têm coisas que não mudam, se você não paga o aluguel vai ser despejado, se você é um coitado perdedor e aposta pesado vai acabar engolindo terra, loira ou preta, jovem, bem vestida e gostosa não entra na minha vida, um merda romântico, não tem jeito, nunca vou ter um apartamento de luxo, curto cachorro-quente e muita mostarda apimentada, também não tenho nenhuma robustez carnuda, acho uma chatice ficar levantando aqueles ferros sempre mais pesados, as mangas das minhas camisas são bem largas, as calças também, às vezes parece que não tenho pernas, só as calças
por sorte, ainda não estou trabalhando nem tenho espinhas
tudo para algumas pessoas é serem obedecidas, sentem falta de
darem ordens, realmente se excitam, se pudessem chicotear com seus cintos
nossas pernas, bunda e coxas, nos deixariam tremendo e chorando; afinal, uma
escola sem disciplinador não é respeitada como uma escola que ensina de verdade
um dos disciplinadores – sempre é um homem, pelo menos aqui – fica no portão
para nos lembrar que depois que entramos pertencemos às regras da escola, não tem mesa-redonda, polêmica ou contestação,
Regras precisam ser obedecidas, é o que nos repetem e repetem e repetem, é
isso, aceitamos ou não entramos, ficamos nas ruas – ou pior, seremos aceitos em
alguma escola pública da periferia com suas regras militarizadas, como aqui, também
controladora das vontades com seus hinos, símbolos da família, deus e pátria,
muito cinismo, mas sem os mesmos recursos
com sorte – não gosto muito da ideia de confiar na sorte –
encontramos um lugar com aparência agradável, sem gaiolas para nos obrigar a
ficar olhando juntos na mesma direção, alguma escola que mais conversa
do que manda, acho que elas existem espalhadas por aí, lugares em que parece
que a vida é maravilhosa, um milagre de bonita, mágica, pássaros nos galhos
verdes, festa e alegria, cantando juntos, tagarelando na sombra das folhas da
vida pulsando, sonhando pingos de cores, brincando, acariciando o coração,
observando outras caturritas, pombas e pardais pelo pátio, as notas de uma
sinfonia barulhenta, e ao entardecer o sol se despedindo, a dança nas árvores
cedendo, aguardando a luz plena de outro dia, para mais risos e voos entre suas
paredes
por aqui, querem nos ensinar como sermos sensatos, lógicos,
responsáveis, práticos, intelectuais e cínicos, nos mostram um mundo clínico,
mas pouco confiável, Cuidado ou o mundo engole vocês, estou me lixando para esse mundo estúpido, na maior parte do tempo estamos dormindo, as perguntas não
se aprofundam, e o que aprendemos é que não sabemos quem somos, mas logo
saberemos, viva o teste vocacional
manos, não sou das bagunça pela bagunça, longe disso, mas
confiaria mais – também não é bem assim –, obedeceria sem uma inquietação maior
se as regras também fossem discutidas com alunos e alunas, desconfio de
qualquer um que se impõe sobre os demais e não aceita conversar sobre suas ideias,
suas regras são para serem seguidas sem trocação, sem contestação – a teoria do
controle ou descontrole
hoje, o primeiro dia do retorno desta parada selvagem da destruição geral
a catraca não está funcionando
antes dessa fartura de água, existiu o modo seco e quente,
conforme íamos chegando, passávamos o cartão magnético na catraca do portão, um
cartão magnético comum com foto, nome e código de barras, o registro da nossa
presença, tudo muito eficiente e limpo até chegarem as águas
muitos dos que chegavam no carro do papai e da mamãe estão aprendendo a conhecer as ruas do bairro à pé, tudo muito quieto e silencioso
no horário anunciado o portão é fechado – hoje, vamos ter
tolerância para atrasos –, os retardatários entram na escola somente pela
portaria dos visitantes
o pátio segue cercado por prédios – cheirando à tinta fresca –
e árvores tristes e feridas, os reencontros são muitos
lá está o profe Tiago
Ehaaí, Gustavo?
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Leia também:Ensaio - primeiro dia: 01
Ensaio - cartão magnético: 02
Ensaio - a dois passos do céu, as pernas tremendo: 03
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