Baudelaire - Pequenos Poemas em Prosa
XXXII
O TIRSO
A Franz Liszt (34)
Que é um tirso? No sentido moral e poético, é um símbolo com que os sacerdotes e sacerdotisas celebram a divindade da qual são os intérpretes e os servidores. Mas, fisicamente, é apenas um pau, um simples pau, uma estaca de lúpulo, ou um esteio de vinha, seco, duro e direito. Em volta desse pau, em meandros caprichosos, divertem-se e brincam hastes e flores, umas sinuosas e fugidias, outras pendendo como sinos ou taças derrubadas. Uma glória fantástica jorra dessa complexidade de linhas e de cores, pálidas ou brilhantes. Dir-se-ia que a linha curva e a espiral fazem a corte à linha reta e dançam ao redor de uma silenciosa adoração. Dir-se-ia que todas essas corolas delicadas, todos esses cálices, explosões de aromas e de cores, executam um místico fandango em torno do bastão hierático. Todavia, que imprudente mortal ousará decidir se as flores e os pâmpanos foram feitos para o bastão, ou se o bastão é apenas o pretexto para mostrar a beleza dos pâmpanos e das flores? O tirso é a representação da vossa maravilhosa dualidade, senhor poderoso e venerado, caro Bacante (35) da Beleza misteriosa e apaixonada. Ninfa alguma, exasperada pelo invencível Baco, sacudiu o tirso sobre as cabeças das companheiras, enlouquecidas com a energia e o capricho com que agitais o vosso gênio sobre os corações dos vossos irmãos. O bastão é a vossa vontade, reta, firme e inabalável. As flores, o passeio de vossa fantasia em torno de vossa vontade. É o elemento feminino executando em volta do macho as suas prestigiosas piruetas. Linha reta e linha arabesca, intenção e expressão, tensão da vontade, sinuosidade do verbo, unidade do fim, variedade dos meios, amálgama todo-poderoso e indivisível do gênio: que analista terá a detestável coragem de vos dividir e separar? Caro Liszt, através das brumas, para além dos rios, acima das cidades onde os pianos cantam a vossa glória, onde a imprensa traduz a vossa sabedoria, em qualquer parte que vos encontreis, nos esplendores da cidade eterna ou nas brumas dos países sonhadores que Cambrinus consola, improvisando canções alegres ou de inefável dor, ou confiando ao papel vossas meditações abstrusas, cantor da Volúpia e da Angústia eternas, filósofo, poeta e artista, eu vos saúdo na imortalidade!
XXXIII
EMBRIAGAI-VOS!
Deveis andar sempre embriagados. Tudo consiste nisso: eis a única questão. Para não sentirdes o fardo horrível do Tempo, que vos quebra as espáduas, vergando-vos para o chão, é preciso que vos embriagueis sem descanso.
Mas, com quê? Com vinho, poesia, virtude. Como quiserdes. Mas, embriagai-vos.
E se, alguma vez, nos degraus de um palácio, na verde relva de uma vala, na solidão morna do vosso quarto, despertardes com a embriaguez diminuída ou desaparecida, perguntai ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai que horas são. E o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio vos responderão: — É a hora de vos embriagardes! Para não serdes escravos martirizados do Tempo, embriagai-vos! Embriagai-vos sem cessar! Com vinho, poesia, virtude! Como quiserdes!
XXXIV
JÁ?
Cem vezes o sol jorrara, radioso ou entristecido, da cuba imensa do mar, cujas bordas mal se deixam perceber; e cem vezes tornara a mergulhar, cintilante ou melancólico, no imenso banho da noite. Havia numerosos dias, podíamos contemplar o outro lado do firmamento e decifrar o alfabeto celeste dos antípodas. Todos os passageiros gemiam e ressonavam. Dir-se-ia que a aproximação da terra exasperava-lhes o sofrimento. Diziam eles: — Quando deixaremos de dormir este sono sacudido pelas vagas, perturbado por esse vento que ronca mais alto do que nós? Quando poderemos sossegar numa poltrona imóvel? Havia os que pensavam no lar, com saudade da mulher infiel e impaciente, e da prole barulhenta. Estavam todos tão alucinados com a imagem da terra ausente, que teriam, creio, comido a erva com mais entusiasmo do que os irracionais.
Por fim, surgiu uma praia. Aproximando-nos, vimos que era uma terra magnífica, deslumbrante. Parecia que as músicas da vida se destacavam dela num vago murmúrio e que daquela costa, rica em verduras de toda espécie, se desprendia, até várias léguas, um cheiro delicioso de flores e frutos.
Logo se alegraram todos, abdicando o mau humor. Todas as rusgas foram esquecidas, todas as recíprocas ofensas perdoadas. Riscaram-se da memória os duelos marcados, e o rancor dissipou-se como fumaça.
Somente eu estava triste, inconcebivelmente triste. Como um sacerdote a quem se arrancasse sua divindade, eu não podia, sem uma aflita amargura, separar-me daquele mar tão monstruosamente sedutor, tão infinitamente variado em sua medonha simplicidade, que parece conter e representar, com suas diversões, suas maneiras, suas cóleras e seus sorrisos, os humores, as agonias e os êxtases de todas as almas que viveram, vivem e viverão! Dizendo adeus àquela beleza incomparável, eu me sentia mortalmente abatido.
Quando os meus companheiros disseram: “Enfim!”, só pude gritar: “Já?” No entanto, era a terra, a terra com seus ruídos, suas paixões, suas comodidades, suas festas. Terra rica e magnífica, cheia de promessas, que nos enviava um misterioso perfume de rosa e de musgo, e de onde as músicas da vida nos chegavam num amoroso murmúrio.
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Charles-Pierre Baudelaire (Paris, 9 de abril de 1821 — Paris, 31 de agosto de 1867) foi um poeta boémio ou dandy ou flâneur e teórico da arte francesa. É considerado um dos precursores do simbolismo e reconhecido internacionalmente como o fundador da tradição moderna em poesia, juntamente com Walt Whitman, embora tenha se relacionado com diversas escolas artísticas. Sua obra teórica também influenciou profundamente as artes plásticas do século XIX.
Nasceu em Paris a 9 de abril de 1821. Estudou no Colégio Real de Lyon e Lycée Louis-le-Grand (de onde foi expulso por não querer mostrar um bilhete que lhe foi passado por um colega).
Em 1840 foi enviado pelo padrasto, preocupado com sua vida desregrada, à Índia, mas nunca chegou ao destino. Pára na ilha da Reunião e retorna a Paris. Atingindo a maioridade, ganha posse da herança do pai. Por dois anos vive entre drogas e álcool na companhia de Jeanne Duval. Em 1844 sua mãe entra na justiça, acusando-o de pródigo, e então sua fortuna torna-se controlada por um notário.
Em 1857 é lançado As flores do mal contendo 100 poemas. O autor do livro é acusado, no mesmo ano, pela justiça, de ultrajar a moral pública. Os exemplares são apreendidos, pagando de multa o escritor 300 francos e a editora 100 francos.
Essa censura se deveu a apenas seis poemas do livro. Baudelaire aceita a sentença e escreve seis novos poemas, "mais belos que os suprimidos", segundo ele.
Mesmo depois disso, Baudelaire tenta ingressar na Academia Francesa. Há divergência, entre os estudiosos, sobre a principal razão pela qual Baudelaire tentou isso. Uns dizem que foi para se reabilitar aos olhos da mãe (que dessa forma lhe daria mais dinheiro), e outros dizem que ele queria se reabilitar com o público em geral, que via suas obras com maus olhos em função das duras críticas que ele recebia da burguesia.
Morreu prematuramente sem sequer conhecer a fama, em 1867, em Paris, e seu corpo está sepultado no Cemitério do Montparnasse, em Paris.
Nasceu em Paris a 9 de abril de 1821. Estudou no Colégio Real de Lyon e Lycée Louis-le-Grand (de onde foi expulso por não querer mostrar um bilhete que lhe foi passado por um colega).
Em 1840 foi enviado pelo padrasto, preocupado com sua vida desregrada, à Índia, mas nunca chegou ao destino. Pára na ilha da Reunião e retorna a Paris. Atingindo a maioridade, ganha posse da herança do pai. Por dois anos vive entre drogas e álcool na companhia de Jeanne Duval. Em 1844 sua mãe entra na justiça, acusando-o de pródigo, e então sua fortuna torna-se controlada por um notário.
Em 1857 é lançado As flores do mal contendo 100 poemas. O autor do livro é acusado, no mesmo ano, pela justiça, de ultrajar a moral pública. Os exemplares são apreendidos, pagando de multa o escritor 300 francos e a editora 100 francos.
Essa censura se deveu a apenas seis poemas do livro. Baudelaire aceita a sentença e escreve seis novos poemas, "mais belos que os suprimidos", segundo ele.
Mesmo depois disso, Baudelaire tenta ingressar na Academia Francesa. Há divergência, entre os estudiosos, sobre a principal razão pela qual Baudelaire tentou isso. Uns dizem que foi para se reabilitar aos olhos da mãe (que dessa forma lhe daria mais dinheiro), e outros dizem que ele queria se reabilitar com o público em geral, que via suas obras com maus olhos em função das duras críticas que ele recebia da burguesia.
Morreu prematuramente sem sequer conhecer a fama, em 1867, em Paris, e seu corpo está sepultado no Cemitério do Montparnasse, em Paris.
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Leia também:
Baudelaire: XXXII O Tirso
Baudelaire: XXXV As Janelas
Baudelaire: XXXV As Janelas
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(34) Franz LISZT (1811-1886), grande compositor e pianista húngaro.
(35) As bacantes eram sacerdotisas que celebravam os mistérios do culto de Baco. Corriam ao acaso, desgrenhadas, coroadas de hera e de ramos de vinha, com o tirso em punho, dançando e soltando gritos discordantes. Essas festas, denominadas bacanais, eram antigamente celebradas no Egito e na Grécia e foram depois introduzidas em Roma, onde originaram desordens e escândalos, a que o senado teve que pôr cobro (186 a.c.).
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