Cruz e Sousa
Obra Completa
Volume 1
POESIA
O Livro Derradeiro
Primeiros Escritos
Cambiantes
Outros Sonetos Campesinas
Dispersas
Julieta dos Santos
OUTROS SONETOS
VISÃO MEDIEVA
Quando em outras remotas primaveras,
Na idade-média, sob fuscos tetos,
Dois amantes passavam, mil aspectos
Tinham aquelas medievais quimeras.
Nas armaduras rígidas e austeras,
Nas armaduras rígidas e austeras,
Na aérea perspectiva dos objetos
Andavam sonhos e visões, diletos
Segredos mortos nas extintas eras.
O fantasma do amor pelos castelos
O fantasma do amor pelos castelos
Mudo vagava entre os luares belos,
Dos corredores nas paredes frias.
Não raro se escutava um som de passos,
Não raro se escutava um som de passos,
Rumor de beijos, frêmito de abraços
Pelas caladas, fundas galerias.
ROMA PAGÃ
Na antiga Roma, quando a saturnal fremente
ROMA PAGÃ
Na antiga Roma, quando a saturnal fremente
Exerceu sobre tudo o báquico domínio,
Não era raro ver nos gozos do triclínio
A nudez feminina imperiosa e quente.
O corpo de alabastro, olímpico e fulgente,
O corpo de alabastro, olímpico e fulgente,
Lascivamente nu, correto e retilíneo,
Num doce tom de cor, esplêndido e sanguíneo,
Tinha o assombro da carne e a forma da serpente.
A luz atravessava em frocos d’oiro e rosa
Pela fresca epiderme, ebúrnea e cetinosa,
Macia, da maciez dulcíssima de arminhos.
Menos raro, porém, do que a nudez romana
Menos raro, porém, do que a nudez romana
Era ver borbulhar, em férvida espadana
A púrpura do sangue e a púrpura dos vinhos.
ESPIRITUALISMO
Ontem, à tarde, alguns trabalhadores,
ESPIRITUALISMO
Ontem, à tarde, alguns trabalhadores,
Habitantes de além, de sobre a serra,
Cavavam, revolviam toda a terra,
Do sol entre os metálicos fulgores.
Cada um deles ali tinha os ardores
Cada um deles ali tinha os ardores
De febre de lutar, a luz que encerra
Toda a nobreza do trabalho e – que erra
Só na cabeça dos conspiradores,
Desses obscuros revolucionários
Desses obscuros revolucionários
Do bem fecundo e cultural das leivas
Que são da Vida os maternais sacrários.
E pareceu-me que do chão estuante
E pareceu-me que do chão estuante
Vi porejar um bálsamo de seivas
Geradoras de um mundo mais pensante.
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Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXI - Ave! Maria
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXII - Símiles
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXIII - Decadentes
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Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXVI - Vanda
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De fato, a inteligência, criatividade e ousadia de Cruz e Sousa eram tão vigorosos que, mesmo vítima do preconceito racial e da sempiterna dificuldade em aceitar o novo, ainda assim o desterrense, filho de escravos alforriados, João da Cruz e Sousa, “Cisne Negro” para uns, “Dante Negro” para outros, soube superar todos os obstáculos que o destino lhe reservou, tornando-se o maior poeta simbolista brasileiro, um dos três grandes do mundo, no mesmo pódio onde figuram Stephan Mallarmé e Stefan George. A sociedade recém-liberta da escravidão não conseguia assimilar um negro erudito, multilíngue e, se não bastasse, com manias de dândi. Nem mesmo a chamada intelligentzia estava preparada para sua modernidade e desapego aos cânones da época. Sua postura independente e corajosa era vista como orgulhosa e arrogante. Por ser negro e por ser poeta foi um maldito entre malditos, um Baudelaire ao quadrado. Depois de morrer como indigente, num lugarejo chamado Estação do Sítio, em Barbacena (para onde fora, às pressas, tentar curar-se de tuberculose), seu
corpo foi levado para o Rio de Janeiro graças à intervenção do abolicionista José do Patrocínio, que cuidou para que tivesse um enterro cristão, no cemitério São João Batista.
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