Honoré de Balzac - A Comédia Humana / Vol 1
1
Estudos de Costumes
- Cenas da Vida Privada
O Baile de Sceaux
A Henri Balzac, [46] seu irmão
Honoré
(Parte 6)
continuando...
Chegou o dia do baile: Clara Longueville e o irmão, que os lacaios teimavam em agraciar com a nobre partícula, foram dele os heróis. Pela primeira vez na vida, a srta. de Fontaine viu com prazer o triunfo de uma moça. Prodigalizou com sinceridade a Clara essas carícias graciosas e as pequenas atenções que as mulheres só se tributam, geralmente, entre si, para excitar o ciúme dos homens. Mas Emília tinha uma finalidade: queria descobrir segredos. A reserva da srta. Longueville foi pelo menos igual à do irmão, mas na sua qualidade de moça mostrou, talvez, mais sutileza e espírito do que ele, porquanto nem sequer teve a aparência de ser discreta e soube manter a conversa em torno de assuntos estranhos aos interesses materiais, conquanto pondo neles uma tão grande sedução que a srta. de Fontaine concebeu um quê de inveja e apelidou Clara de Sereia. Embora Emília tivesse formado o propósito de fazer Clara falar, foi Clara quem interrogou Emília. Esta queria julgar a menina e de fato foi julgada por ela. Ficou por vezes despeitada por ter deixado transparecer seu caráter através de algumas respostas que lhe foram arrancadas maliciosamente por Clara, cujo ar modesto e cândido afastava qualquer suspeita de perfídia. Houve um momento em que a srta. de Fontaine pareceu aborrecida por ter invectivado imprudentemente os plebeus, em consequência a uma provocação feita por Clara.
— Senhorita — disse a encantadora criatura —, tanto ouvi Maximiliano falar na senhorita, que tinha o mais ardente desejo de conhecê-la pelo bem que quero a ele; mas querer conhecê-la não é querer amá-la?
— Minha querida Clara, tinha medo de lhe ter desagradado falando daquela forma das pessoas que não são nobres.
— Oh! Tranquilize-se. Hoje essa espécie de discussão não tem razão de ser. Quanto a mim, não me atingem, estou à margem do assunto.
Por mais pretensiosa que fosse a resposta, a srta. de Fontaine experimentou uma alegria profunda, porquanto, como todas as pessoas apaixonadas, ela interpretou como se interpretam os oráculos, no sentido que se harmonizava com os seus desejos. Voltou para as danças mais satisfeita do que nunca, contemplando Longueville, cujas formas e cuja elegância sobrepujavam talvez as do seu tipo imaginário. Sentiu mais uma satisfação considerando que ele era nobre; seus olhos cintilaram, dançou com todo o prazer que se acha na dança, quando em presença do ser a quem se ama. Nunca os dois namorados se compreenderam melhor do que naquele momento, e, por mais de uma vez, ambos sentiram a extremidade dos dedos fremir e tremer, quando as regras da contradança os uniam.
Esse belo par chegou aos começos do outono por entre festas e prazeres do campo, deixando-se suavemente levar pela corrente do mais doce sentimento que há na vida, fortificando-o por mil pequenos incidentes que todos podem imaginar. Os amores sempre se parecem em alguns pontos. Quer um, quer outro, estudavam-se reciprocamente na medida em que isso é possível quando se ama.
— Enfim, nunca um namoro se encaminhou tão prontamente para um casamento de inclinação — dizia o velho tio, que observava os dois jovens, como um naturalista examina um inseto ao microscópio.
Aquela expressão assustou o sr. e a sra. de Fontaine. O velho vendeano acabou com sua indiferença em relação ao casamento da filha, não obstante a promessa anteriormente feita. Foi a Paris em busca de informações e não as obteve. Inquieto com aquele mistério e não sabendo ainda qual o resultado do inquérito que mandara fazer por um administrador parisiense a respeito da família Longueville, julgou de seu dever prevenir a filha para que andasse com prudência. A observação paterna foi recebida com fingida obediência, na qual havia muita ironia.
— Pelo menos, Emília, se o amas não lho confesses!
— É verdade, meu pai, que o amo, mas só lhe confessarei meu amor com a sua autorização.
— Entretanto, Emília, deves lembrar-te que ignoras ainda tudo o que diz respeito à família dele e à sua situação.
— Sim, é verdade que ignoro. Mas, papai, o senhor manifestou desejos de me ver casar, deu-me liberdade de escolha; esta já está feita irrevogavelmente, que mais falta?
— Falta saber, filha, se o homem que escolheste é filho de um par de França — respondeu ironicamente o velho fidalgo.
Emília ficou um momento calada. Daí a pouco ergueu a cabeça, olhou para o pai e disse-lhe um tanto inquieta:
— Mas a família Longueville?...
— Extinguiu-se com o velho duque de Rostein-Limbourg, o qual pereceu no cadafalso em 1793. Era o último descendente do último ramo mais moço.
— Mas, papai, há ótimas casas que descendem de bastardos. A história de França está cheia de príncipes que punham barras nos seus escudos. [79]
— Vejo que tuas ideias se têm modificado bastante — disse o velho gentil homem, sorrindo.
O dia seguinte era o último que a família Fontaine devia passar no pavilhão Planat. Emília, a quem as palavras do pai haviam preocupado muito, esperou com viva impaciência a hora em que o jovem Longueville costumava vir, para dele obter uma explicação. Saiu depois do jantar e foi passear sozinha no parque, dirigindo-se para o pequeno bosque das confidências, onde sabia que o solícito rapaz a iria procurar, e, enquanto caminhava apressadamente, ia pensando no melhor modo de surpreender, sem comprometer-se, tão importante segredo, o que era coisa bastante difícil! Até o momento presente nenhuma declaração direta tinha sancionado o sentimento que a ligava ao desconhecido. Como Maximiliano, ela havia gozado das delícias de um primeiro amor, mas, tão altivos um quanto o outro, parecia que cada um deles tivesse receio de confessar seu amor.
Maximiliano Longueville, a quem Clara inspirara suspeitas bastante fundamentadas relativamente ao caráter de Emília, via-se, alternativamente, arrastado pela violência de uma paixão de rapaz e retido pelo desejo de conhecer e pôr à prova a mulher a quem deveria confiar sua felicidade. Seu amor não o impedira de verificar em Emília os preconceitos que estragavam aquele jovem caráter; mas desejava saber se era amado por ela antes de os combater, pois não queria arriscar a sorte de seu amor, tampouco a de sua vida. Mantivera-se, pois, constantemente, num silêncio que seus olhares, sua atitude e suas menores ações desmentiam. Por outro lado, o orgulho natural numa moça, aumentado ainda na srta. de Fontaine pela tola vaidade que lhe davam seu nascimento e sua beleza, impediu-a de provocar uma declaração que sua paixão crescente a induzia por vezes a solicitar. Por esse motivo os dois namorados tinham compreendido instintivamente sua situação, sem explicar um ao outro seus secretos motivos. Há momentos na vida em que a indecisão seduz as almas jovens. Pelo próprio fato de terem ambos tardado em falar, parecia que um e outro se compraziam no jogo cruel da sua expectativa. Ele procurava descobrir se era amado através do esforço que uma confissão custaria à amada; ela esperava ver a todo momento quebrado aquele silêncio demasiado respeitoso.
Sentada num banco rústico, Emília rememorava os acontecimentos decorridos naqueles três meses encantadores. As suspeitas manifestadas pelo pai eram os últimos temores que a podiam atingir, e ela própria os suprimiu, mediante dois ou três desses argumentos de rapariga inexperiente, argumentos que lhe pareceram decisivos. Antes de mais nada, conveio consigo mesma ser impossível ter se enganado. Durante toda a estação no campo, não pudera descobrir em Maximiliano nem um único gesto, nem uma só palavra que indicassem uma origem ou ocupações vulgares; muito pelo contrário, seu modo de discutir revelava um homem interessado pelos altos destinos do país. “Ademais”, dizia ela a si mesma, “um homem de escritório, um financeiro ou um comerciante não teria tido lazeres para ficar durante toda uma estação a fazer-me a corte, em pleno campo, à sombra dos matos, deixando o tempo correr, como os nobres que têm por diante uma vida livre de afazeres.” Estava entregue a uma meditação bem mais interessante para ela do que esses pensamentos preliminares quando um leve rumorejar da folhagem fez-lhe saber que fazia algum tempo Maximiliano a estava contemplando, sem dúvida nenhuma, com admiração.
Sentada num banco rústico, Emília rememorava os acontecimentos decorridos naqueles três meses encantadores. As suspeitas manifestadas pelo pai eram os últimos temores que a podiam atingir, e ela própria os suprimiu, mediante dois ou três desses argumentos de rapariga inexperiente, argumentos que lhe pareceram decisivos. Antes de mais nada, conveio consigo mesma ser impossível ter se enganado. Durante toda a estação no campo, não pudera descobrir em Maximiliano nem um único gesto, nem uma só palavra que indicassem uma origem ou ocupações vulgares; muito pelo contrário, seu modo de discutir revelava um homem interessado pelos altos destinos do país. “Ademais”, dizia ela a si mesma, “um homem de escritório, um financeiro ou um comerciante não teria tido lazeres para ficar durante toda uma estação a fazer-me a corte, em pleno campo, à sombra dos matos, deixando o tempo correr, como os nobres que têm por diante uma vida livre de afazeres.” Estava entregue a uma meditação bem mais interessante para ela do que esses pensamentos preliminares quando um leve rumorejar da folhagem fez-lhe saber que fazia algum tempo Maximiliano a estava contemplando, sem dúvida nenhuma, com admiração.
— Não sabe que é muito malfeito surpreender dessa forma uma moça? — disse-lhe ela sorrindo.
— Principalmente quando ela está meditando em seus segredos — respondeu Maximiliano, com sutileza.
— E por que não terei eu os meus? Acaso o senhor não tem os seus?
— Estava então realmente pensando em seus segredos? — replicou ele rindo.
— Não, estava pensando nos seus. Os meus, eu os conheço.
— Mas — exclamou com ternura o rapaz, tomando o braço de Emília e pondo-o sob o seu — é bem possível que meus segredos sejam os seus, e os seus, os meus!
Depois de darem alguns passos, chegaram junto a um maciço de arbustos que as tonalidades do acaso envolviam como em uma nuvem vermelha e parda. Essa magia natural imprimiu uma certa solenidade àquele momento. O ato vivo e livre do rapaz e, principalmente, a agitação de seu coração que fervia e cujas pulsações precipitadas falavam ao braço de Emília, atiraram esta numa exaltação tanto mais penetrante quanto não era excitada senão pelos mais simples e inocentes acidentes. A reserva em que vivem as moças da alta sociedade dá uma força incrível às explosões de seus sentimentos e constitui um dos maiores perigos que as podem ameaçar quando encontram um namorado ardentemente apaixonado. Nunca os olhos de Emília e de Maximiliano haviam dito tantas dessas coisas que não se ousam dizer. Empolgados por essa embriaguez, esqueceram com facilidade as pequenas estipulações do orgulho e as frias considerações da desconfiança. Chegaram mesmo a ponto de, no começo, não se poderem exprimir, a não ser por meio de um aperto de mãos que serviu de intérprete dos seus risonhos pensamentos.
— Senhor, tenho uma pergunta a fazer-lhe — disse a srta. de Fontaine, trêmula e com voz emocionada, depois de um longo silêncio e de ter dado alguns passos com lentidão significativa. — Mas lembre-se, por favor, de que essa pergunta me é imposta de algum modo pela situação bastante estranha em que me vejo em relação à minha família.
Uma pausa aterradora para Emília sucedeu a essas palavras que ela proferira quase gaguejando. Durante o momento que durou o silêncio, essa moça tão altiva não ousou sustentar o olhar brilhante do homem a quem amava, porquanto tinha um secreto sentimento da baixeza das seguintes palavras que acrescentou:
— É nobre? Apenas proferidas essas palavras, desejou mergulhar no fundo de um lago.
— Senhorita — replicou com gravidade Longueville, cujo semblante alterado evidenciou uma espécie de dignidade severa —, prometo-lhe responder sem rodeios a essa pergunta quando a senhora tiver respondido com sinceridade à que lhe vou fazer.
Soltou o braço da moça, que repentinamente se julgou só na vida.
— Qual a sua intenção — perguntou ele — ao indagar de meu nascimento?
Ela permaneceu imóvel, fria e calada.
— Senhorita, não sigamos adiante se não nos entendemos. Amo-a — acrescentou com voz profunda e enternecida. — E então — disse a seguir, com ar alegre, quando ouviu a exclamação de felicidade que a moça não pôde conter —, por que me pergunta se sou nobre?
“Falaria ele desse modo se não o fosse?”, exclamou uma voz interior que Emília julgou brotar do fundo do coração. Ergueu graciosamente a cabeça, como que hauriu uma nova vida no olhar do rapaz, e deu-lhe novamente o braço como para pactuar uma nova aliança.
— O senhor acreditou que eu fazia muita questão de honrarias? — perguntou com maliciosa expressão.
— Não tenho títulos para oferecer à minha mulher — respondeu ele meio sério, meio rindo. — Mas, se a vou buscar numa classe elevada e entre aquelas que a fortuna paterna habituou ao luxo e aos prazeres da opulência, sei bem ao que me obriga essa escolha. O amor — acrescentou ele, alegremente — dá tudo, mas unicamente aos amantes. Quanto aos esposos, precisam de mais alguma coisa do que a cúpula celeste e o tapete dos prados.
— Não tenho títulos para oferecer à minha mulher — respondeu ele meio sério, meio rindo. — Mas, se a vou buscar numa classe elevada e entre aquelas que a fortuna paterna habituou ao luxo e aos prazeres da opulência, sei bem ao que me obriga essa escolha. O amor — acrescentou ele, alegremente — dá tudo, mas unicamente aos amantes. Quanto aos esposos, precisam de mais alguma coisa do que a cúpula celeste e o tapete dos prados.
“É rico”, pensou ela. “Quanto aos títulos, talvez seja para me experimentar! Devem ter-lhe dito que tenho a preocupação da nobreza e que eu queria casar-me com um par de França. As hipócritas de minhas irmãs devem ter-me pregado essa peça.” — Asseguro-lhe, senhor — disse em voz alta —, que tive ideias bem exageradas a respeito da vida e da sociedade, mas hoje — continuou ela intencionalmente e lançando-lhe um olhar capaz de o enlouquecer — sei onde estão, para uma mulher, as verdadeiras riquezas.
— Tenho necessidade de crer que está falando sinceramente — respondeu ele com terna gravidade. — Mas este inverno, querida Emília, talvez daqui a menos de dois meses, sentir-me-ei orgulhoso do que lhe poderei oferecer, se almeja os gozos da fortuna. Será esse o único segredo que conservarei aqui — disse ele apontando para o coração —, pois desse êxito dependerá a minha felicidade, não me animo a dizer a nossa.
— Oh! Diga, diga!
Foi por entre ternos murmúrios que, a passos lentos, voltaram para reunir-se no salão. Nunca a srta. de Fontaine achou seu pretendente mais amável nem mais espirituoso; suas formas esbeltas, seus modos insinuantes pareceram-lhe ainda mais encantadores, depois de uma conversação que vinha, de algum modo, confirmar-lhe a posse de um coração digno de ser invejado por todas as mulheres. Cantaram um dueto italiano com tanta expressão que toda a assistência aplaudiu com entusiasmo. A despedida foi feita sob uma aparência convencional que ocultava a felicidade de ambos. Enfim, aquele dia tornou-se para a jovem como uma corrente que a prendia mais estreitamente ainda ao destino do desconhecido. A força e a dignidade que ele demonstrara, na cena em que se haviam revelado seus sentimentos, tinham, talvez, imposto à srta. de Fontaine esse respeito sem o qual não existe verdadeiro amor. Quando ficou só no salão com o pai, o venerável vendeano dirigiu-se a ela, tomou-lhe afetuosamente as mãos e perguntou-lhe se obtivera qualquer esclarecimento a respeito da fortuna e da família do sr. Longueville.
— Sim, meu querido pai, sou mais feliz do que poderia desejar. Numa palavra, o senhor Longueville é o único homem que me convém para marido.
— Está bem, Emília, sei o que me resta a fazer.
— Sabe de algum obstáculo? — perguntou ela com verdadeira ansiedade.
— Minha querida filha, esse moço é absolutamente desconhecido, mas, a menos que seja um tratante, uma vez que o amas, ele me é tão caro como um filho.
— Um tratante? — replicou Emília.
— É coisa que não me passa pela cabeça. Meu tio, que foi quem o apresentou, poderá responder por ele. Diga, querido tio, foi ele alguma vez aventureiro, pirata, corsário?
— Eu bem vi que ia meter-me nessa — exclamou o velho marinheiro, despertando.
Percorreu o salão com o olhar, mas a sobrinha tinha desaparecido como um fogo de santelmo, segundo sua expressão habitual.
— E então, meu tio — indagou o sr. de Fontaine —, como pôde ocultar-nos tudo o que sabia a respeito desse rapaz? Entretanto, deve ter visto a nossa inquietação. O sr. de Longueville é de boa família?
— Não o conheço nem por parte de Eva nem por parte de Adão! — exclamou o conde de Kergarouët. — Fiando-me no tato dessa louquinha, trouxe-lhe o seu SaintPreux [80] por um meio cá do meu conhecimento. Sei que esse rapaz atira de pistola admiravelmente, caça muito bem, joga bilhar maravilhosamente e também xadrez e gamão; faz esgrima e monta a cavalo como o falecido cavaleiro de SaintGeorges. [81] Tem uma sólida erudição sobre os nossos vinhedos. Calcula como Barême, [82] desenha, dança e canta bem. Com os diabos, que querem mais vocês? Se isso não é um perfeito gentil-homem, mostrem-me um burguês que saiba tudo isso, procurem um homem que viva tão nobremente como ele! Trabalha ele em qualquer coisa? Compromete ele sua dignidade correndo pelas repartições, curvando-se diante desses arrivistas que vocês denominam diretores-gerais? Ele marcha em linha reta. É um homem. Mas, afinal, acabo de encontrar no bolso do meu colete o cartão de visita que ele me deu quando pensou que eu queria cortar-lhe o pescoço, pobre inocente! A mocidade de hoje não é nada esperta. Tome, aqui está.
— Rue du Sentier, nº 5 — disse o sr. de Fontaine, procurando lembrar-se, entre as informações que recebera, da que se podia referir ao jovem desconhecido. — Que diabo isso pode significar? Os senhores Palma, Werbrust e companhia, cujo negócio principal é o de musselinas, telas de algodão e fazendas estampadas por atacado moram lá. Bem, já sei: Longueville, o deputado, tem interesse na casa. Sim, mas Longueville, pelo que sei, só tem um filho de trinta e dois anos, que não se parece em nada ao nosso e ao qual ele dá cinquenta mil libras de renda, a fim de o fazer casar com a filha de um ministro; como todos, quer ser par de França. Nunca o ouvi falar desse Maximiliano. Terá ele uma filha? Quem é essa Clara? Ademais, qualquer aventureiro pode chamar-se Longueville. Mas a casa Palma, Werbrust e companhia não está meio arruinada por uma especulação no México ou na Índia? Vou esclarecer isso tudo.
— Estás falando sozinho como se estivesses num teatro e pareces considerar-me um zero — disse o velho marujo, de repente. — Não sabes acaso que se ele é gentil-homem tenho nas minhas escotilhas mais de um fardo para compensar a sua falta de fortuna?
— Quanto a isso, se ele é filho de Longueville, não precisa de nada; mas — continuou o sr. de Fontaine meneando a cabeça — o pai dele nem sequer comprou sabão para começar a tirar a casca de plebeu. [83] Antes da Revolução ele era procurador, e o “de” que ele agregou ao nome depois da Restauração pertence-lhe tanto como a metade da fortuna que tem.
— Ora, ora! Felizes aqueles cujos pais foram enforcados — exclamou alegremente o marujo.
Continua...
Honoré de Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada - Ao "Chat-Qui-Pelote" (fim)
Honoré de Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: O Baile de Sceaux (01)
Honoré de Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: O Baile de Sceaux (02)
Honoré de Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: O Baile de Sceaux (03)
Honoré de Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: O Baile de Sceaux (04)
Honoré de Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: O Baile de Sceaux (05)
Honoré de Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: O Baile de Sceaux (07)
Continua...
_____________________
Honoré de Balzac (Tours, 20 de maio de 1799 — Paris, 18 de agosto de 1850) foi um produtivo escritor francês, notável por suas agudas observações psicológicas. É considerado o fundador do Realismo na literatura moderna.[1][2] Sua magnum opus, A Comédia Humana, consiste de 95 romances, novelas e contos que procuram retratar todos os níveis da sociedade francesa da época, em particular a florescente burguesia após a queda de Napoleão Bonaparte em 1815.
Entre seus romances mais famosos destacam-se A Mulher de Trinta Anos (1831-32), Eugènie Grandet (1833), O Pai Goriot (1834), O Lírio do Vale (1835), As Ilusões Perdidas (1839), A Prima Bette (1846) e O Primo Pons (1847). Desde Le Dernier Chouan (1829), que depois se transformaria em Les Chouans (1829, na tradução brasileira A Bretanha), Balzac denunciou ou abordou os problemas do dinheiro, da usura, da hipocrisia familiar, da constituição dos verdadeiros poderes na França liberal burguesa e, ainda que o meio operário não apareça diretamente em suas obras, discorreu sobre fenômenos sociais a partir da pintura dos ambientes rurais, como em Os Camponeses, de 1844.[1] Além de romances, escreveu também "estudos filosóficos" (como A Procura do Absoluto, 1834) e estudos analíticos (como a Fisiologia do Casamento, que causou escândalo ao ser publicado em 1829).
Balzac tinha uma enorme capacidade de trabalho, usada sobretudo para cobrir as dívidas que acumulava.[1] De certo modo, suas despesas foram a razão pela qual, desde 1832 até sua morte, se dedicou incansavelmente à literatura. Sua extensa obra influenciou nomes como Proust, Zola, Dickens, Dostoyevsky, Flaubert, Henry James, Machado de Assis, Castelo Branco e Ítalo Calvino, e é constantemente adaptada para o cinema. Participante da vida mundana parisiense, teve vários relacionamentos, entre eles um célebre caso amoroso, desde 1832, com a polonesa Ewelina Hańska, com quem veio a se casar pouco antes de morrer.
_____________________
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)
(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)
Balzac, Honoré de, 1799-1850.
A comédia humana: estudos de costumes: cenas da vida privada / Honoré de Balzac; orientação, introduções e notas de Paulo Rónai; tradução de Vidal de Oliveira; 3. ed. – São Paulo: Globo, 2012.
(A comédia humana; v. 1) Título original: La comédie humaine ISBN 978-85-250-5333-1 0.000 kb; ePUB
1. Romance francês i. Rónai, Paulo. ii. Título. iii. Série.
12-13086 cdd-843
Índices para catálogo sistemático:
1. Romances: Literatura francesa 843
____________________
[79]Príncipes que punham barras nos seus escudos: a barra ou contrabanda era usada para denotar bastardia. Consiste num listão que atravessa diagonalmente o escudo, do ângulo superior esquerdo para a direita da ponta.
[80]Saint-Preux: herói da Nova Heloísa de Rousseau, é o tipo do amante apaixonado.
[81]O cavaleiro de Saint-Georges: personagem real, era um homem de cor, de estatura imponente e feições bonitas, capitão de guardas, muito popular, principalmente por sua habilidade na música e na esgrima. Na novela anterior, no entanto, o sr. Guillaume se queixa das peças que ele pregou à casa “Chat-qui-pelote”, deixando de pagar as fazendas que lá comprara.
[82]Barême era o autor de um livro de cálculos já prontos, publicado em 1670, e que se tornou tão popular que o nome do autor ficou, na língua, como substantivo comum para designar qualquer livrinho de cálculos feitos, de uso prático.
[83] Sabão para tirar a casca de plebeu: tradução da conhecida expressão francesa “savonnette à vilain”, que servia para designar certos cargos acessíveis aos parvenus, mediante pagamento e comprados por estes para se enobrecerem e apagarem a mancha de sua origem modesta.
[80]Saint-Preux: herói da Nova Heloísa de Rousseau, é o tipo do amante apaixonado.
[81]O cavaleiro de Saint-Georges: personagem real, era um homem de cor, de estatura imponente e feições bonitas, capitão de guardas, muito popular, principalmente por sua habilidade na música e na esgrima. Na novela anterior, no entanto, o sr. Guillaume se queixa das peças que ele pregou à casa “Chat-qui-pelote”, deixando de pagar as fazendas que lá comprara.
[82]Barême era o autor de um livro de cálculos já prontos, publicado em 1670, e que se tornou tão popular que o nome do autor ficou, na língua, como substantivo comum para designar qualquer livrinho de cálculos feitos, de uso prático.
[83] Sabão para tirar a casca de plebeu: tradução da conhecida expressão francesa “savonnette à vilain”, que servia para designar certos cargos acessíveis aos parvenus, mediante pagamento e comprados por estes para se enobrecerem e apagarem a mancha de sua origem modesta.
Honoré de Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: O Baile de Sceaux (02)
Honoré de Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: O Baile de Sceaux (03)
Honoré de Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: O Baile de Sceaux (04)
Honoré de Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: O Baile de Sceaux (05)
Honoré de Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: O Baile de Sceaux (07)
Nenhum comentário:
Postar um comentário