Sítio, em Barbacena (para onde fora, às pressas, tentar curar-se de tuberculose), seu corpo foi levado para o Rio de Janeiro graças à intervenção do abolicionista José do Patrocínio, que cuidou para que tivesse um enterro cristão, no cemitério São João Batista.


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Organização e Estudo
Lauro Junkes
Presidente da Academia Catarinense de Letras


© Copyright 2008
Avenida Gráfica e Editora Ltda.

Projeto Gráfico, Editoração e Capa
ESPAÇO CRIAÇÃO ARQUITETURA DESIGN E COMPUTAÇÃO GRÁFICA LTDA.
www.espacoecriacao.com.br
Fone/Fax: (48) 3028.7799

Revisão Linguístico-Ortográfica
PROFª Drª TEREZINHA KUHN JUNKES
PROF. Dr. LAURO JUNKES

Impressão e Acabamento
Avenida Gráfica e Editora Ltda.

Formato
14 x 21cm


FICHA CATALOGRÁFICA

Catalogação na fonte por M. Margarete Elbert - CRB14/167



S725o      Sousa, Cruz e, 1861-1898

                        Obra completa : poesia / João da Cruz e Sousa ; organização
                  e estudo por Lauro Junkes. – Jaraguá do Sul : Avenida ; 2008.
                         v. 1 (612 p.)

                         Edição comemorativa dos 110 anos de falecimento e do
                  traslado dos restos mortais de Cruz e Sousa para Santa Catarina.

                            1. Sousa, Cruz e, 1861-1898. 2. Poesia catarinense. I.
                  Junkes, Lauro. II. Titulo.

                                                                                      CDU: 869.0(816.4)-1



"A gente só tem saída na poesia."


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