terça-feira, 14 de março de 2017

O Brasil nação - v1: § 28 – Evaristo e a turma – de Montalegre a Vasconcelos - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim



O Brasil nação volume 1





PRIMEIRA PARTE
SEQUÊNCIAS HISTÓRICAS



capítulo 3
o novo malogro






§ 28 – Evaristo e a turma – de Montalegre a Vasconcelos




Foi no próprio curso da campanha iniciada em 1826, que apareceu o mais decisivo, ou, melhor, o mais característico dos seus grasnadores, da defecção moderada de 1832-34. Certamente, não foi Evaristo o mais ativo na degradação ostensiva que aí começou; mas foi o manancial da sensatez, a palavra educadora – o pneumogástrico daqueles corações, para que não se exaltassem. Vendeiro de origem e de profissão, ele fez política com a honradez, a sisudez e as precauções de um vendeiro, arvorado em jornalista doutrinador. Achou a moderação como fórmula revolucionária-reformadora, e, na crise de 1831, foi o breack com que se garantiu, a um tempo, a monarquia e o lugar do menino aqui abandonado por Pedro I. Tudo isto, Evaristo o fazia sisuda e convencidamente. Era uma dessas naturezas por igual sinceras e convencionais. Dentro de si, ele nunca achou uma ideia original; o talento, formado no seu comerciozinho, dera-lhe, apenas, para compor um aspecto de sisudez e comedimento. E, com isso, fez-se toda a glória da sua carreira, mesmo porque não lhe havia, n’alma, nenhumas chamas ardentes, das que inflamam a própria, pessoa, e deslumbram os outros. O seu ideal foi o comedimento, escola eficacíssima da política brasileira, no que ela teve, depois, de mais sincera e leal. Língua do moderatismo, Evaristo redigia as falas com que a grei circunspecta excomungava os díscolos exaltados, se bem que da exaltação se tivesse ele bem aproveitado quando as garrafas da portuguesada lhe ameaçavam a integridade craniana. Passados os coriscos, porém, ele voltou à moderação em que caracterizara e distinguira a sua Aurora. Com a moderação, ele foi poder, e, em nome da mesma, exigia que lhe respeitassem o usufruto do poder. Quando as coisas se turbaram, nessa revolução de que ele se aproveitara, e a que negava o direito de ser revolução; no auge da crise; ele foi a expressão mesma da turbação confusa: defendia atacando, atacava sem entusiasmo, defendia sem convicção, como por ocasião do governo Feijó. Um fim precoce, por uma morte oportuna, conservou-lhe toda a glória possível: não foi ministro, não teve ocasião de ser escolhido senador, não foi visconde nem marquês, e, assim, não houve possibilidade de saber se, com Feijó, ele se apartaria dos Hermeto e Vasconcelos, ou se deixaria a sua fumarenta candeia abafar-se na sombra dos mesmos conservadores.122


122 Até 13 de março de 1831, Evaristo se opusera a qualquer tentativa de revolução; com as garrafadas, mudou de parecer; mas, dois anos depois, afirmava: “– Era eu, então, o revolucionário que defendia a causa da Monarquia Constitucional (com as duas maiúsculas), porque entendia e entendo – não convir o regime republicano ao meu país...”, vendeiro, mas tão intransigentemente monarquista quanto o aristocrata José Bonifácio. 


De todo modo, Evaristo foi abundantemente coerente: começou moderado e assim acabou, em formal contraste com um Costa Carvalho, democrata-republicano e que acabou marquês e carrasco dos democratas de 1842 – de Vergueiro e Feijó.


... em São Paulo casou com uma viúva rica, informa Drumond. A riqueza lhe aumentou a atividade... Ligado com pessoas da família da mulher, procurou ser o árbitro da província onde residia (São Paulo). As ideias o levavam para o republicanismo, mas os interesses não permitiam que se separasse dos portugueses. Brasileiro, portanto republicano e português ao mesmo tempo. Depois ficou, por certo tempo, exclusivamente republicano... e contribuiu para a abdicação do primeiro imperador. Foi, por isso, elevado a membro da Regência trina; nas horas de perigo, desertou do posto, e veio para São Paulo, recebendo, sempre, os proventos dele. Logo que alcançou posição, elevado pelos amigos, que entre si distribuíam as posições, mudou de parecer. marquês, grã-cruz, conselheiro de Estado e ministro várias vezes, inclinou-se mais para o absolutismo do que para a monarquia constitucional.123


123 Op. cit., pág. 98.


Dir-se-á que Drumond, o amigo de sempre dos Andradas, é, por isso mesmo, suspeito; note-se, porém, que Drumond só aponta fatos. A monstruosa carreira política do homem que de democrata radical passou a marquês, é isto mesmo. Montalegre foi adversário dos Andradas, mas também o foi de Feijó, o constante adversário dos mesmos Andradas. Em verdade, Costa Carvalho pouco fez na campanha de 1826-31, e explorou o respectivo desfecho mais do que nenhum outro. Precedeu a todos que se degradaram, tanto que foi marquês antes que muitos outros. Sempre que achou um caminho para subir, descendo embora em dignidade política, ele o fez. Por isso, coube-lhe o papel de ser o carrasco das duas últimas revoluções liberais – 1842 e 48. Foi um dos primeiros estadistas enfeixados em homem de negócios; funcionou como comanditário de Mauá.

Mais regente do que Costa Carvalho foi o Lima e Silva. E enquanto passavam as regências, e que a política do Brasil declinava, florescia a família Lima e Silva. Já o acentuamos: quem salvou o governo de 1831-32 foi Feijó, no entanto, um dos regentes, mais tempo regente nas primeiras regências, foi um Lima e Silva, o mesmo que tinha o supremo posto militar no Império. Conta Macedo, entre as suas lendas: que Pedro I foi avisado pelo seu comandante das armas de que tudo estava perdido, e lhe respondera: “Bom, vou abdicar... você salve o meu pequeno que aí ficará, e tome conta dele...” Pode muito bem ser verdade. Defendendo a imperial criança, os Limas defendiam as formas políticas que lhes seriam mais propícias e convenientes. Os Limas, que só à última hora se manifestaram – negando-se a sustentar o governo que lhes dera todos os cargos militares de confiança, foram decisivos na crise de 7 de abril. Militares de carreira, palacianos, em solidariedade de família, eles faziam, desde 1824, a polícia militar do Império dos Braganças. No comando das armas, no comando do batalhão do imperador, em alto posto dos guardas urbanos, os Limas, se quisessem, teriam impedido, ou, pelo menos, estorvado muito a vitória do 7 de Abril. Por que não o fizeram?... Pedro I tinha de cair, nada mais o salvaria: por que não entrar logo na nova ordem de coisas? Foi assim que eles se colocaram logo nos altos postos, isto é: passaram-se para os democratas, com os respectivos altos postos em que se encontravam, ou melhorando de sorte, como aconteceu com o que foi regente. Contudo, é de crer que o prestígio guerreiro da família, multiplicado mesmo pelos muitos galões, não era grande, pois que os soldados, ·inflamados de democracia, entraram a revoltar-se contra o governo que era deles, e foi preciso Feijó para salvar a situação, que eles pessoalmente desfrutavam. É verdade que um deles esteve com a República de Piratinin, mas tão apagadamente que o nome nem se lê. No mais, eles se fizeram penumbra, cada vez mais penumbra, até os dias da definitiva degradação. Então, aparecem Limas – dominando os restos de brios da política brasileira. De 1840 em diante, onde haja revoltas contra a ordem e o bragantismo, surgem Limas: para ser Caxias com os legítimos democratas maranhenses, Caxias contra os paulistas e os mineiros de 1842; Caxias contra os Farrapos, Caxias contra a Revolução Praeira... Este é o maior deles: caracteriza tão perfeitamente a tribo, que a si tomara o e fazer a polícia do segundo Império. Foi o mais eficaz instrumento do bragantismo, sempre com decência e relativo valor, como general ao mesmo tempo: mata-revoluções e pacificador. Caxias serve, principalmente, para critério de valor de todos os Limas. Das muitas conjunturas históricas em que o encontramos, nenhuma mais eloquente e manifesta do que o seu proceder em 1842, tratando com o ex-regente Feijó. Todo mundo sabia que, profundamente doente, duramente desiludido, o grande brasileiro não armara nenhuma revolução; por coerência e absoluta honestidade política, veio juntar-se aos companheiros, para defender pela imprensa o movimento, quando já desencadeado. Então, o seu empenho era evitar os horrores da guerra civil, perseguições e a torrente de misérias, na sua terra, possuída e espezinhada pela política torpe de Souza Carvalho. Assim, logo que o futuro marquês, com mandante de grandes forças imperiais, se aproximou, Feijó lhe enviou uma carta, de inteira coragem, e definitivo desprendimento, carta que é dos últimos documentos dignos, da política brasileira.124



124 ...“Ilmo. Exmo. Sr. Barão de Caxias... Em verdade, o vilipêndio que tem o governo feito aos paulistas, e as leis anticonstitucionais me obrigaram a parecer sedicioso. Eu estaria em campo com minha espingarda se não estivesse moribundo; mas faço o que posso. Porém alguns choques já têm produzido o espírito de vingança, e eu temo que o desespero traga terríveis consequências... Lembra-me procurar a V. Ex. e rogar-lhe a seguinte acomodação: Cessem as hostilidades; retire-se da província o M. de Montalegre; haja anistia geral, e sem exceção, embora seja eu excetuado e se descarregue sobre mim todo o castigo...” Resposta de Caxias: “... As ordens que recebi – que levasse a ferro e fogo os grupos que encontrasse, eu as cumprirei. Não é com armas na mão, Exmo. Sr., que se dirigem súplicas ao monarca... eu com elas empunhadas não admitirei a menor das condições de V. Exa. Disponho de forças quádruplas das do partido desordeiro. Elas marcham sobre a posição em que V. Exa. se acha, e Sorocaba será obrigada pelos meus canhões e baionetas a render-se. Nenhuma proposta recebo que não seja a pronta submissão dos rebeldes...” Apesar da sargentice da resposta de Caxias, Feijó ainda insistiu: “... Confesso que nunca esperei semelhante resolução sua. Talvez de viva voz eu pudesse convencê-lo da justiça da causa que defendemos, mas o meu estado de enfermidade... Se V. Exa. quiser, aproximando-se mais, eu me esforçarei por comparecer. Se V. Exa. quer poupar sangue, e lhe lembra algum meio decente, eu trabalharei por obter aprovação...” Caxias nem respondeu a esta carta, no entanto, foi o primeiro a escrever ao colega comandante das forças revolucionárias: “Chego da Corte, munido de autoridade para tudo aplanar. Não tenho sede de sangue dos meus patrícios, porém, não deixarei de cumprir os meus deveres. Ainda é tempo... não acendamos a guerra civil... Responda-me, e não se deixe fascinar por vinganças alheias...” O major Galvão respondeu-lhe que não era um revoltoso; lutava contra uma oligarquia que escravizava o país: “Estou convencido de que não é capaz de empunhar armas para escravizar a pátria em proveito de pérfidos e traidores... Não sou iludido por vinganças... mas guiado pelo amor da liberdade...” A amabilidade de Galvão foi contra a verdade: Caxias dirigiu as armas – para escravizar São Paulo a Montalegre, e apressar, com o cativeiro, a morte do mais digno dos políticos brasileiros.



Caxias só teve, para responder ao antigo regente de quem fora esbirro, as mesmas jactâncias duras com que o nulo e cruel Rodrigo Lobo afrontara os recifenses, rendidos em 1817. E a glória proveitosa dos Limas continuou a crescer – gavião peneira, ou caracá, no galinheiro dos patos, em partilha e franca sociedade com eles...


A própria campanha de 1826-31 fez surgir e deu nomeada a um dos primaciais, na política em que a vida pública do Brasil se degradou: Bernardo Pereira de Vasconcelos, que repete, na insignificância das nossas coisas e sem os impulsos superiores do outro, o milagre de Loyola-aleijado. Também sem pernas, que a sífilis em tabes lhas anulara, Vasconcelos refez a vida – para ser um poder. Era uma vontade, inflexível, mesmo. Encontrando-se na situação de decadência orgânica, em que o grande gozo só é possível numa posição de mando, avançou para ela com decisão e sem escrúpulos. Era o momento em que a vigorosa campanha contra o primeiro Império se abria numa perspectiva de vitória, e Vasconcelos, ânimo de lutador, ambição inexorável, veio para a oposição, certo de que por ela teria o poder. Combateu com vigor, e subiu constantemente com o prestígio de combatente eficaz. No entanto, nunca foi um centro de atração, como Evaristo, ou mesmo como Feijó. A intensidade da vontade má, naquele corpo frágil, fazia dele uma víbora cujo contato é repelido. Não tinha contemplações generosas, nem provocava entusiasmos. No fundo dos seus ataques, lobrigava-se o cálculo frio, do feroz e insincero liberal, que seria futuramente o fundador do definitivo partido conservador, e abateria o democrata Feijó, apesar de toda a energia. Esteve com os moderados, Feijó inclusive, até que o sucesso de Hermeto, no desertar, lhe mostrou o bom caminho para ir com aqueles patos ao poder: andar para trás. E Bernardo de Vasconcelos, dizem os seus panegiristas, teve coragem para retrogradar... Para muito mais. Não hesitou em confessar que – errara em trabalhar pela democracia nacional, e afirmou que, para regenerar o Estado brasileiro e dar-lhe o indispensável progresso, o essencial estava em, como o entendiam os marqueses – instituir um regime antidemocrático:


Apregoava Vasconcelos a necessidade de centralizar-se a ação política, de fortalecer-se a autoridade, de decretarem-se leis de compressão... Constituíra-se o ministério preponderante (em 1838), e ao mesmo tempo o arauto da reação monárquica... Na sua opinião, o mal da situação derivava também das ideias e teorias democráticas... 125

125 “Não era Vasconcelos estimado como cidadão particular, nem mesmo angariava prosélitos políticos... Não inspirava ao partido a que servia a confiança necessária a quem quer ser chefe...” (De 1831 a 1840 , pág. 309). 


Foi justamente nesse momento, quando Vasconcelos quase desatinava sobre o lombo de Araújo Lima, que este o atirou em terra, sem que isto chegasse a ser uma crise para a política de regresso. Vasconcelos, que já estava nas fórmulas políticas assente para o futuro do Império, não se deu por achado, e continuou conservador, a apoiar o torvo regente, que, ele bem o sabia, não podia governar sem a sua ajuda. Fora, o golpe, a expressão de uma política organizada por ele mesmo, Vasconcelos; não havia razão para combatê-la. Voz de governo, no parlamento, Vasconcelos se prestou, um ano depois, a desatar a crise da maioridade, diante da qual se lamentava a insuficiência de Araújo Lima. Foi quando ele, o tabético, quis responder com energia ao golpe dos palacianos, unidos aos restos de ingênuos liberais. Temos, aí, o seu último passo em falso: no fim de nove horas, estava abatido, vencido pelo desatinado Antônio Carlos, amparado na palavra e nos gestos de Vilela Barbosa. Ainda assim, Vasconcelos mostrou quanto valia a sua política, no meio de trêfegos, ingênuos e covardes: antes de cinco meses, o imperial adolescente, realmente precoce na política instituída, pelos moderados, entregou-lhe as clássicas rédeas do matungo, que seria levado, depois, alternadamente, pelas mentiras dos partidos parlamentares. Foi criação sua o partido conservador do Brasil, para os efeitos da ficção parlamentarista, como a tivemos. Esta, que é a sua glória, foi uma obra de tal consistência que resistiu, depois, às manobras e espertezas da conciliação de Hermeto, e às tergiversações de Olinda: esses grandes misturadores passaram, e a polícia do Império voltou ao parlamentarismo de Vasconcelos. A sua glória é dupla: foi o primeiro escravocrata confesso, e conseguiu obrigar o regente Feijó a demitir-se. Para isto, ele não hesitou em ressuscitar a canalhice de Ledo, alugando-o, a preço de uma cadeira na província do Rio de Janeiro – para escrever pasquinadas contra o partido liberal. E Ledo, o eterno adversário dos Andradas, o rotulado liberal, a isto se prestou... Era do tempo, e é assim que ele participa da política brasileira depois de 7 de abril.

A ação deletéria de Vasconcelos se completou com a atividade de Carneiro Leão. Eram dons diferentes, mas perfeitamente ajustados – para os processos que, de mentira em mentira, de transigência em transigência, fizeram cair a política brasileira até o abastardamento de espúrio parlamentarismo do segundo Império. Hermeto, merecidamente marquês do mesmo segundo Império, foi uma vida mais cheia, numa ação mais longa e mais complexa do que a de Vasconcelos, e tão funestamente eficaz como esta. Um foi a intensidade do veneno, e outro, a extensão da virulência. Vasconcelos deu o golpe que dobrou a política de 1836, e Hermeto foi a infecção que, nesse golpe, a corrompeu definitivamente. E como a sua vida foi bem mais desenvolvida, o reflexo dela é mais patente. Cabe-lhe, mesmo, o primeiro lugar, na marcha das misérias. Apareceu quase no fim da campanha, como deputado, em 1830. Formou-se em Coimbra, na época em que o Brasil estava em guerra com Portugal. Não trazia carga de convicções políticas, nem intransigências nacionais. Na Assembleia, ficara sem sucesso até 1832, porque a natureza, que tão bem o dotara em manhas, tudo lhe negara em qualidades francas, necessárias na tribuna. Era um zero, mas sempre metido entre os moderados representativos, e, assim, esteve no célebre conciliábulo da chácara da Floresta, para o plano de 30 de Julho. Aí se declarou contrário ao golpe de Estado; mas comprometeu-se a, na Assembleia, não combater a medida, se a maioria dos presentes a aceitasse. No entanto, no dia seguinte, rompe o debate sobre a proposta, logo combatida pela oposição, restauradora, e os poucos conservadores confessos – Martim Francisco, Rebouças, Calmon, Montezuma... e quando menos se espera, como um punhal pelas costas, rompe o gaguejar de Hermeto combatendo a medida... Ninguém se espantou mais do que Evaristo, que, aliás, também havia impugnado a ideia, mas com ela se conformara, comprometendo-se a defendê-la, porque assim o determinara o voto da maioria. Carneiro Leão nada valia, até então; mas tivera o grande mérito do faro: descobrira que os moderados, depois de tantos agachamentos diante do Senado, e já desfalcados dos exaltados, não eram mais capazes de resistir à reação, e teriam de ceder, ou retirar-se... E como ele não se queria retirar, nem perder as posições ocupadas, fez fogo no flanco descoberto dos correligionários, e os obrigou a renderem-se. Ganhou, com esta façanha, um lugar no ministério que nesse dia se formou. Os companheiros, inclusive Vasconcelos, mais comedido em baixezas, passaram a tratá-lo de – traidor. Os eleitores mineiros chegaram a cassar-lhe o mandato, depois da revolta restauradora de Minas, e a que ele dera aquiescência.126  Como


126 O gabinete de 19 de setembro de 1837 foi ostensivamente conservador. Chichorro da Gama e Aureliano Coutinho estiveram com Feijó para o golpe de Estado... Que consciência e que convicções!...


governo, foi publicamente acusado, pelos próprios moderados, documentadamente – de despótico, arbitrário perseguidor e injusto... Por tudo isso, como ainda restavam pudores políticos, Hermeto teve de demitir-se, no fim de cinco meses, apenas. E ficou desocupado, quase esquecido, até que, com a eleição de Feijó para Regente, Vasconcelos julgou oportuno utilizá-lo na inexorável oposição que fazia ao governo. Foi quando organizou o seu partido conservador, onde lhe deu lugar de destaque, tanto mais merecido quanto era certo que, desde o seu tempo de liberal, já Hermeto fazia política com o futuro Itaboraí. Destarte, para a política de então, ele, Hermeto, trazia processos e qualidades que eram outras tantas vantagens. Contudo, Vasconcelos nunca o teve em confiança. Ministro de Araújo Lima, preferiu deixá-lo na Câmara, com a missão de ensaiar os ataques à interpretação. Estava às ordens de Vasconcelos, sem meios de fazer obra por si, tanto que, assim, foi apanhado em política hostil ao arranjo da maioridade. Vasconcelos deitou manifesto, e Hermeto apenas se encolheu, como que a protestar: estava, de coração, com a revolução vencedora. Por isso mesmo, em 1842, puseram-no na presidência da província do Rio de Janeiro – em prevenção contra os revolucionários liberais. Como ainda havia espírito cívico, a sua província não o reelegeu. Mas não tardou que o governo dos conservadores atamancasse uma eleição de senador, para dar-lhe o lugar vitalício. Estava garantida a sua sorte: logo depois, foi chefe de Governo, e, em 1849, encarregou-se de acabar com os liberais da Revolução Praieira, como presidente da respectiva província. Daí por diante, alternadamente com Olinda, foi o realizador constante da degradação política nacional. Teve todas as naturais recompensas: em 1852, visconde, em 1854, marquês... Estava na plena expansão do seu gênio, cuja obra-mestra foi a decantada reconciliação, partido único, de usufrutuários... Foi uma escola política, a mais caracterizada que tem havido no Brasil, e tanto que, hoje, nos principais estados da Federação brasileira também se faz a política com um só partido – usufrutuário. Na literatice política do tempo, trataram a Hermeto de – cético; ele se abespinhou, no íntimo considerava-se sincero, crente sincero de que política era aquilo mesmo. É notável! Hoje, exalta-se o Marquês de Paraná como um dos raros chefes autônomos em face do trono... O fato serve para dar ideia do quanto desceu o nível dos caracteres.

Dentre os secundários daqueles tempos, há alguns que merecem ter o nome reparado. Seja um Paula e Sousa, liberal de sempre, desde os dias da Constituinte, e com quem, assim, todos contavam. Seria um exemplo, se na hora augusta de 1842, quando tudo fazia acreditar que ele estaria com os revolucionários da sua terra (até o prenderam), não tivesse renegado os companheiros, ao invés dos Feijó e Vergueiro.

Bem diferente é Ferreira França, que leva a coerência democrática até o ponto de apresentar projetos de federação, de libertação dos filhos da mulher escrava. Os Hermeto e Vasconcelos não permitiram que a matéria fosse aceita para discussão. Nesse mesmo tempo, França expunha da tribuna a sua ideia de uma assembleia internacional de nações livres. Por tudo isso, repetidamente eleito senador pela sua província, nunca foi escolhido pela coroa.

Cite-se, também – França Leite, o democrata da chácara da Floresta, e que, em 1842, foi um dos seis liberais deportados para o estrangeiro, pelo Império.

Cite-se ainda – Martiniano de Alencar, republicano de 1817, deputado às cortes, deputado da Constituinte, da Confederação do Equador, perseguido... Deputado em 1830, para oposição ao Império... sempre amigo de Feijó... nunca aceitou ser ministro... Senador, continuou coerente com o seu passado, e, por isso, em 1842, foi preso. Antes, resistira à política da lei de Interpretação; depois, foi contra a conciliação de Paraná... Toma-lhe o rastro Teófilo Otoni, o liberal que também redimiu o erro de 1840... E quase não há mais a citar, dos homens que efetivamente foram fatores, pois que Araújo Viana, Rodrigues Torres, Fernandes Pinheiro, Calmon, Aureliano Coutinho... quando não foram meros caudatários, mais ou menos interesseiros de uma política por outros organizada, avolumavam-se em camarilhas de aulicismo, como essa que celebrizou Sepetiba!...




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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."

Cecília Costa Junqueira



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O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).


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