Machado de Assis
CAPÍTULO LXI / Um Projeto
Jantei triste. Não era a falta do relógio que me pungia, era a imagem do autor do furto, e as reminiscências de criança, e outra vez a comparação, e a conclusão... Desde a sopa, começou a abrir em mim a flor amarela e mórbida do capítulo 25, e então jantei depressa, para correr à casa de Virgília. Virgília era o presente; eu queria refugiar-me nele, para escapar às opressões do passado, porque o encontro do Quincas Borba tornara me aos olhos o passado, não qual fora deveras, mas um passado roto, abjeto, mendigo e gatuno.
Saí de casa, mas era cedo; iria achá-los à mesa. Outra vez pensei no Quincas Borba, e tive então um desejo de tornar ao Passeio Público, a ver se o achava; a ideia de o regenerar surgiu-me como uma forte necessidade. Fui; mas já não o achei. Indaguei do guarda; disse-me que efetivamente “esse sujeito” ia por ali às vezes.
— A que horas?
— Não tem hora certa.
Não era impossível encontrá-lo noutra ocasião; prometi a mim mesmo lá voltar. A necessidade de o regenerar, de o trazer ao trabalho e ao respeito de sua pessoa enchia-me o coração; eu começava a sentir um bem-estar, uma elevação, uma admiração de mim próprio... Nisto caia a noite; fui ter com Virgília.
______________________
Texto-fonte:
Obra Completa, Machado de Assis,
Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994.
Publicado originalmente em folhetins, a partir de março de 1880, na Revista Brasileira.
___________________________
Leia também:
Memórias Póstumas de Brás Cubas: Capítulo LVII / Destino
Memórias Póstumas de Brás Cubas: Capítulo LVIII / Confidência
Memórias Póstumas de Brás Cubas: Capítulo LIX / Um encontro
Memórias Póstumas de Brás Cubas: Capítulo LX / O abraço
Memórias Póstumas de Brás Cubas: Capítulo: LXII / O travesseiro
Memórias Póstumas de Brás Cubas: Prólogo e AO LEITOR
Nenhum comentário:
Postar um comentário