domingo, 14 de abril de 2019

O Brasil Nação - v2: § 58 – O indianismo - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim


O Brasil Nação volume 2




SEGUNDA PARTE 
TRADIÇÕES



À glória de
CASTRO ALVES
Potente e comovida voz de revolução


capítulo 6
novo ânimo



§ 58 – O indianismo





Exaltando a beleza do que é natural a este Brasil, os nossos românticos foram até – cantar a alma que lhes aparecia como essencialmente brasileira: o Índio. E, de fato, não se compreende a realidade humana, aqui, sem os quadros das tribos que humanizavam a paisagem do primeiro Brasil, e se identificaram com a história de sua primeira formação. (1)  Se Anchieta é um marco de virtude na tradição desta pátria, o índio deve ser um motivo constante na poesia que se inspira de nós mesmos. E a prova o temos no fato de que todos os nossos grandes poetas, até ontem, tiveram carmes para ele. Além disso, desde que o nosso espírito de nacionalidade se afirmou, foi na oposição à metrópole; então, o índio, a perene reação ao português, tinha de ser cantado e amado por esses românticos, as vozes mais puras do nosso nacionalismo. E vem do primeiro. Apesar de todos os laços de família, e de que formou o seu espírito em Portugal, Gonçalves Dias os marcou: “... homens... que vivem sem pátria... trás de ouro correndo, vorazes, sedentos...” Mais explícito, ele acentua, n’Os Timbiras, o que faz a desgraça do Brasil: “América infeliz... tão ditosa antes que o mar e os ventos nos trouxessem o ferro e os cascavéis da Europa. Velho tutor e avaro cobiçou-te, desvalida pupila, a herança pingue!... Entrelaçaste os anos da mocidade em flor, às cãs e à vida do velho que já declina do leito conjugal imerecido...” Era fatal, por conseguinte, que o romantismo brasileiro buscasse uma nota de caráter, no voltar-se para o indígena. Posteriormente, críticos pseudocientíficos, num discorrer parvamente objetivo, procuraram diminuir o valor literário e nacionalizante do indianismo, negando-lhe sinceridade de emoção e realidade de vida. 



(1) M. Bomfim, O Brasil na América, cap. VI.



Tonteira de um tainismo mal digerido, desamparada de critério legítimo, essa crítica julga de uma obra que é a expressão da alma do Brasil através do romantismo, como se o Brasil não existisse, e o romantismo não fosse de românticos. Ignorância arrogante, o objetivismo crítico de 187... condenou o indianismo, por falta de inspiração e de realidade, como pastiche serôdio de Chateaubriand e Cooper, dizendo que índio não fala como Itajubá, nem sente como Iracema, e que, finalmente, o gentio de Anchieta não teve influência na formação do Brasil... Aspecto negativo, a ignorância não pode ser freio E só por isso se explicam os destemperos destes. Lá, no seu tempo, Taine foi uma atitude de reação, e nada mais. Ainda não se calara a sua voz, e já se apontavam os seus crimes como historiador, já toda gente reconhecia nas suas teorias de crítica uma vertiginosa insuficiência de quem pretende julgar de obras humanas como se elas brotassem diretamente de alimentos e climas, como se entre a natureza material e a obra do pensamento não houvesse a natureza psicossocial, com as energias e os valores que lhe são próprios. As civilizações, e tudo que a elas se prende, não são de ações diretas das forças cósmicas, mas derivações dessas mesmas energias através do espírito, ao influxo de toda a experiência humana. Isto é, as obras de pensamento são fulgurações da realidade, nas formas específicas da consciência. Se em tais críticos houvera, em vez de desabusada ostentação mental, ou puro desejo de compreender as expressões da alma brasileira e se, em vez de leituras de oitiva, houvera o real critério científico, eles teriam percebido as diferenças essenciais, entre o nosso indianismo e o dos franceses e norte-americanos. Teriam reconhecido, em Chateaubriand, o simples enlevo do romântico europeu em face do índio; o francês seduzido pelo exotismo das tribos (como sucedera aos poetas e filósofos, do século XVII), mas patenteando uma mentalidade absolutamente distinta das tradições indígenas; em Cooper, eles encontrariam mais penetração na vida do gentio, mais realidade de almas; em todo caso, verificariam na sua obra, a expressão de duas vidas paralelas: o índio, que se extingue, e o branco americanizado. Nas páginas dos nossos indianistas, há solidariedade de destinos, assimilação de ânimo, mesmo no caso em que o Índio é apresentado na pureza do seu viver primitivo, e I-Juca-Pirama exalta-nos e comove-nos, ainda mais, porque no seu heroísmo de sacrifício há alguma coisa da virtude cristã, que lhe foi infundida pelo coração do poeta, ao contemplar o índio com quem se solidariza. 

Os nossos líricos românticos foram as primeiras vozes originais, no conjunto do pensamento nacional, e, com isto, fatores decisivos nas transformações sociais e políticas do Brasil. A sua obra tem significação bem nítida na história dessas transformações, e não pode ser bem compreendida e julgada se não a referimos ao conjunto da vida nacional. Tanto vale dizer: o indianismo, nas nossas letras, é um valor definitivo, e teve causa necessária, iniludível, bem mais significativa que o simples intuito de imitação. Pastiches não teriam o tom de exaltação das obras-primas de Gonçalves Dias e Alencar, cuja inspiração primeira foi sempre o amor desta pátria. Tanto num, como no outro, a consagração do índio resultou diretamente do empenho de apurar o sentimento de nacionalidade, na linha das acentuações históricas; a tradição do indígena lhes parecia genuinamente brasileira, e banharam-se nela. Não esqueçamos que o nosso nacionalismo se definiu e acentuou em oposição ao lusitanismo: prevenção, desconfiança, malquerer, ódio, guerra ao português... eis as etapas do coração brasileiro em ânimo nacionalista. Achegamo-nos ao índio certos de que, congraçando-nos nos seus destinos, distinguimo-nos absolutamente do povo que foi a real hostilidade à afirmação da alma brasileira, o povo que, se continha a nossa história, continha-a para que ela não fosse nossa... Tentamos identificar-nos com os brasis, na crença de que neles estivesse a essência mesma do nosso americanismo. Tudo isto se explica pelas condições primeiras da nossa formação com a assimilação franca e cordial do índio. (8)  Daí resulta o contraste: nas outras sociedades neo ibéricas, mesmo onde o romantismo teve expressão bem nítida, não se conhece o indianismo. Por quê? Meditem-se nas condições que se faziam ao indígena: haveria inspiração para cantá-lo?...


(8) O Brasil na América (M. Bomfim), cap. VI.




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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."


Cecília Costa Junqueira



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Bomfim, Manoel, 1868-1932  
                O Brasil nação: vol. II / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 392 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 31).


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