quinta-feira, 16 de março de 2017

histórias de avoinha: o convencimento pela força é a morte da vida

mulheres descalças


o convencimento pela força é a morte da vida
Ensaio 99B – 2ª edição 1ª reimpressão



baitasar


Num esquece, Fumaça...

o muriquinho qui caminhava e pulava dois ou três passo na frente parô pra puruguntá sobre o esquecimento qui num podia tê

O que foi, Liberata?

ela pareceu desistí daquela conversa com o muruquinho. ele num parecia tê capricho pra puruguntá nem respondê coisa qui num fosse corrê e pulá, mais o qui tava começado ia continuá

O amô, Fumaça...

ficô parado de curiosidade, sabia vê qui o amô pode fazê encantado o desencantado, ele pode espaiá a vontade de tê um recosto na vida o liberto mais arrogante. já escutô escravizado jurá qui tava livre no sonho do amô e qui foi dum lugá pra otro se deleitá disfarçado de pé de vento. otros diz qui foi pra lá e cá acamado nas folha qui passeia no rio dum lado pru otro das beirada da lavação: mareando entre as perna roliça das lavadêra beliscava feito um lambari

... sabe cuidá, mais tumbém pode se descuidá.

o muriquinho num entendeu. achô qui a preta curadôra ainda tava sonhando com os óio aberto. eles veio mais cedo qui o costume. o dia já tava acordado, mais a escuridão ainda num tava toda assanhada com as coberta da preguiça e do adormecimento

aquela conversa parô pruqui a liberata mais o muriquinho chegô nas redondeza da pedra da infâmia pra montá o ababá

num é qui a preta das ajuda com as reza e as erva da cura gostava do lugá qui escoieu tá, num gostava. aquela pedra requintada de sofrimento tava ali pra mostrá prus assustado quem manda e quem obedece: a marca do convencimento pela força é pra metê medo. chega de medo dos pretu qui foi ali maltratado, eles só qué sê respeitado e tê alívio dos tormento sofrido

ela sabia qui precisava tá onde tava pra misturá as coisa boa do ababá e do tabulêro com as coisa muntu ruim das pedra da dominação. tava ali pra desacomodá o silêncio das gente qui óia pras injustiça sorrindo e faz na cara a paisagem qui credita: com elas as coisa injusta num vai acontecê. o convencimento pela força num esbanja amô, muntu menos se arrepia com as palavra do amô, é duro e bate sempre qui desconfiá qui a morte perdeu força pra vida

foi a primêra veiz, desde o começo dos trabáio de ajuda, qui eles conseguiu licença do siôinhu pedro pra tê o dia todo com o tabulêro nas rua da villa

Vosmecê deve estar contente porque se livrou das choradeiras de amanhecer da dona Esmeralda. Pelo menos, hoje.

Fica quieto, muriquinhu... ajuda bençoá o lugá...

o piquininino ajudô acomodá a mesa das erva, depois ficô parado na frente da liberata. a muié rezadêra oiô sorrindo pru muriquinho. ele quase num creditô qui tava convidado pra chamá os espritu bão pra mesa arrumada. oiô de novo pra beleza ajustada no terrêro, ela tava toda enfeitada e abarrotada com as ajuda qui é encontrada na mata. os dois tava satisfeito com o tabulêro. o muriquinho correu inté liberata. era preciso juntá o destacamento dos espritu com os curativo dos chá. os dois junto tem mais força qui separado

Vem cá, dá sua mão.

os dois ficô de frente pru tabulêro e a pedra da infâmia. primêro, cadum escoiêu o seu silêncio prus pedido do próprio gosto. depois, fez as encomenda de ajuda pra espraiá em tudo as semente da vida boa. o tempero qui reaviva os gosto do chão batido e a energia pra fortalecê os trabáio

pra dá continuação chamô o ponto qui quebranta as magia qui recusa ajuda

Demanda sobre demanda,

demanda pra se vencê
quem demanda com esses fiu
de volta vai recebê.
Caboclo Jibóia é o chefe
desta seara sagrada
enviô seus mensagêro
e demanda foi cortada.

depois da abertura dos trabáio o muriquinho se soltô, U muriquinhu vai aonde, puruguntô a muié curadora. ele corria fazendo volta na pedra dos castigo

Pru quilombo do Dumbá, respondeu a purugunta sem pará de corrê, e correu mais, ria e corria mais, era puro céu, puro terra

Vai ficá atarantado e caí... óia pru céu... óia pra terra... u muriquinhu escutô?

Escutei... eu sou uma joaninha!

o muriquinho fazia folia com o oiá ocupado dela. corria mais e tanto corria qui tonto ficava quem só oiava. as coisa dita na boca do muriquinho voava mais e tanto voava qui se atirava como um pé de vento, girando girando ria cavalo ou ando em pé, A partir de agora, todo açoitado, machucado e magoado que está na volta desta pedra vai ter o seu descanso. E vai conhecer o verdadeiro Deus. Esse deus branco é selvagem, eu condeno ele ao inferno que ele mesmo criou. Agora, meus irmãos e irmãs, vocês são filhos e filhas do deus da bondade que assopra o amor e a alegria no coração da vida, falava e ria na volta da pedra, e corria e ria, tanto corria na volta da pedra, e tanto ria, qui a pedra soluçava e pedia pra sê desmanchada em piquinino grão de areia, queria ficá jogada espaiada na praia, a voz qui saia num parecia sê dele, Ninguém nunca lhe puruguntô das coisa qui queria sê, Ninguém...

as asa nos pé voava acima do chão batido das maldade e das injustiça do branco sabido e do deus selvagem: o bão moço qui dá a migalha da caridade é o mesmo qui usa as tira da chibata sem remordimento. os assopro cruzava e descruzava, subia e descia, rodopiava amalucado e bamboleando os giro, Ia uê ererê aiô gombê, cum licença du curiandamba, cum licença du curiacuca, cum licença du sinhô môço, cum licença du dono de tera.

o espritu cantadô tumbém chegava e pedia as licença dos mais véio, do cozinhêro, do siô moço e do dono de terra pra podê cantá pru seus guia

o pé de vento ia, sumia e voltava, tanto mais ia mais voltava de tudo qui é apuro, Yao ê ererê ai Ogum bê, pulava e agachava feito passarinho piquininino qui mata cobra coral

Muriquinhu piquininu, ô parente, muriquinhu piquininu de quissamba na cacunda. Purugunta aonde vai, ô parente. Purugunta aonde vai. Pru quilombo do Dumbá: ei, chora-chora mgongo ê devera. Chora, mgongo, chora.

o muleque de trôxa às costa vai fugindo pru quilombo do dumbá. os otro qui fica chora pruqui num pode fugí também

a movimentação tava ficando grande. um espritu qui foi estrangulado pelo dono lhe chegô perto, Ei ê! Óia pru céu, óia pru céu! Puru tera riabo t’inganô, muriquinhu, puro tera, riabo t’inganô, João Inácio! Óia puru céu! Puru tera riabo t’inganô, ai! Ererê... cantava cantiga de insulto

otro pretu qui morreu e teve seu curação arrancado, tumbém veio pra junto do alívio, Orossangi cum galinahá cum quingombô cu lôbo lobô barundo uê iá barundo nê ererê... cantava debochado da comida do patrão: galinha com lobo-lobô

o muriquinho num sabia vê os espritu qui atendia u pé de vento qui ele sabia fazê, mais a liberata sabia vê e sabia escutá; ela num sabia esquecê o qui sabia vê e num tinha gosto de aprendê deslembrá. só esquece quem é... quem qué

chegô mais quatro pretu tudo amarrado, eles cantava gabando os talento e os quilate das virtude qui eles tinha, Eu memo é capicovite, eu memo é cariocanga, eu memo é candandumba serena.

otro apareceu carregado de bruço, era puro terra, as anca tava toda recortada, ainda reclamava da pólvora, salmôra e pimenta nos ferimento. num chorava mais qui cantava, Andambi, ucumbi u atundá, sequerendê, ucumbi a uriariá... adambi, ucumbi u atundá... ele avisava a muié – ou inté qui podia sê a cozinhêra do serviço – qui o sol já tava muntu alto, é hora da comida

uma preta qui foi pendurada pelas mão numa árvore e teve qui ficá esperando as carne sê cortada com tesôra inté os osso aparecê, andava na volta da pedra com medo de gemê e acordá os dono dela e da tesôra. chegô sussurrando piquininino, Jambá cacumbi queremá, turira auê, jambá cacumbi queremá, mapiá turi, turira auê, mapiá turira auê, mapiá turira auê, mangorombô.

mais otro chegô. tava sem voz pruqui o pescoço tava cortado, muntus otros foi chegando com os dedo cortado, as mão tirada dos braço. castigo feito pra mostrá e ensiná os pretu num reclamá do jeito qui é tratado

todos vem nú, acorrentado e morto de fome, tão pouco come qui perdeu a cobiça da comida, eles já num sabe se a dô é da fome ou da falta da fome

inté qui chegô os abicu. os espritu das criança qui num nasceu. qui tá pelo avesso na fila esperando a veiz de nascê daqueles pretu castigado inté morrê. eles morreu sem tê feito esses fiu e fia. morreu e num começô os qui num foi começado: os abicu

Fumaça! Fumaça!

Liberata...

O que foi, Fumaça?

Eu sou um abicu?

Já chega de corrê na volta...

Ah, mãinha... por que?

liberata num deu suspiro de desconsolo nem soltô qualqué lamento murcho ou inchado, ela sabia mais qui o muriquinho e sabê mais num é motivo pra num respeitá os qui num sabe tanto dos espritu

Agora, é preciso cantá e batê os tambô prus espritu dos caminho qui sobe, assim ele vai ajudá o deus da bondade e de toda vida Oxalá recebê eles.

o muriquinho num tava dando aviso qui entendeu as palavra da liberata

Por que tanta demora para acudir tanto sofrimento?

ele num sabia vê o mundo com as vista dos espritu, se o mundo tinha avesso num tinha se mostrado pra ele, Num sei lhe explicá, tumbém num sei lhe dizê se a demora do tempo qui passa do lado de cá é a mesma demora do lado do avesso, mais é bão chamá eles pra ajudá nas tarefa de desalinhá o mal qui atrapaia os caminho inté Oxalá. Ocê vem ajudá no chamado deles?

respondeu dengoso com otra purugunta, Eles quem?

ela num respondeu com ligerêza, esperô o muriquinho se acalmá e crescê os bigode raladinho montado no beiço gordo, se os espritu num queria se mostrá eles tava na razão própria, credita quem qué

Os espritu qui acudiu seu chamamento...

o muriquinho parô a agitação, segurô o respiramento e oiô com mais cuidado na volta, os óio bem aberto, mais num viu nada parecido com um espritu. oiô de novo, apertô e esbugaiô os óio e num adiantô, esfregô e soltô inté ardê as vista, e nada, num tinha espritu pra vê, Não estou vendo nenhum espírito, Liberata. Não sinto nem desconfiança que estão na volta da pedra.

e se preparô pra continuá com o pé de vento enrolando e desenrolando nos contorno da pedra

Espera...

O que foi, mãinha?

Para de corrê e me dá sua mão.

De novo, mãinha?

Num é pruqui ocê num vê qui eles num tá aqui.

a preta liberata tirô duma cabaça com munta mistura de ervas uma guia de contas azul e rosa. sete contas de cada cô: sete azul, sete rosa, sete azul, sete rosa, e assim inté fechá a guia

Vem cá.

O que é isso?

Uma guia qui serve de proteção pru muriquinhu e ajuda juntá meió os espritu no pé de vento.

É bonita...

U muriquinhu vai usá a guia no pescoço sempre qui voltá na pedra com o tabulêro.

depois de colocá a guia no pescoço do muriquinhu pediu a mão otra veiz

A mão de novo, Liberata?

Foi ocê qui chamô eles. Agora, é bão rezá e escutá u qui eles tem pra dizê.

e assim, os dois ficô, as mão atada um notro, Repete comigo, muriquinhu...

De Oxóssi brota a cura
Pra todo Caboclo usá
Tumbém usa Orixá e Exu,
Pretu Véio pra batizá.

A minha cura
É de Odé
Nasce de Oxóssi
A raiz da minha fé.

Sua coroa é de folhas,
De troncos e de penas
E sua rainha
É a mãe Jurema.

quando os dois terminô e abriu os óio, a baronesa mais o barão tava parado, tumbém com as mão atada uma na otra, do outro lado do tabulêro



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