segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Dom Casmurro: O Canapé

Machado de Assis

Dom Casmurro






Capítulo LXXXII

O Canapé





Deles, só o canapé pareceu haver compreendido a nossa situação moral, visto que nos ofereceu os serviços da sua palhinha, com tal insistência que os aceitamos e nos sentamos. Data daí a opinião particular que tenho do canapé. Ele faz aliar a intimidade e o decoro, e mostra a casa toda sem sair da sala. Dois homens sentados nele podem debater o destino de um império, e duas mulheres a graça de um vestido; mas, um homem e uma mulher só por aberração das leis naturais dirão outra coisa que não seja de si mesmos. Foi o que fizemos, Capitu e eu. Vagamente lembra-me que lhe perguntei se a demora ali seria grande...

– Não sei; a febre parece que cede... mas...

Também me lembra, vagamente, que lhe expliquei a minha visita à Rua dos Inválidos, com a pura verdade, isto é, a conselho de minha mãe.

– Conselho dela? murmurou Capitu.

E acrescentou com os olhos, que brilhavam extraordinariamente:

– Seremos felizes!

Repeti estas palavras, com os simples dedos, apertando os dela. O canapé, quer visse ou não, continuou a prestar os seus serviços às nossas mãos presas e às nossas cabeças juntas ou quase juntas.






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Texto de referência:

Obras Completas de Machado de Assis, vol. I,
Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994.

Publicado originalmente pela Editora Garnier, Rio de Janeiro, 1899.

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