Eduardo Galeano
25. O Livro dos Abraços
A cultura do terror/7
O colonialismo visível te mutila sem disfarce: te proíbe de dizer, te proíbe de fazer, te proíbe de ser. O colonialismo invisível, por sua vez, te convence de que a servidão é um destino e a impotência, a tua natureza: te convence de que não se pode dizer, não se pode fazer, não se pode ser.
A alienação /l
Em meus anos moços, fui caixa de banco. Recordo, entre os clientes, um fabricante de camisas. O gerente do banco renovava suas promissórias só por piedade. O pobre camiseiro vivia em perpétua soçobra. Suas camisas não eram ruins, mas ninguém as comprava.
Certa noite, o camiseiro foi visitado por um anjo. Ao amanhecer, quando despertou, estava iluminado. Levantou-se de um salto.
25. O Livro dos Abraços
A cultura do terror/7
O colonialismo visível te mutila sem disfarce: te proíbe de dizer, te proíbe de fazer, te proíbe de ser. O colonialismo invisível, por sua vez, te convence de que a servidão é um destino e a impotência, a tua natureza: te convence de que não se pode dizer, não se pode fazer, não se pode ser.
A alienação /l
Em meus anos moços, fui caixa de banco. Recordo, entre os clientes, um fabricante de camisas. O gerente do banco renovava suas promissórias só por piedade. O pobre camiseiro vivia em perpétua soçobra. Suas camisas não eram ruins, mas ninguém as comprava.
Certa noite, o camiseiro foi visitado por um anjo. Ao amanhecer, quando despertou, estava iluminado. Levantou-se de um salto.
A primeira coisa que fez foi trocar o nome de sua empresa, que passou a se chamar Uruguai Sociedade Anônima, patriótico nome cuja sigla é U. S. A. A segunda coisa que fez foi pregar nos colarinhos de suas camisas uma etiqueta que dizia, e não mentia: Made in U. S. A. A terceira coisa que fez foi vender camisas feito louco. E a quarta coisa que fez foi pagar o que devia e ganhar muito dinheiro.
A alienação/2
Os que mandam acreditam que melhor é quem melhor copia. A cultura oficial exalta as virtudes do macaco e do papagaio. A alienação na América Latina: um espetáculo de circo. Importação, impostação: nossas cidades estão cheias de arcos do triunfo, obeliscos e partenons. A Bolívia não tem mar, mas tem almirantes disfarçados de Lord Nelson. Lima não tem chuva, mas tem telhados a duas águas e com calha. Em Manágua, uma das cidades mais quentes do mundo, condenada à fervura perpétua, existem mansões que ostentam soberbas lareiras, e nas festas de Somoza as damas da sociedade exibiam estolas de raposa prateada.
A alienação/3
Alaistair Reid escreve para The New Yorker, mas quase não vai a Nova Iorque. Ele prefere viver numa praia perdida da República Dominicana. Nessa praia desembarcou Cristóvão Colombo, alguns séculos atrás, numa de suas excursões ao Japão, e desde aqueles tempos nada mudou.
A alienação/2
Os que mandam acreditam que melhor é quem melhor copia. A cultura oficial exalta as virtudes do macaco e do papagaio. A alienação na América Latina: um espetáculo de circo. Importação, impostação: nossas cidades estão cheias de arcos do triunfo, obeliscos e partenons. A Bolívia não tem mar, mas tem almirantes disfarçados de Lord Nelson. Lima não tem chuva, mas tem telhados a duas águas e com calha. Em Manágua, uma das cidades mais quentes do mundo, condenada à fervura perpétua, existem mansões que ostentam soberbas lareiras, e nas festas de Somoza as damas da sociedade exibiam estolas de raposa prateada.
A alienação/3
Alaistair Reid escreve para The New Yorker, mas quase não vai a Nova Iorque. Ele prefere viver numa praia perdida da República Dominicana. Nessa praia desembarcou Cristóvão Colombo, alguns séculos atrás, numa de suas excursões ao Japão, e desde aqueles tempos nada mudou.
De vez em quando, o carteiro aparece entre as árvores. O carteiro vem dobrado debaixo da carga. Alaistair recebe montanhas de correspondência. Dos Estados Unidos é bombardeado por ofertas comerciais, folhetos, catálogos, luxuriosas tentações da civilização de consumo incitando a comprar.
Uma vez, entre muita papelada, chegou a propaganda de uma máquina de remar. Alaistair mostrou-a a seus vizinhos, os pescadores.
— Dentro de casa? Se usa dentro de casa?
Os pescadores não conseguiam acreditar.
— Dentro de casa? Se usa dentro de casa?
Os pescadores não conseguiam acreditar.
— Sem água? Rema-se assim, sem água? Não podiam acreditar, não podiam entender:
— E sem peixes? Sem sol? E sem céu?
Os pescadores disseram a Alaistair que eles se levantavam todas as noites, muito antes do alvorecer, e se metiam mar adentro e jogavam suas redes enquanto o sol se erguia no horizonte, e que essa era a sua vida, e que gostavam daquela vida, mas que remar era a única coisa de merda naquele assunto inteiro:
— Remar é a única coisa que odiamos — disseram os pescadores.
Então Alaistair explicou-lhes que a máquina de remar servia para fazer ginástica.
— Para quê?
— Ginástica.
— Ah, bom. E o que é ginástica?
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Titulo original: El libro de los abrazos Primeira edição em junho 1991. Tradução: Eric Nepomuceno Revisão: Ana Teresa Cirne Lima, Ester Mambrini e Valmir R. Cassol Produção: Jó Saldanha e Lúcia Bohrer ISBN: 85.254.0306-0 G151L Galeano, Eduardo O livro dos abraços / Eduardo Galeano; tradução de Eric Nepomuceno. - 9. ed. - Porto Alegre: L&PM, 2002. 270p.:il.;21cm 1. Ficção uruguaia. I.Título. CDD U863 CDU 860(895)-3 Catalogação elaborada por Izabel A. Merlo, CRB 10/329. Texto e projeto gráfico de Eduardo Galeano © Eduardo Galeano, 1989
24.O Livro dos Abraços - A dignidade da arte - Eduardo Galeano
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Titulo original: El libro de los abrazos Primeira edição em junho 1991. Tradução: Eric Nepomuceno Revisão: Ana Teresa Cirne Lima, Ester Mambrini e Valmir R. Cassol Produção: Jó Saldanha e Lúcia Bohrer ISBN: 85.254.0306-0 G151L Galeano, Eduardo O livro dos abraços / Eduardo Galeano; tradução de Eric Nepomuceno. - 9. ed. - Porto Alegre: L&PM, 2002. 270p.:il.;21cm 1. Ficção uruguaia. I.Título. CDD U863 CDU 860(895)-3 Catalogação elaborada por Izabel A. Merlo, CRB 10/329. Texto e projeto gráfico de Eduardo Galeano © Eduardo Galeano, 1989
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