Cruz e Sousa
Obra Completa
Volume 1
POESIA
O Livro Derradeiro
Primeiros Escritos
Cambiantes
Outros Sonetos Campesinas
Dispersas
Julieta dos Santos
OUTROS SONETOS
SÍMILES
(Desterro)
Pedro traiu a fé do Apostolado.
Madalena chorou de arrependida;
E nessa mágoa triste e indefinida
Havia ainda uns laivos de pecado.
Tudo que a Bíblia tinha decretado,
Tudo que a Bíblia tinha decretado,
Tudo o que a lenda humilde e dolorida
De Jesus Cristo apregoou na vida
Cumpriu-se à risca, foi executado.
O filho-Deus da cândida Maria,
O filho-Deus da cândida Maria,
Da flor de Jericó, na cruz sombria
Os seus dias amáveis terminou.
Pedro traiu a fé dos companheiros.
Pedro traiu a fé dos companheiros.
Madalena chorou sob os olmeiros;
Jesus Cristo sofreu e... perdoou.
EXILADA
Bela viajante dos países frios
EXILADA
Bela viajante dos países frios
Não te seduzam nunca estes aspectos
Destas paisagens tropicais – secretos,
– Os teus receios devem ser sombrios.
És branca e és loura e tens os amavios
És branca e és loura e tens os amavios
Os incógnitos filtros prediletos
Que podem produzir ondas de afetos
Nos mais sensíveis corações doentios.
Loura Visão, Ofélia desmaiada,
Loura Visão, Ofélia desmaiada,
Deixa esta febre de ouro, a febre ansiada
Que nos venenos deste sol consiste.
Emigra destes cálidos países,
Emigra destes cálidos países,
Foge de amargas, fundas cicatrizes,
Das alucinações de um vinho triste...
SONETOS
Do som, da luz entre os joviais duetos,
SONETOS
Do som, da luz entre os joviais duetos,
Como uma chusma alada de gaivotas,
Vindas das largas amplidões remotas,
Batem as asas todos os sonetos.
Vão – por estradas, por difíceis rotas,
Vão – por estradas, por difíceis rotas,
Quatorze versos – entre dois quartetos
E duas belas e luzidas frotas
Rijas, seguras, de mais dois tercetos.
Com a brunida lâmina da rima,
Com a brunida lâmina da rima,
Vão céus radiosos, horizonte acima,
Pelas paragens límpidas, gentis,
Atravessando o campo das quimeras,
Atravessando o campo das quimeras,
Aberto ao sol das flóreas primaveras,
Todo estrelado de áureos colibris.
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XIX
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XX
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXI - Ave! Maria
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXIII - Decadentes
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De fato, a inteligência, criatividade e ousadia de Cruz e Sousa eram tão vigorosos que, mesmo vítima do preconceito racial e da sempiterna dificuldade em aceitar o novo, ainda assim o desterrense, filho de escravos alforriados, João da Cruz e Sousa, “Cisne Negro” para uns, “Dante Negro” para outros, soube superar todos os obstáculos que o destino lhe reservou, tornando-se o maior poeta simbolista brasileiro, um dos três grandes do mundo, no mesmo pódio onde figuram Stephan Mallarmé e Stefan George. A sociedade recém-liberta da escravidão não conseguia assimilar um negro erudito, multilíngue e, se não bastasse, com manias de dândi. Nem mesmo a chamada intelligentzia estava preparada para sua modernidade e desapego aos cânones da época. Sua postura independente e corajosa era vista como orgulhosa e arrogante. Por ser negro e por ser poeta foi um maldito entre malditos, um Baudelaire ao quadrado. Depois de morrer como indigente, num lugarejo chamado Estação do Sítio, em Barbacena (para onde fora, às pressas, tentar curar-se de tuberculose), seu
corpo foi levado para o Rio de Janeiro graças à intervenção do abolicionista José do Patrocínio, que cuidou para que tivesse um enterro cristão, no cemitério São João Batista.
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