segunda-feira, 20 de março de 2017

O Brasil nação - v1: § 29 – Regresso ao senado dos marqueses - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim



O Brasil nação volume 1





PRIMEIRA PARTE
SEQUÊNCIAS HISTÓRICAS



capítulo 3
o novo malogro






§ 29 – Regresso ao senado dos marqueses




A campanha de 1826-31, contra a política imperial, dirigia-se, explicitamente, contra o Senado, recesso dos reacionários, contubérnio de portugueses e brasileiros de D. João VI. Apartando-se dos exaltados, nulificando-os, os liberais moderados, perderam, de fato, a posição de vitória. Guardaram o poder, mas, no mesmo ato em que subordinaram ao Senado as reformas reclamadas, a este entregaram os destinos do país. No primeiro momento, acovardaram-se os marqueses, mas, ao verificarem que as desconfianças e os ataques dos desfrutadores de 7 de Abril se dirigiam aos verdadeiros revolucionários, criaram ânimo, e decidiram reconquistar, ou, melhor, guardar as posições privilegiadas em que se achavam. Até o Sr. P. da Silva consigna o fato:

O partido de D. Pedro (o Senado) desaparecera da cena, parecendo desejar, até, que o considerassem sepultado nas ruínas cometidas pela revolução... E foi assim que, apresentado um projeto em satisfação a medidas solicitadas pelo primeiro governo revolucionário, o Senado prontamente respondeu, e aprovou o projeto proposto, não admitindo discussão... preferindo a maioria dos seus membros nulificar-se a pretender opor-se... 127


127 De 1831 a 1840 , pág. 57.


Uma vez, porém, que os vencedores se dividiram; amparando-se, os que tomaram o governo, na chamada ordem legal para resistir às exigências dos legítimos revolucionários, o Senado, genuíno representante dessa legalidade, fechou-se nas suas atribuições, e, muito logicamente, nada concedeu à revolução que se fizera contra ele. Recuando do ímpeto inicial, os moderados vieram ao ponto, mesmo, em que se achavam os conservadores. Deu-se, até, uma qual osmose de partidários – entre restauradores e moderados: “Declararam-se restauradores muitos dos cidadãos (da portuguesada) que, depois de 7 de abril, aceitos os fatos consumados, se tinham reunido aos moderados, no intuito de coadjuvarem quem sustentava a ordem e o respeito às autoridades.” Quando tal acontece a uma revolução vitoriosa, os resultados efetivos são de defecção e derrota.

Lesma peçonhenta, o Senado encolhera-se, no primeiro momento, sem se anular, de fato. Desde que as conquistas da revolução ficaram limitadas ao que ele quisesse dar, ele nada concedeu. Com isso criaram ânimo os próprios restauradores confessos, e vieram para a rua com o aventureiro Bulow. Ao mesmo tempo, fundavam o grêmio restaurador sob a designação expressiva de – sociedade conservadora... E ainda não foi isso o pior, senão a atividade legal dos Cairu, Paranaguá, Santo Amaro, o protegido de Pedro I – Teixeira de Gouveia, Lopes Gama (retenha-se o nome)... completados pelo absolutista Niemayer e sanguinário Andrea... Houve um momento em que, temendo perder as posições nos municípios, os moderados apelaram para o patriotismo dos exaltados, para que, unidos, pleiteassem as eleições municipais. Os resultados foram indicações preciosíssimas: “Em todo o Império, o partido restaurador só ganhou a eleição da câmara municipal da corte; em todos os demais colégios, foram repelidos completamente os seus candidatos... as paróquias propriamente da cidade (Rio de Janeiro) se manifestaram dedicadas ao partido restaurador, que não poupou diligências nem dinheiro para vencer as eleições... e que, de feito, pela sua organização, disciplina, preponderância dos adotivos (portugueses) e das classes elevadas da sociedade (marqueses, senadores, conselheiros de Estado...) provou que possuía notável maioria na população da capital.” Quer dizer: no Rio de Janeiro, o dinheiro da portuguesada, e a influência oficial dos marqueses, deram vitória ao partido restaurador, ao passo que todo o resto do país era pela política liberal, no sentido das reformas prometidas pelo 7 de Abril. No entanto, foi a política reacionária do Senado que prevaleceu: “Não se podia esperar que o senado anuísse às reformas... que só por si robusteceriam a situação, e abririam novos horizontes de influência ao governo da Regência...” A verdade da situação é tão incisiva que até o homem da Fundação a consigna. Note-se: as reformas adotadas pela Câmara dos deputados, e repelidas 128   pelo Senado, vinham vencedoras e consagradas no ânimo da nação. Já não se tratava da república de Ferreira França, nem das expulsões reclamadas pelos exaltados, e que seriam remédio eficaz contra o lusitanismo inimigo e renitente. Tudo se limitava


128 Redação do projeto aceita pela câmara dos deputados, em 13 de outubro de 1831: Artigo único – Os eleitores dos deputados para a seguinte legislatura lhes conferirão nas procurações especial faculdade para reformarem os artigos da constituição, que forem opostos às proposições que se seguem. § 1º – O governo do Império do Brasil será uma monarquia federativa. § 2º – A constituição reconhecerá somente três poderes políticos: o legislativo, o executivo, e o judicial. § 3º – A constituição marcará distintamente as atribuições que competem ao poder legislativo; as que competem à assembleia nacional sem concorrência de outro ramo deste poder; as que competem a cada uma das câmaras, que compõem a assembleia nacional; e as que são comuns a ambas as câmaras; fazendo-se nas respectivas atribuições as alterações que forem convenientes. § 4º – A câmara dos deputados será renovada por novas eleições de dois em dois anos, que formarão o período de cada legislatura. § 5º – A câmara dos senadores será eletiva, e temporária: a eleição de seus membros... (E assim prosseguia, dando plena satisfação aos reclamos dos exaltados.)


a dar satisfação ao liberalismo teórico, e um pouco de autonomia às províncias asfixiadas pela constituição dos marqueses. Mas, nesse tempo, já o Senado cerrava fileiras em torno José Clemente, defendendo-o, absolvendo-o, quando o acusavam de despótico e corruptor. E, quando ali chegou o projeto votado na Câmara, sobre ele saltou o absolutismo senil de Cairu, as saudades do poder de Paranaguá, as esperanças de novos empréstimos de Barbacena, a pulhice moralizante de Maricá, o liberalismo pálido e legalista de Caravelas... E nada se obteve de essencial: nem federação, nem supressão do conselho de Estado e do poder moderador, nem, compreende-se bem, abolição da vitaliciedade do Senado. Nem mesmo se discutiram as reformas propostas, para as quais só houve dois votos, sendo um de Vergueiro.


Destarte, graças aos moderados, o Senado, espúrio no seio da nação brasileira, suplantou completamente a revolução – que foi a mais genuína expressão das aspirações nacionais. Diante disto, o próprio Evaristo se alarmou:


O senado, maioria de servidores de D. Pedro, no seu regime arbitrário e decrépito, acastela-se na sua vitaliciedade, e recusa-se aprovar as reformas, anulando por esse modo o voto nacional. É impossível não efetuar as reformas, porque isto equivale a desfazer a revolução de 7 de Abril, que foi de toda a nação. Que meio empregar, senão o de sair da legalidade?...


Inventor da moderação, Evaristo aconselha explicitamente a fórmula revolucionária. Foi a sugestão manifesta – para o golpe de Estado de 30 de julho. No entanto, na reunião íntima em que tal se decidiu, o mesmo Evaristo, como sempre, hesitou em admitir um processo violento, inconstitucional, mas, finalmente, concordou, comprometendo-se a defender a medida, quando apresentada na Câmara.


Vale a pena repetir a história. Tudo aceito e combinado, é dado para discussão o parecer – proposta do mesmo golpe de Estado. Rompe contra ele o reacionarismo de Martim Francisco, reforçado no antigo ódio a Feijó. Acode, com ele, Montezuma, desocupado no momento, e inclinado para os reacionários, em vista dos últimos insucessos dos liberais; manifesta-se igualmente o reacionário Rebouças. Calmon, amoitado desde 7 de abril, cria ânimo, finalmente, e avança também contra o revolucionarismo trôpego e mole dos moderados; falou manso, mas definitivo, mostrando o fundo raso das suas convicções – de restaurador displicente, pronto a transigir com a revolução, contanto que nada se faça em satisfação à mesma... E onde estão, nesse momento, os exaltados? Como se manifestam?... Era já tão explícita a separação de programas, que eles, os exaltados, também foram contra o golpe de Estado: “Só querem o poder... clamavam eles aos moderados. Apelam para esse recurso, no fim de conservarem-se nele...” (discurso de Ferreira França). De fato, à parte o caso excepcional de Feijó, tudo mais se mostra como ambição de poder em trambolhões de partido sem princípios políticos, e sem convicções.


Trata-se de uma fração que se apossou do poder por um golpe de surpresa, continua a zurzir Ferreira França, e que só procura monopolizar os resultados da revolução em seu proveito, quando tudo faz para impedir que a mesma revolução seja uma realidade. Nada nos garante que dessa aventura venha a sair uma reforma democrática.


Houve oradores, dentre os reacionários, que tiveram como melhor argumento contra o parecer: “Querem roubar ao imperador (a criança) o trono que o pai lhe deixou!...” Candido Batista de Oliveira e Paula Araújo defenderam a medida sem maior ardor, sem possibilidade de êxito, em face de adversários animosos, intransigentes, já senhores da situação, e decididos a guardá-la. Evaristo interveio, bem nos seus modos: numa defesa mole, inconsequente, e que serviu principalmente para dar razão aos adversários: “É uma ilegalidade o que propomos, uma grave inconstitucionalidade... Lastimo – que tenhamos de recorrer a esse meio...” Falou convencido e sincero: mas a sua convicção valia como peso a afogar o parecer. Foi quando interveio a traição certeira de Carneiro Leão. Começava o reinado da insinceridade na política brasileira. Altissonante, e indiferente ao compromisso da véspera, babujou: “Respeitemos a constituição e a legalidade! É impossível realizar os intuitos da revolução com desprezo do Senado! Estou certo de que ele virá colaborar conosco. É um crime tentar realizar uma situação revolucionária por meios anormais e ilegais...” Peremptório em estrangular a medida, ele decidiu esterilidade do 7 de Abril, abrindo para si aquela fertilíssima carreira, com que coincidiu a queda da política nacional. Finalmente, nem houve votação: deu-se o escapar dos ratos... e os moderados deram o dito por não dito, e esperavam a resolução do Senado. A marquesada estava na altura da vitória, e tratou os revolucionários legalistas com o desprezo que eles mereciam. Fez mais: estendeu à nação o menosprezo com que respondia aos moderados que a desfrutavam, e só aceitou, de todo o projeto adotado pela Câmara, a regência uma – medida de ocasião, e a transformação dos conselhos provinciais em assembleias, aliás, sem atribuições definidas, talvez propositadamente. Para chegar a esse resultado nem houve discussão. Agora, pro-formula, iam decidir a questão em Assembleia Geral – câmara e senado fundidos.




_______________________



"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."

Cecília Costa Junqueira



_______________________


O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).


_______________________

Download Acesse:

http://www.fundar.org.br/bbb/index.php/project/o-brasil-nacao-vol-i-manoel-bonfim/


_______________________



O Brasil nação - v1: § 30 – Confessa-se o fracasso do 7 de Abril - Manoel Bomfim

Nenhum comentário:

Postar um comentário