Cruz e Sousa
Obra Completa
Volume 1
POESIA
O Livro Derradeiro
Primeiros Escritos
Cambiantes
Outros Sonetos Campesinas
Dispersas
Julieta dos Santos
OUTROS SONETOS
FRUTAS DE MAIO
Maio chegou – alegre e transparente
Cheio de brilho e música nos ares,
De cristalinos risos salutares,
Frio, porém, ó gota alvinitente.
Corre um fluido suave e odorescente
Das laranjeiras, como dos altares
O incenso – e, como a gaze azul dos mares,
Leve – há por tudo um beijo, docemente.
Isto bem cedo, de manhã – adiante
Pela tarde um sol calmo, agonizante,
Põe no horizonte resplendentes franjas.
Há carinhos da luz em cada raio,
Filha – e eu que adoro este frescor de maio
Muito, mas muito – trago-te laranjas.
ETERNO SONHO
Quelle est donc cette femme?
Je ne comprendrai pas.
Félix Arvers
Talvez alguém estes meus versos lendo
Não entenda que amor neles palpita,
Nem que saudade trágica, infinita
Por dentro dele sempre está vivendo.
Talvez que ela não fique percebendo
A paixão que me enleva e que me agita,
Como de uma alma dolorosa, aflita,
Que um sentimento vai desfalecendo.
E talvez que ela ao ler-me, com piedade,
Diga, a sorrir, num pouco de amizade,
Boa, gentil e carinhosa e franca:
– Ah! bem conheço o teu afeto triste...
E se em minha alma o mesmo não existe,
É que tens essa cor e é que eu sou branca!
RISADAS
Às criaturas alegres
Fantasia, ó fantasia, tropo ardente
Da aurora alegre undiflavando as bandas
Do adamascado e rúbido oriente,
Ó fantasia, águia das asas pandas.
Tu que os clarins do sonho mais fulgente
Das Julietas feres, nas varandas,
Ó fantasia dos Romeus, ó crente,
Por que países meridionais tu andas?!
Vem das esferas, entre os sons que vibras.
Vem, que desejo emocionar as fibras,
Quero sentir como este sangue impulsas.
Noiva do sol que os sóis preclaros gozas
Para rimar umas canções de rosas,
Como risadas de cristal, avulsas...
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De fato, a inteligência, criatividade e ousadia de Cruz e Sousa eram tão vigorosos que, mesmo vítima do preconceito racial e da sempiterna dificuldade em aceitar o novo, ainda assim o desterrense, filho de escravos alforriados, João da Cruz e Sousa, “Cisne Negro” para uns, “Dante Negro” para outros, soube superar todos os obstáculos que o destino lhe reservou, tornando-se o maior poeta simbolista brasileiro, um dos três grandes do mundo, no mesmo pódio onde figuram Stephan Mallarmé e Stefan George. A sociedade recém-liberta da escravidão não conseguia assimilar um negro erudito, multilíngue e, se não bastasse, com manias de dândi. Nem mesmo a chamada intelligentzia estava preparada para sua modernidade e desapego aos cânones da época. Sua postura independente e corajosa era vista como orgulhosa e arrogante. Por ser negro e por ser poeta foi um maldito entre malditos, um Baudelaire ao quadrado. Depois de morrer como indigente, num lugarejo chamado Estação do Sítio, em Barbacena (para onde fora, às pressas, tentar curar-se de tuberculose), seu
corpo foi levado para o Rio de Janeiro graças à intervenção do abolicionista José do Patrocínio, que cuidou para que tivesse um enterro cristão, no cemitério São João Batista.
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Leia também:
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXI - Ave! Maria
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