quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

A Montanha Mágica - O café da manhã

Thomas Mann


A Montanha Mágica 


Capítulo III


O café da manhã


– ’dia – disse Joachim. – Que tal a sua primeira noite aqui em cima? Está satisfeito?

Já estava pronto para sair, num traje esporte e com botas de feitio sólido. Por cima do braço tinha o sobretudo, com o frasco chato a destacar-se à altura do bolso lateral. Como no dia anterior, não levava chapéu.

– Obrigado – respondeu Hans Castorp; – mais ou menos. Não quero formar uma opinião precipitada. Tive sonhos meio confusos, e além disso a casa possui um grande defeito: as paredes têm ouvidos, e isto e um pouco desagradável. Quem é aquela mulher de preto, lá no jardim?

Joachim percebeu imediatamente de quem se tratava.

– Ah, essa? É “Tous–les–deux” – disse. – Ela é chamada assim por todo o mundo, porque essas palavras são as únicas que se ouvem dela. É mexicana, sabe? Não fala alemão, e de francês só umas poucas frases estropiadas. Faz cinco semanas que está aqui, para visitar o filho mais velho, um caso totalmente desesperador, que em breve esticará as canelas. Já tem o mal em toda parte; todo o corpo está envenenado, pode-se dizer. Segundo Behrens, esse estado final se parece com o tifo. Em todo caso é horrível de se ver. E há uns quinze dias, chegou o caçula, para ver o irmão pela última vez. Aliás, um belo tipo, tal qual o outro. Ambos são bonitões, de olhos ardentes; as mulheres estavam entusiasmadas. Bem, o caçula já tinha tossido um pouco, antes de vir para cá, mas fora disso parecia completamente bom. E mal chega aqui, imagine, tem um acesso de febre, e logo 39,5! Febre muito alta, sabe? Puseram-no na cama, e se ainda chegar a levantar-se, terá uma bruta sorte, disse o Behrens. Há muito que já deveria estar internado aqui, acham os médicos... Pois é, desde então a mãe anda desse jeito, quando não se acha à cabeceira das duas camas, e cada vez que alguém lhe dirige a palavra, responde apenas: “Tous les deux”, pois não sabe dizer outra coisa, e no momento não há ninguém aqui que compreenda espanhol.

– Ah, então é por isso – disse Hans Castorp. – E você acha que ela me dirá a mesma coisa, quando lhe for apresentado? Seria esquisito, quero dizer que seria ao mesmo tempo cômico e sinistro – acrescentou, e seus olhos estavam como na véspera: davam-lhe a impressão de estarem quentes e pesados, como se tivesse chorado por muito tempo; e novamente havia neles aquele brilho que ali acendera a estranha tosse do aristocrata austríaco. De um modo geral parecia a Hans Castorp que só nesse instante acabava de estabelecer contato entre o presente e o dia de ontem, voltando a entender o nexo das coisas, o que não conseguira logo depois de despertar. Enquanto umedecia o lenço com algumas gotas de água de alfazema, para esfregar a testa e a região abaixo dos olhos, avisou ao primo que ele também estava pronto. -se você não tiver outros planos, podemos tomar café tous les deux – gracejou com uma sensação de descomedida leviandade. Joachim lançou-lhe um olhar indulgente, acompanhada de um sorriso estranho, entre melancólico e zombeteiro, conforme pareceu a Hans Castorp. Por quê? Isto era com ele...

Após ter verificado que levava consigo a necessária provisão de tabaco, Hans Castorp tomou a bengala, o sobretudo e o chapéu – sim, também o chapéu, como uma espécie de desafio, pois estava por demais seguro dos seus hábitos e de seu modo de viver, para sujeitar-se, tão rapidamente e por apenas três semanas, a costumes novos e estranhos. Assim saíram do quarto e desceram a escada. Nos corredores, Joachim apontava para uma que outra porta, mencionando os nomes dos ocupantes, nomes alemães e outros que revelavam toda espécie de origens estrangeiras, e acrescentando breves comentários quanto ao caráter e à gravidade do respectivo caso.
Encontraram, também, pessoas que já regressavam da sala de refeições, e cada vez que Joachim cumprimentava alguém, Hans Castorp, cortesmente, tirava o chapéu. Sentia-se curioso e impaciente como um jovem a ponto de ser apresentado a uma multidão de pessoas estranhas, e que ao mesmo tempo anda acossado pela sensação nítida de ter os olhos turvos e o rosto avermelhado – o que, aliás, só parcialmente era o seu caso; pois que, em realidade, estava pálido.

– Antes que me esqueça! – exclamou de repente, com certa ênfase incontida. – Você pode, tranquilamente, apresentar-me àquela senhora do jardim, se por acaso houver uma oportunidade. Não tenho nada contra ela. Que ela me diga “tous les deux”; não faz mal, já estou preparado. Sei o que ela quer dizer, e farei uma fisionomia adequada. Mas não desejo absolutamente travar conhecimento com aquele casal russo; ouviu? Não tenho a mínima vontade. É gente de péssimas maneiras, e se devo morar durante três semanas lado a lado com eles e não for possível evitar essa vizinhança, pelo menos não quero conhecê-los. Tenho motivos de sobra para pedir isso do modo mais formal...

– Está bem! – disse Joachim. – Então incomodaram muito a você? Pois é, são uns bárbaros, gente sem civilização, numa palavra. Eu mesmo já lhe disse. Ele costuma sentar-se à mesa, numa jaqueta de couro, puída que só ela. Sempre me admira que Behrens tolere isso. E ela também não anda muito asseada, apesar do chapéu de plumas... Em todo caso, não se preocupe: eles têm seus lugares muito longe de nós, à mesa dos russos ordinários; pois, além desta, existe ainda uma mesa dos russos distintos. Há pouca probabilidade de você entrar em contato com eles, mesmo que o deseje. Em geral não é muito fácil travar conhecimento, já que há tantos estrangeiros entre os hóspedes. Eu mesmo só conheço pessoalmente umas poucas pessoas, apesar de estar aqui há tanto tempo.

– Qual dos dois está doente, ele ou ela? – perguntou Hans Castorp.

– Acho que é ele. Sim, é só ele – respondeu Joachim, visivelmente distraído, enquanto dependuravam os sobretudos nos cabides, à entrada da sala de refeições. Feito isso, entraram no recinto bem iluminado, de teto levemente abobadado, onde burburinhavam vozes, tiniam talheres e corriam criadas com bules fumegantes.

Havia sete mesas na sala, a maioria em sentido longitudinal e apenas duas colocadas transversalmente. Eram mesas bastante grandes, cada qual com capacidade para dez pessoas, se bem que nem todas estivessem completamente ocupadas. Alguns passos em diagonal através da sala bastaram para que Hans Castorp alcançasse o lugar que se encontrava preparado para ele no lado estreito da mesa central entre as duas transversais. De pé, atrás da sua cadeira, Hans Castorp inclinou-se numa mesura reservada e polida para os companheiros de mesa, a quais Joachim, cerimoniosamente, o apresentou. Mal os encarou, ainda menos chegou a gravar na memória os seus nomes. Unicamente o nome e a pessoa da Srª. Stöhr lhe chamaram a atenção, e também o fato de ela ter um rosto vermelho e cabelos gordurentos de um louro acinzentado. Sua fisionomia revelava tão obstinada ignorância, que facilmente se podiam esperar dela crassos disparates. A seguir, Hans Castorp sentou-se e notou com satisfação que o café da manhã era considerado ali como uma refeição importante.
Havia na mesa tigelas com geléias e com mel, pratos com arroz-doce e com mingau de aveia, travessas com ovos mexidos e com carne fria; a manteiga figurava em abundancia; alguém estava a levantar a redoma de vidro para cortar um pedaço de queijo suíço, úmido de gordura; e no centro da mesa via-se ainda uma fruteira com frutas, frescas e secas Uma criada vestida de preto e branco perguntou a Hans Castorp o que ele desejava beber: chocolate, café ou chá. Era baixinha como uma criança, e tinha um rosto oblongo, de velha. Como Hans Castorp constatou com espanto, era uma anã. Ele lançou um olhar ao primo, mas este se limitou a dar de ombros, franzindo as sobrancelhas, como para dizer: “E daí?” Assim, Hans Castorp, conformando-se com o fato estranho, pediu chá, com especial cortesia, por se tratar de uma anã. Pôs-se, então, a comer arroz-doce com canela, enquanto seus olhos vagavam por sobre os demais pratos, que ainda desejava provar, e estudavam os hóspedes distribuídos nas sete mesas – os colegas de Joachim, seus companheiros de destino, todos enfermos interiormente, e que ali, conversando, tomavam o café da manhã.
A sala estava decorada com aquele gosto moderno que sabe dar um cunho fantástico à mais singela objetividade. Não era muito larga em proporção a seu comprimento. Rodeava-a uma espécie de passeio onde se viam aparadores, e que se abria em amplas arcadas para o interior cheio de mesas. Os pilares revestidos, até meia altura, de madeira cujo lustro imitava sândalo, e dali em diante caiados, da mesma forma como a parte superior das paredes e o teto, ostentavam faixas multicores com motivos simples e alegres, que se repetiam nos vastos arcos da abóbada pouco acentuada. Guarneciam a sala alguns candelabros elétricos, de latão polido, compostos de três argolas superpostas, ligadas entre si por um entrelaçamento decorativo; em volta da argola inferior havia uma série de globos de vidro fosco, parecidos com pequenas luas. Existiam quatro portas envidraçadas, duas em frente de Hans Castorp, na largura da sala, que davam para um avarandado, uma terceira à esquerda, que conduzia diretamente ao vestíbulo de entrada, e finalmente aquela pela qual Hans Castorp entrara, vindo de um corredor, uma vez que Joachim o guiara por uma escada diferente da que haviam usado à noite passada.
À sua direita estava sentada uma criatura pouco vistosa, vestida de preto, de tez veludosa e faces levemente febris, que dava a Hans Castorp a impressão de ser costureira ou modista, sem dúvida porque ela tomava apenas café com pão e manteiga, e porque nele a idéia de uma costureirinha fazia tempo que se associara com esse tipo de refeição. O lugar à sua esquerda estava ocupado por uma senhorita inglesa, também já avançada em anos, muito feia, com dedos magros e enregelados; lia cartas da sua terra, escritas em letra redonda, enquanto bebia um chá cor de sangue. Depois vinha Joachim e, em seguida, a Srª. Stöhr, numa blusa de lã enxadrezada – ao comer, mantinha a mão esquerda firmemente cerrada nas proximidades da face. Era visível o seu esforço de proferir as palavras com um ar de distinção e cultura, mostrando uns grandes e estreitos dentes de lebre, sob o lábio superior. Um jovem de fino bigode, e com a cara de quem tem na boca qualquer coisa de gosto repugnante, sentou-se ao lado dela e tomou a refeição em completo silêncio. Entrou quando Hans Castorp já se instalara na cadeira; saudou os comensais com um rápido gesto de queixo, enquanto ainda caminhava, e ocupou o seu assento, demonstrando claramente que não tencionava travar conhecimento com o novo pensionista. Talvez estivesse demasiado enfermo para dar atenção a esse tipo de convenções e para se interessar pelo ambiente em geral. Durante um momento sentou-se à sua frente uma jovem extraordinariamente magra, de cabelos louro-claros, que esvaziou no prato uma garrafa de iogurte, tomou-o com a colher e sumiu imediatamente.
A conversação à mesa não era muito animada. Joachim palestra cerimoniosamente com a Srª. Stöhr, informando-se a respeito da sua saúde e inteirando-se com um pesar formal de que esta deixava muito a desejar. A Srª. Stöhr queixou-se de seu estado de “lassidão”.

– Sinto-me tão lassa! – disse, arrastando as sílabas com a afetação peculiar às pessoas pouco cultas. Já antes de se levantar tivera 37,3 e quanto não teria de tarde? A costureira, como comunicou, tinha a mesma temperatura, mas declarou sentir-se, pelo contrário muito agitada tomada de uma tensão íntima, desassossegada, como se se achasse às vésperas de um acontecimento singular e decisivo, o que em absoluto não era o caso, visto se tratar de uma excitação puramente física, sem motivos na alma. Já não parecia ser costureira, por quanto se expressava numa linguagem correta até erudita. A Hans Castorp, por sua vez, essa tal excitação ou pelo menos o fato de se falar dela, causou a impressão de uma coisa até certo ponto inconveniente e quase escandalosa, numa criatura tão insignificante e prosaica. Perguntou primeiro à costureira, e depois à Srª. Stöhr, há quanto tempo já se achavam no sanatório, e ficou sabendo que aquela vivia ali fazia cinco meses, e esta há sete. A seguir reuniu seus conhecimentos de inglês para interrogar a sua vizinha da direita acerca da qualidade de chá que ela tomava – era chá de roseira brava –, e se tinha um sabor agradável, o que a senhora confirmou quase impetuosamente. Feito isso, pôs-se a contemplar a sala, onde as pessoas iam e vinham, já que o café da manhã não constituía uma refeição que se fizesse rigorosamente em comum.

Receara um pouco receber impressões horrorosas, mas viu-se logrado; o ambiente nessa sala parecia bastante animado. Absolutamente não despertava a ideia de um lugar de sofrimentos. Jovens de ambos os sexos, tostados pelo sol, entravam cantarolando, conversavam com as criadas e atacavam a comida com vigoroso apetite. Havia também pessoas mais idosas: casais, uma família inteira, com crianças, que falavam russo, e até uns adolescentes. As mulheres vestiam, quase todas, casaquinhos muito justos, de lã ou seda, suéteres, como os chamavam, ora brancos ora à fantasia, com golas voltadas para fora e bolsos laterais. Era bonito ver como andavam ou palestravam com as mãos enterradas nesses bolsos. Em algumas mesas, eram exibidas fotografias, sem dúvida instantâneos recentes, tirados pelos próprios pensionistas. Numa outra mesa, trocavam selos. Falavam do tempo, de como haviam dormido, e da temperatura que tinham de manhã, tirada na boca. A maioria mostrava-se alegre, provavelmente sem motivo particular, apenas por não terem preocupações imediatas e estarem reunidos num grupo numeroso. Verdade é que alguns se achavam sentados à mesa, com a cabeça apoiada nas mãos e o olhar cravado à sua frente. Mas os outros deixavam-nos cismar, e ninguém lhes prestava atenção.
De repente, Hans Castorp sobressaltou-se, irritado e como que ferido. Uma porta acabava de bater violentamente, a porta da esquerda, que dava para o vestíbulo. Escapara às mãos de alguém, ou foi mesmo fechada com estrondo. Era esse um ruído que Castorp abominava, e que sempre o enfurecia. Talvez se baseasse essa animosidade na sua educação, talvez proviesse de uma idiossincrasia inata; em todo caso ele detestava as portas cerradas com estrondo e tinha vontade de esbofetear a quem cometesse esse crime na sua presença. No caso particular, tratava-se, além do mais, de uma porta envidraçada, o que, pelo tinir estridente, aumentava o choque. “Barbaridade!”, disse Hans Castorp de si para si, todo revoltado, “que falta de educação!” Mas, como no mesmo instante a costureira lhe dirigisse a palavra, não teve tempo para descobrir o culpado. Contudo, assomaram-lhe algumas rugas entre as sobrancelhas louras, enquanto respondia à interlocutora.
Joachim perguntou se os médicos já haviam passado. – Sim, fizeram a primeira ronda – respondeu alguém. Acabavam de sair precisamente no momento em que os primos tinham entrado. Nesse caso era melhor irem-se embora, sem esperar, opinou Joachim. Sem dúvida encontrariam, no decorrer do dia, outra oportunidade para apresentar Hans Castorp. Mas na porta quase esbarraram com o Dr. Behrens, que entrava a passo rapidíssimo, acompanhado do Dr. Krokowski.

– Epa! Cuidado cavalheiros! – exclamou Behrens – Este encontro poderia ter acabado num desastre para os nossos calos. – Falava com a pronúncia arrastada do noroeste da Alemanha e mastigava as palavras. – Então o senhor é o tal? – disse a Hans Castorp quando Joachim o apresentou, batendo os calcanhares – Muito prazer. – E estendeu ao jovem uma mão do tamanho de uma pá. Era um homem ossudo, muito mais alto do que o Dr. Krokowski, de cabelos completamente brancos, com a nuca saliente, grandes olhos azuis, proeminentes, injetados e lacrimosos, nariz arrebitado e um bigodinho curto, um tanto torto, em virtude de um franzimento unilateral do lábio superior. O que Joachim dissera das bochechas do médico era pura verdade: eram azuis, de maneira que a cabeça formava um berrante contraste com o jaleco branco de cirurgião que ele usava; jaleco cintado, que descia abaixo dos joelhos, deixando ver as calças listadas e uns pés colossais, calçados de botinas amarelas, bastante surradas. O Dr. Krokowski também andava de trajes profissionais, mas o seu jaleco era de lustrina preta com elásticos nos punhos, e que lhe realçava ainda mais a palidez. Limitando-se a um mero papel de assistente, não tomou parte na cena de apresentação, mas uma certa tensão crítica da sua boca demonstrou que ele julgava um tanto esquisita a sua posição de subalterno.

– Primos, hem? – perguntou o Dr. Behrens, apontando para os dois jovens. Fixava neles os olhos azuis, injetados de sangue. – E o outro também está apaixonado pelo rufar dos tambores? – indagou de Joachim, avançando a cabeça na direção de Hans Castorp. – Nunca na vida; não é? Eu vi logo – agora se dirigia a Hans Castorp – que o senhor tem qualquer coisa de paisano, de comodista. Não é marcial como esse guerreiro aí. Aposto como seria melhor paciente do que ele. Nota-se imediatamente se alguém tem ou não tem vocação para ser um paciente que preste. Para isso precisa-se talento, como, aliás, é necessário para tudo, e esse ajudante de cozinha aí não mostra nem a menor sombra disso. Pode ser até que sirva para o campo de manobras, mas não tem jeito para doente. A todo momento quer ir embora, imagine! Sempre quer ir embora, e não pára de insistir comigo e de me suplicar; simplesmente não pode esperar o dia em que comecem a judiar com ele, lá embaixo. Que excesso de entusiasmo! Não nos quer sacrificar nem meio ano. E contudo leva uma vida bonita aqui. Diga o senhor mesmo, Ziemssen, é ou não é uma vida bonita? Bem, o senhor seu primo saberá nos apreciar melhor; ele vai se divertir, tenho certeza. Mulheres não faltam aqui, e por sinal são encantadoras. Pelo menos, quando vistas de fora, há algumas muito pitorescas. Mas o senhor deveria era melhorar um pouco as suas cores, para não fazer um papel feio diante do belo sexo. Dizem que a árvore da vida é verde, muito bem, mas para a cútis, o verde não me parece indicado. Totalmente anêmico, claro constatou, aproximando-se sem mais aquela de Hans Castorp e baixando-lhe uma das pálpebras com o índice e o dedo médio. – Eu disse logo que o senhor está totalmente anêmico. Quer saber uma coisa? Não era má idéia abandonar por algum tempo a sua querida Hamburgo. Não nego que seja uma cidade à qual nós aqui devemos ficar muito gratos. Sempre nos manda um bom contingente, graças à sua meteorologia úmida. Mas permita-me que eu aproveite a ocasião para dar-lhe o meu despretensioso conselho, sine pecúnia, sabe? Enquanto estiver aqui, faça a mesma coisa que seu primo. Nada melhor, no seu caso, do que viver por algum tempo, como se tivesse uma ligeira tuberculosis pulmonum, e acumular algumas proteínas. É uma coisa curiosa, no nosso meio, esse metabolismo proteico... Embora fique aumentada a combustão geral, o corpo chega a fixar proteínas... Mas então, Ziemssen, dormiu bem? Lindo, não é? E agora um passeio, vamos! Mas só meia hora, e nada mais! E depois ponha na boca o charuto de mercúrio. Convém sempre tomar nota, Ziemssen minuciosamente! Sábado quero ver a sua curva. E seu primo pode também tomar a temperatura. Controlar não faz mal a ninguém. Passar bem, senhores. Divirtam-se. Adeusinho Adeusinho...

E o Dr. Krokowski acompanhou o chefe, que continuava cruzando a sala, balançando os braços, com as palmas das mãos voltadas para trás, e perguntando à direita e à esquerda se haviam dormido bem, que todos afirmavam.

continua pág 031...

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Leia também:

Capítulo I
A Chegada
Capítulo III
O café da manhã
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A Montanha Mágica (Der Zauberberg, no original alemão) é um romance de Thomas Mann que foi publicado em 1924. É considerado o romance mais importante de seu autor e um clássico da literatura de língua alemã do século XX que foi traduzido para inúmeros idiomas, sendo de domínio público em países como Estados Unidos, Espanha, Brasil, entre outros.
Thomas Mann começou a escrever o romance em 1912, após uma visita à sua esposa no Wald Sanatorium em Davos, onde ela foi hospitalizada. Ele inicialmente o concebeu como um romance curto, mas o projeto cresceu ao longo do tempo para se tornar um trabalho muito maior. A obra narra a permanência de seu personagem principal, o jovem Hans Castorp, em um sanatório nos Alpes suíços, onde inicialmente vinha apenas como visitante. A obra tem sido descrita como um romance filosófico, pois, embora se enquadre no molde genérico do Bildungsroman ou romance de aprendizagem, introduz reflexões sobre os mais variados temas, tanto pelo narrador quanto pelos personagens (especialmente Nafta e Settembrini, aqueles encarregados da educação do protagonista). Entre esses temas, o do "tempo" ocupa um lugar preponderante, a ponto de o próprio autor o descrever como um "romance do tempo" (Zeitroman), mas muitas páginas também são dedicadas a discutir a doença, a morte, a estética ou a política.
O romance tem sido visto como um vasto afresco do modo de vida decadente da burguesia europeia nos anos anteriores à Primeira Guerra Mundial.


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