quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

XXXII – Mitologia dos Orixás: Oxaguiã [278] [280]

Oxaguiã

Reginaldo Prandi



Oxaguiã inventa o pilão



Oxalá, rei de Ejigbô, vivia em guerra. ele tinha muitos nomes, uns o chamavam de Elemoxó, outros de Ajagunã, ou ainda Aquinjolê, filho de Oguiriniã.

Gostava de guerrear e de comer. Gostava de uma mesa farta. Comia caracois, canjica, pombos brancos, mas gostava mais de inhame amassado. Jamais se sentava para comer se faltasse inhame. Seus jantares estavam sempre atrasados, pois era muito demorado preparar o inhame.

Elejigbô, o rei de Ejigbô, estava assim sempre faminto, sempre castigando as cozinheiras, sempre chegando tarde para fazer a guerra.

Oxalá então consultou os babalaôs, fez suas oferendas a Exu e trouxe para a humanidade uma nova invenção. O rei de Ejigbô inventou o pilão e com o pilão ficou mais fácil preparar o inhame e Elejigbô pode se fartar e fazer todas as suas guerras.

Tão famoso ficou o rei por seu apetite pelo inhame que todos agora o chamam de “Orixá-Comedor-de-Inhame-Pilado”, o mesmo que Oxaguiã na língua do lugar.

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Oxaguiã manda libertar o amigo preso injustamente



O filho de Oxalufã tornou-se um guerreiro forte e decidiu um dia conquistar um reino seu rei, Elejigbô. O rei tinha uma grande paixão, comer inhame pilado. E comia com gula, tanto que o chamavam Oxaguiã, que quer dizer “Oxalá-Comedor-de-Inhame- Pilado”.

Um dia Auoledjê, que era um grande babalaô, precisou partir de Ejigbô. antes disso, aconselhou Oxaguiã que fizesse oferendas, que tornariam o reino próspero. Assim, como previa Auoledjê, Ejigbô tornou-se uma grande cidade, rica e bem guardada pelos bravos soldados de Oxaguiã. O rei Elejigbô vivia em fausto entre seus súditos, por quem era chamado de “Kabiyesi”, que é o mesmo que Sua Majestade. Na intimidade os amigos o chamavam de “Comedor-de-Inhame-Pilado”, mas em público isso era uma heresia.

Anos mais tarde, Auoledjê retornou a Ejigbô. Ao adentrar a cidade, procurou logo por Oxaguiã. “Onde está o Comedor-de-Inhame-Pilado?”, perguntou. Os soldados, que não o conheciam, ficaram furiosos com tamanha insolência. Isso era jeito de se referir ao rei? Prenderam e maltrataram o desconhecido amigo de Kabiyesi.

Auoledjê ressentiu-se da humilhação. Com seus poderes mágicos, vingou-se. Durante sete anos todas as catástrofes conhecidas, e não faltando a seca, assolaram o reino de Oxaguiã.

Oxaguiã, desesperado, procurou os adivinhos. E pelo oráculo eles viram a prisão de Auoledjê. Um amigo do rei estava preso injustamente. Oxaguiã correu para a prisão para libertar o velho amigo. Oxaguiã libertou-o, mas o amigo, ainda ressentido, escondeu-se na mata. Elejigbô buscou o velho amigo, suplicando seu perdão. Auoledjê cedeu com uma condição: que nunca aquele povo se esquecesse dessa injustiça. Todos os anos o povo deveria flagelar-se, em memória do funesto acontecido.

Assim, todos os anos, o rei deveria mandar muitas pessoas à floresta cortar varetas. Os súditos divididos em dois grupos, tomariam as varas, simulariam golpes uns nos outros, sem parar, até que as varetas se quebrassem. Para que nunca se esquecessem daquela injustiça praticada contra o amigo de Oxaguiã. Assim foi feito e o reino de Oxaguiã voltou a tranquilidade e Oxaguiã foi o maior dos reis de Ejigbô. Quando ele foi para o Orum, transformado em orixá, seu culto não se esqueceu do velho amigo babalaô. Com as varetas de Oxaguiã, com os atoris, seus adeptos renovam sempre a memória da injustiça, para que ela não volte a acontecer.

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Reginaldo Prandi, paulista de Potirendaba e professor titular de sociologia da Universidade de São Paulo, é autor de três dezenas de livros. Pela editora Hucitec publicou Os candomblés de São Paulo, pela Edusp, Um sopro do Espírito, e pela Cosac Naify, Os príncipes do destino. Dele, a Companhia das Letras publicou também Segredos guardados: orixás na alma brasileira; Morte nos búzios; Ifá, o Adivinho; Xangô, o Trovão; Oxumarê, o Arco-Íris; Contos e lendas afro-brasileiros: a criação do mundo; Minha querida assombração; Jogo de escolhas e Feliz Aniversário.



Prandi, Reginaldo. Mitologia dos Orixás / Reginaldo Prandi; ilustrações de Pedro Rafael. - São Paulo: Companhia das Letras, 2001.



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