Baudelaire - Pequenos Poemas em Prosa
XLIII
ATIRADOR GALANTE
Quando o carro atravessou o bosque, ele fê-lo parar perto de um tiro, dizendo que lhe seria agradável atirar algumas balas para matar o tempo. Matar esse monstro, não será a ocupação mais comum e mais legítima de cada um? Ofereceu galantemente a mão à companheira, deliciosa e execrável mulher, essa mulher misteriosa a quem ele deve tantos prazeres, tantos sofrimentos e talvez mesmo uma grande parte do seu gênio.
Várias balas passaram longe do ponto visado, indo uma alojar-se no teto. A encantadora criatura ria-se perdidamente, zombando da inabilidade do esposo. Então, este voltou-se bruscamente para ela e lhe disse: — Olhe para aquela boneca, lá longe, à direita, com o nariz para cima e um ar tão insolente. Pois bem, querida, imagine que é você! E, fechando os olhos, deu no gatilho. A boneca foi lindamente decapitada.
Depois, inclinando-se para a companheira, sua deliciosa e execrável mulher, sua Musa impiedosa e inevitável, beijou-lhe respeitosamente a mão e acrescentou: — Ah! Anjo querido! Como lhe agradeço minha habilidade!
XLIV
A SOPA E AS NUVENS
Minha travessa companheira servia-me o jantar e, enquanto isso, pela janela aberta da sala, eu contemplava as arquiteturas movediças que Deus formou com os vapores; maravilhosas construções do impalpável. E dizia em minha contemplação: — Todas essas fantasmagorias são quase tão belas quanto minha linda companheira, a pequena louca monstruosa de olhos verdes.
De repente, recebi um violento soco nas costas e ouvi uma voz rouca e encantadora, uma voz histérica e enrouquecida pela aguardente, a voz de minha querida companheirinha, que me disse: — Vá logo tomar sua sopa, seu mercador de nuvens!
XLV
O TIRO E O CEMITÉRIO
Em frente ao cemitério, Estaminet (39) Letreiro esquisito, — diz consigo o nosso passeador, — mas próprio para despertar a sede! Certamente, o dono desse cabaré sabe apreciar Horácio (40) e os poetas discípulos de Epicuro (41). Talvez mesmo conheça o refinamento profundo dos antigos egípcios, que não admitiam banquete sem esqueleto, ou outro símbolo qualquer da brevidade da vida.
Entrou, bebeu uma garrafa de cerveja diante dos túmulos e fumou vagarosamente um charuto. Depois, teve a extravagância de ir até ao cemitério, onde o mato era alto e convidativo, e onde reinava um riquíssimo sol.
A luz e o calor eram causticantes. Dir-se-ia que o sol embriagado espojava-se todo sobre um tapete de flores magníficas fertilizadas pela destruição. Um imenso burburinho de vida, — a vida dos infinitamente pequenos, — enchia o espaço cortado a intervalos regulares pela crepitação dos disparos de um tiro vizinho, que ressoavam como o espocar das garrafas de champagne no gorjeio de uma sinfonia em surdina.
Então, sob o sol que lhe esquentava o cérebro e na atmosfera dos ardentes perfumes da Morte, ouviu uma voz cochichar debaixo do túmulo em que se sentara. Essa voz dizia: — Malditos sejam vossos alvos e vossas carabinas, oh vivos turbulentos, que tão pouco vos importais com os defuntos e o seu divino repouso! Malditas sejam as vossas ambições, malditos os vossos planos, oh mortais impacientes, que vindes aprender a arte de matar junto ao santuário da Morte! Se soubésseis como é fácil ganhar o prêmio, como é fácil alcançar o fim, e como tudo é nada, exceto a Morte, não vos fatigaríeis tanto, oh laboriosos viventes, e perturbaríeis menos o sono dos que há tanto tempo puseram no Fim o único fim verdadeiro da detestável vida!
Notas
(39) Cabaré situado na estrada de Bruxelas a Necle.
(40) Célebre poeta latino, que fazia consistir a felicidade no uso moderado dos bens da vida.
(41) Filósofo grego, que ensinava que o prazer é o supremo bem do homem e que todos os nossos esforços devem tender a obtê-lo.
Depois, inclinando-se para a companheira, sua deliciosa e execrável mulher, sua Musa impiedosa e inevitável, beijou-lhe respeitosamente a mão e acrescentou: — Ah! Anjo querido! Como lhe agradeço minha habilidade!
XLIV
A SOPA E AS NUVENS
Minha travessa companheira servia-me o jantar e, enquanto isso, pela janela aberta da sala, eu contemplava as arquiteturas movediças que Deus formou com os vapores; maravilhosas construções do impalpável. E dizia em minha contemplação: — Todas essas fantasmagorias são quase tão belas quanto minha linda companheira, a pequena louca monstruosa de olhos verdes.
De repente, recebi um violento soco nas costas e ouvi uma voz rouca e encantadora, uma voz histérica e enrouquecida pela aguardente, a voz de minha querida companheirinha, que me disse: — Vá logo tomar sua sopa, seu mercador de nuvens!
XLV
O TIRO E O CEMITÉRIO
Em frente ao cemitério, Estaminet (39) Letreiro esquisito, — diz consigo o nosso passeador, — mas próprio para despertar a sede! Certamente, o dono desse cabaré sabe apreciar Horácio (40) e os poetas discípulos de Epicuro (41). Talvez mesmo conheça o refinamento profundo dos antigos egípcios, que não admitiam banquete sem esqueleto, ou outro símbolo qualquer da brevidade da vida.
Entrou, bebeu uma garrafa de cerveja diante dos túmulos e fumou vagarosamente um charuto. Depois, teve a extravagância de ir até ao cemitério, onde o mato era alto e convidativo, e onde reinava um riquíssimo sol.
A luz e o calor eram causticantes. Dir-se-ia que o sol embriagado espojava-se todo sobre um tapete de flores magníficas fertilizadas pela destruição. Um imenso burburinho de vida, — a vida dos infinitamente pequenos, — enchia o espaço cortado a intervalos regulares pela crepitação dos disparos de um tiro vizinho, que ressoavam como o espocar das garrafas de champagne no gorjeio de uma sinfonia em surdina.
Então, sob o sol que lhe esquentava o cérebro e na atmosfera dos ardentes perfumes da Morte, ouviu uma voz cochichar debaixo do túmulo em que se sentara. Essa voz dizia: — Malditos sejam vossos alvos e vossas carabinas, oh vivos turbulentos, que tão pouco vos importais com os defuntos e o seu divino repouso! Malditas sejam as vossas ambições, malditos os vossos planos, oh mortais impacientes, que vindes aprender a arte de matar junto ao santuário da Morte! Se soubésseis como é fácil ganhar o prêmio, como é fácil alcançar o fim, e como tudo é nada, exceto a Morte, não vos fatigaríeis tanto, oh laboriosos viventes, e perturbaríeis menos o sono dos que há tanto tempo puseram no Fim o único fim verdadeiro da detestável vida!
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Charles-Pierre Baudelaire (Paris, 9 de abril de 1821 — Paris, 31 de agosto de 1867) foi um poeta boémio ou dandy ou flâneur e teórico da arte francesa. É considerado um dos precursores do simbolismo e reconhecido internacionalmente como o fundador da tradição moderna em poesia, juntamente com Walt Whitman, embora tenha se relacionado com diversas escolas artísticas. Sua obra teórica também influenciou profundamente as artes plásticas do século XIX.
Nasceu em Paris a 9 de abril de 1821. Estudou no Colégio Real de Lyon e Lycée Louis-le-Grand (de onde foi expulso por não querer mostrar um bilhete que lhe foi passado por um colega).
Em 1840 foi enviado pelo padrasto, preocupado com sua vida desregrada, à Índia, mas nunca chegou ao destino. Pára na ilha da Reunião e retorna a Paris. Atingindo a maioridade, ganha posse da herança do pai. Por dois anos vive entre drogas e álcool na companhia de Jeanne Duval. Em 1844 sua mãe entra na justiça, acusando-o de pródigo, e então sua fortuna torna-se controlada por um notário.
Em 1857 é lançado As flores do mal contendo 100 poemas. O autor do livro é acusado, no mesmo ano, pela justiça, de ultrajar a moral pública. Os exemplares são apreendidos, pagando de multa o escritor 300 francos e a editora 100 francos.
Essa censura se deveu a apenas seis poemas do livro. Baudelaire aceita a sentença e escreve seis novos poemas, "mais belos que os suprimidos", segundo ele.
Mesmo depois disso, Baudelaire tenta ingressar na Academia Francesa. Há divergência, entre os estudiosos, sobre a principal razão pela qual Baudelaire tentou isso. Uns dizem que foi para se reabilitar aos olhos da mãe (que dessa forma lhe daria mais dinheiro), e outros dizem que ele queria se reabilitar com o público em geral, que via suas obras com maus olhos em função das duras críticas que ele recebia da burguesia.
Morreu prematuramente sem sequer conhecer a fama, em 1867, em Paris, e seu corpo está sepultado no Cemitério do Montparnasse, em Paris.
Nasceu em Paris a 9 de abril de 1821. Estudou no Colégio Real de Lyon e Lycée Louis-le-Grand (de onde foi expulso por não querer mostrar um bilhete que lhe foi passado por um colega).
Em 1840 foi enviado pelo padrasto, preocupado com sua vida desregrada, à Índia, mas nunca chegou ao destino. Pára na ilha da Reunião e retorna a Paris. Atingindo a maioridade, ganha posse da herança do pai. Por dois anos vive entre drogas e álcool na companhia de Jeanne Duval. Em 1844 sua mãe entra na justiça, acusando-o de pródigo, e então sua fortuna torna-se controlada por um notário.
Em 1857 é lançado As flores do mal contendo 100 poemas. O autor do livro é acusado, no mesmo ano, pela justiça, de ultrajar a moral pública. Os exemplares são apreendidos, pagando de multa o escritor 300 francos e a editora 100 francos.
Essa censura se deveu a apenas seis poemas do livro. Baudelaire aceita a sentença e escreve seis novos poemas, "mais belos que os suprimidos", segundo ele.
Mesmo depois disso, Baudelaire tenta ingressar na Academia Francesa. Há divergência, entre os estudiosos, sobre a principal razão pela qual Baudelaire tentou isso. Uns dizem que foi para se reabilitar aos olhos da mãe (que dessa forma lhe daria mais dinheiro), e outros dizem que ele queria se reabilitar com o público em geral, que via suas obras com maus olhos em função das duras críticas que ele recebia da burguesia.
Morreu prematuramente sem sequer conhecer a fama, em 1867, em Paris, e seu corpo está sepultado no Cemitério do Montparnasse, em Paris.
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Notas
(40) Célebre poeta latino, que fazia consistir a felicidade no uso moderado dos bens da vida.
(41) Filósofo grego, que ensinava que o prazer é o supremo bem do homem e que todos os nossos esforços devem tender a obtê-lo.
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