sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

histórias de avoinha: dono de gente

mulheres descalças

dono de gente
Ensaio 127Be – 2ª edição 1ª reimpressão

baitasar


continuando...




Vosmecê sabe ler, minha filha amada, coisa que sua mãe mal sabe; muito pouco, na verdade, esse era o painho da pianística, num conseguia fazê um agrado sem uma descortesia grossêra qui inté aparentava sê desmotivada da maldade do capeta, mais despertava junto do agrado o rancô do alheio; num era prudente nem respeitava as muié qui pra ele era as suas súdita da casa, ela conhece uma ou outra parte do próprio nome, assim como repara todas as letras, o dilema é quando precisa juntar tudo – as palavras e as letras –, não tem milagre que faça a torta ficar reta nem a triste ficar alegre, ou o preto ficar branco. A sua mãe fica desnorteada com um livro nas mãos, parece morta e abandonada como uma folha de papel em branco sem os riscos da pena de ganso e o reservatório de tinta.

o painho da mocinha fala como se lê e escrevê tava nas coisa qui mais fazia ou sabia fazê

Eu mesmo não sei muito bem ler e escrever, mas foi porque eu não quis.

a moça pianística oiô com o canto dusôio pra sua mãinha, sentada recatada na poltrona rosa, as mão no colo, uma notra, quase num dava pra vê se respirava, pensô qui painho num precisava sê tão rude e indelicado, Ninguém é culpado ou fiador da predileção dos outros, mas pode pintar as palavras com menos desprezo e mais simpatia, desfazendo essa postura afetada de juiz e soberano, o aceno agoniado das vista da fia num passô desafinado pru painho qui tentô uma afinação forçada das palavra já dita

É isso, mas quero deixar bem claro, pra tê cautela usava as palavra sem correria, um ôio na fia e otro na muié, quase nenhum atraso lhe trouxe para cumprir suas obrigações como a rainha do nosso lar. Jamais fingiu que não se preocupava com as suas tarefas, as duas viu qui ele tava se puxando, aquela era a sua fantasia de marido-dono: tê uma rainha pra sê o rei, dono de gente

mais num parô nisso, ele num sabia enxergá com as palavra tanto quanto atinava com a vida de soberano; num sabia usá das palavra como achava qui tinha a sabedoria dos hôme pra mandá em pretu, em vagabundo e nas muié da casa

Eu sabia quando casei com sua mãe que as negras e as misturadas têm muita dificuldade de aprender além do ofício de cuidar da casa, isso é fato. Tanto os negros como as negras não têm necessidade de leitura nem de escrever. Aprofundaram seus serviços no uso da casa e da terra com o próprio lombo, carregando e descarregando. Isso é meritório, não é para qualquer um morrer trabalhando. Os vagabundos vivem se queixando que dói aqui ou ali, tudo fita. Nunca escutei sua mãe se queixar de nada, ele falava sério, mais parecia qui tava debochando, isso é fato.

a moça pianística oiava a porta fechada e a maçaneta qui num se mexia, pensô em mentí qui precisava corrê inté o quarto dos penico, mais num sabia mentí tanto, e o feitiço de num sê dona do próprio nariz é uma doença qui enfraquece a saúde da vontade, parece tá no jeito de tudo qui entristece

Seria um desperdício a Villa contratar uma professorinha para ensinar quem não aprende porque é negro ou mulher. Vosmecê, filhinha, é uma exceção, além dos livros também está descobrindo as leituras da música. Ninguém pode lhe acusar de ser uma mocinha que empina o nariz ou uma mulatinha pobre, esfomeada e burra, sua brancura e o cabelo bom não deixam ninguém perceber seu nariz redondo e a boca grossa. Naquilo que importa puxou seu pai.

a pianística decidiu estacioná o seu avanço raivoso no painho, num tinha como passá dentro dele, num tinha estrada sobre ele, e abandono ou desprezo num abafava as palavra do soberano, ele fala fala fala falastrão, qui fale inté se acabá falando, desaparecendo no brejo como um sapo, na brisa como fumaça, na terra como as minhoca qui passa a vida comendo estrume e fazendo esterco

Minha filha, preste atenção, eu sei que seu pai é um chato, mas tudo que eu e sua mãe queremos é a sua felicidade. Escrever, ler e tocar as músicas do piano não vai lhe trazer um bom marido, isso tudo pode parecer muito bonito, e é muito bonito, a minha menina toca piano muito lindamente, mas será muito mais difícil aparecer algum jovem interessado – e que valha a pena – na sua leitura ou no seu conhecimento dos livros. Pelo contrário, isso tudo vai fechar as portas para vosmecê, minha filha amada.

os muriquinhu nada entende das moça, mais sabe desde cedo uqui qué: obediência pra mostrá prus amigo a beleza do silêncio das palavra das moça qui fica engavetada esperando a permissão pra sê entoada; enquanto os muriquinhu crescia correndo mais qui os cachorro as muriquinha aprendia cantá como os passarinho na gaiola

uma troca entre a solidão ou a gaiola num vai mudá nada  qui seja pra acordá todas manhã pra fazê as mesma coisa otra e otra veiz




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