Machado de Assis
Dom Casmurro
Capítulo LXXXIII
O Retrato
Gurgel tornou à sala e disse a Capitu que a filha chamava por ela. Eu levantei-me depressa e não achei compostura; metia os olhos pelas cadeiras. Ao contrário, Capitu ergueu-se naturalmente e perguntou-lhe se a febre aumentara.
– Não, disse ele.
Nem sobressalto nem nada, nenhum ar de mistério da parte de Capitu; voltou-se para mim, e disse-me que levasse lembranças a minha mãe e a prima Justina, e que até breve; estendeu-me a mão e enfiou pelo corredor. Todas as minhas invejas foram com ela. Como era possível que Capitu se governasse tão facilmente e eu não?
– Está uma moça, observou Gurgel olhando também para ela.
Murmurei que sim. Na verdade, Capitu ia crescendo às carreiras, as formas arredondavam-se e avigoravam-se com grande intensidade; moralmente, a mesma coisa. Era mulher por dentro e por fora, mulher à direita e à esquerda, mulher por todos os lados, e desde os pés até a cabeça. Esse arvorecer era mais apressado, agora que eu a via de dias a dias; de cada vez que vinha a casa achava-a mais alta e mais cheia; os olhos pareciam ter outra reflexão, e a boca outro império. Gurgel, voltando-se para a parede da sala, onde pendia um retrato de moça, perguntou-me se Capitu era parecida com o retrato.
Um dos costumes da minha vida foi sempre concordar com a opinião provável do meu interlocutor, desde que a matéria não me agrava, aborrece ou impõe. Antes de examinar se efetivamente Capitu era parecida com o retrato, fui respondendo que sim. Então ele disse que era o retrato da mulher dele, e que as pessoas que a conheceram diziam a mesma coisa. Também achava que as feições eram semelhantes, a testa principalmente e os olhos. Quanto ao gênio, era um; pareciam irmãs.
– Finalmente, até a amizade que ela tem a Sanchinha; a mãe não era mais amiga dela... Na vida há dessas semelhanças assim esquisitas.
______________
Texto de referência:
Obras Completas de Machado de Assis, vol. I,
Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994.
Publicado originalmente pela Editora Garnier, Rio de Janeiro, 1899.
_____________________
Leia também:
Dom Casmurro: Capítulo LXXV / O Desespero
Dom Casmurro: Capítulo LXXVI / Explicação
Dom Casmurro: Capítulo LXXVII / Prazer das Dores Velhas
Dom Casmurro: Capítulo LXXVIII / Segredo por Segredo
Dom Casmurro: Capítulo LXXIX / Vamos ao Capítulo
Dom Casmurro: Capítulo LXXX / Venhamos ao Capítulo
Dom Casmurro: Capítulo LXXXI / Uma Palavra
Dom Casmurro: Capítulo LXXXII / O Canapé
Dom Casmurro: Capítulo LXXXIV / Chamado
Dom Casmurro: Capítulo LXXVI / Explicação
Dom Casmurro: Capítulo LXXVII / Prazer das Dores Velhas
Dom Casmurro: Capítulo LXXVIII / Segredo por Segredo
Dom Casmurro: Capítulo LXXIX / Vamos ao Capítulo
Dom Casmurro: Capítulo LXXX / Venhamos ao Capítulo
Dom Casmurro: Capítulo LXXXI / Uma Palavra
Dom Casmurro: Capítulo LXXXII / O Canapé
Dom Casmurro: Capítulo LXXXIV / Chamado
Nenhum comentário:
Postar um comentário