sábado, 18 de agosto de 2018

histórias de avoinha: vomita que passa!

mulheres descalças


vomita que passa!
Ensaio 124B – 2ª edição 1ª reimpressão

baitasar





dum lado, chegava o pretu qui sangrava, desabava e subia do chão enquanto segurava com uma das mão o ôio ôco ensanguentado, vinha ladêra pra bâxo como tudo qui é bêbado aos tranco e barranco desce: inclinando e serpenteando, tateando enquanto as lágrima do sangue escorregava inté a barba descuidada e branquinha

num resmungava qui sofria

já rezingô muntu e já sofreu muntu além da conta pra sabê qui fungá e refunfá num adianta, os branquela diz qui sofre e reclama muntu mais pra tê cuidado com os pretu, eles grita de medo dos pretu, a cisma com os pretu eles aprende de piquinino, Cuidado! O negro está embriagado, Papai, ele está sangrando, Não olhe, minha filha. Não é coisa para uma menina ver, Coitado, papai, Não se engane, minha filha, esse negro deve estar fugindo de alguma briga e se deu mal, Papai, vamos ajudar, Escute aqui, minha filha. Todo negro tem dono, que o seu dono cuide dele, Mas... papai, Chega, não quero saber de nenhum incômodo. Cada um cuide dos seus, se não puder cuidar trate de vender ou dar para quem sabe o que fazer. Vamos para casa, os dois seguiu subindo enquanto o pretu continuô descendo

é de piquinino qui se entorta o pepino

dotro lado, na subida da ladêra, chegava o pretu qui era feito amostra grátis de castigo prus pretu tudo vê, e assim, desistí de sê fujão ou dá trabáio ou sê preguiçoso

os dois sendo servido pra oiadela dos branco garboso com as cara rosada e fria, dava pra vê o prazê qui os quarado na sombra sentia. o chão tava úmido. podia inté alguém inventá poesia e dizê qui o chão chora tanta dô descabida, mais num é verdade, esse chão da villa tá muntu costumado sê pisoteado com a dô dos mais sofrido, esse chão pudrento da villa tá afeiçoado em virá a cara pru otro lado, fazê de conta qui a caridade resolve e creditá qui é a vida mais natural do mundo tê escravo e serviçal pra tudo, desde alcançá um copo com água inté usá na cama pras vontade da indignidade e miséria qui cadum carrega escondido

O negrinho caiu de novo?

arrastado pisado

Sente alguma dor?

chutado chicoteado

Vomita que passa!

cuspido

uma villa doente do curação rangia os dente embaixo dos pala de lã, se ria do corpo confuso qui se arrastava com o pescoço e as mão enfiada na canga, ele aparentava com o crucificado do siô padinhu, pedaço das carne ficava no caminho toda veiz qui subia do chão. nas veiz qui tombava, o crucificado recebia ameaça pra num demorá no chão ou ia sê arrastado, Levanta, criolo!

Escutem isso! O criolo está dizendo que vai beijar as mães de vocês depois de deitar com elas!

Criolo, filho-da-puta!

Filho de uma macaca!

Beijar nossas mães? É certo ele dizer isto? Criolo, filho-da-puta!

Vamos acabar com esse criolo!

as voz anônima no linchamento é mais um esforço qui se junta ao redó do pretu pra fazê crescê o sofrimento. o resultado é um julgamento aos grito de gente perdida de sentido, qui acostumô vivê metade com medo, otra metade infeliz. a justiça num faz parte da vida, é uma invencionice dos donno da villa qui ensina ocê creditá na villa justa, amorosa e misericordiosa. num é verdade, nunca foi, nunca vai sê sem luta, mais os donno de tudo na villa faz ocê creditá qui é ruim duvidá da villa. a justiça qui cadum carrega pudrento precisa sê guiada pelos ensinamento sensato qui a vida é trabáio e sofrimento, essa é a justiça da villa: tê vida pra trabaiá prus donno de tudo... intê morrê

sangrando desabando subindo do chão

os pedaço das carne ficando na terra, adubando pru milho
e se demora desmaiado é arrastado, Sem piedade! Misericórdia só para quem é gente!

o aprisionado era muntu pôco pretu pra tanto ódio, pra tanta gente sem bondade, demasiado desumanos, tumbém é verdade qui num é toda villa qui aprecia aquela desgracêra. tem usqui reza em silêncio e promete salvá tudo qui é cãozinho de rua maltratado e com fome. essas pessoa vive arrepiada só de pensá na brabeza de deus com a villa, elas reza, treme e boceja pelos cãozinho

pelo menos, isso

tem as qui reza pra alguém oferecê ajuda e socorro de urgência, fazê da villa um lugá seguro pra durumí sem o perigo dos negrume morno, fazê as tremedêra passá inté o corpo parado se entregá a respiração do sono. dava pra sentí os anjo pra lá e cá, abrindo e fechando as maçanetas das porta. anjo fardado de branco com cabelo prateado, tocando flauta e marchando, abrindo e fechando as asa dôrada

qui bão qui os anjo passa pela villa antes de subí, assim eles vê qui na villa os cãozinho é tratado como gente. os cãozinho nunca vai aprendê a falá nem reclamá, usqui reza jura qui eles fala pelo rabinho, mais num é de propósito qui eles fala pelo rabinho, É seu instinto de anjinho, é esquisito que ninguém mais perceba que eles falam, fazem graça, sentem dor de barriga, Juro que já vi anjinho chorando, e assim, usqui reza pelos cãozinho se mistura com os anjinho, num é ruim gostá dos cãozinho, sejamô tudo cãozinho, No meu quarto tenho duas cama, numa delas dormem meus cãozinhos. Pena que não posso levá-los à missa. Começo a desconfiar sobre como eles viveriam caso eu morresse. Posso morrer, sim. Eles poderiam ir à missa ou ficar de sentinela no meu velório? Eu gostaria que pudessem, caso haja a tal missa. Quem sou eu? Isso não interessa, não mudemos de assunto. Vamos ser claros, minha família são esses cãozinhos. Espero que sejamos enterrados no mesmo claustro familiar, uma alameda de pessegueiros. Os sinos tocando badaladas lentas e tristes. Seria bonito. Desculpem-me, estou com vontade de escutar os sinos. Para sempre com a boca seca e fria. Os cãozinhos sentiriam a minha falta? Não muito, talvez. Quem cantaria para eles? Vivemos um tempo cruel e esquisito, difícil se sentir feliz com gente. Todos se preocupam mais com os espelhos e o que eles refletem. Não tenho espelhos. Até quando se pode esconder o que realmente somos? Respiramos, isso não há dúvidas, mas até quando? Às vezes, sinto falta de uma boca macia tocando meus lábios. Nem sempre quero focinhos molhados me lambendo.

num é toda villa qui aprecia essa desgracêra

tinha usqui virava a cara pra num vê o pretu sê esfoliado vivo, gente qui num atacava nem defendia, fazia qui num existia uqui via, num é fácil se escondê da dô, é preciso sabê inventá uma boa lamentação, Vamos mudar de assunto? Desgraça chama mais desgraça, gente ruim tem em qualquer lugar com qualquer cor. Precisamos valorizar as coisas boas que temos. Vamos sair daqui, usqui vira a cara e fecha usóio cai num trágico repouso, desligamento qui deixa a villa às escura, as pessoa se perde na escuridão, Bobagem, vamos continuar bebendo, falando sem parar. Como começamos essa conversa, Não sei, E como paramos, Acho que basta levantar e sair, Quer um charuto? Esse piano está horrível, Concordo, está difícil ficar aqui sentado escutando esse piano deprimente, Está me matando, vou embora, Não, por favor. Sente-se, Vosmecê não quer ver esse espetáculo deprimente. Confie em mim, Posso acender o seu charuto, Já notou como é fácil fazer as pessoas soltarem seus demônios, Calma, sente-se e fume o seu charuto. Tudo é uma questão de costume, Tudo bem, o que precisamos fazer é pensar que isso tudo não está acontecendo. Só quero que limpem as ruas, é preciso seguí carregado do fardo de sê uma pessoa do bem sem vê a quem faz o bem, Não quero nada que não me diga respeito, ninguém enchendo meu saco. Aqui estamos nós, sem ter o que fazer, usando roupas caras sem precisar fazer alguma coisa além de escutar esse piano horrível, Olhe na sua volta, a maioria de índios e negros, O que tem isto, Não tem como essa Villa dar certo.

num é toda villa qui aprecia essa desgracêra

tinha usqui reconhecia qui o pretu precisava sê escutado, contá o próprio causo, dizê uqui fez, como fez e pruqui fez, mesmo qui num credita na palavra dita do pretu. as coisa pru pretu num tava muntu boa, fala ou num fala num era causo pra sê livre, na villa num era tudo igual, nunca foi e nunca vai sê, O dia mais belo poderia ser hoje, acho que não é possível, A coisa mais fácil é errar, calma. É preciso vencer o medo de escutar, Não podemos abandonar nossos princípios de justiça, esse seria um grande erro, O egoísmo é muito ruim, mas pior é viver sem a bela distração do trabalho e desanimar como um negro preguiçoso qualquer, Olhem para as crianças, somos os seus mestres. E o que ensinamos? Escutar é útil e não custa nada? Respeitar e ser respeitado? Não, ensinamos que manda quem pode e obedece quem precisa, assim, criamos esse monstro na forma de um belo e poderoso animal de poder em uma Villa sorrindo bajuladora e servil, sufocamos nosso próprio sofrimento e gemidos. Vestimos uma máscara com aparência de idiota, Ei, calma. Eu sei que nem a vida nem a Villa são justas, elas promovem tocaias em vielas sujas e escuras, Coitado, esse negro recebeu uma bela surra, É isso, a Villa acha graça e ri. Eis-me aqui, dentro da Villa, tossindo e sufocado pelo cheiro da cachaça, Bêbado, é preciso estar bêbado para sentir essa certeza infame e triste, A força do poder pode usar seus punhos impunemente enquanto a multidão dos famintos baba pelo cheiro da carne maltratada, Covardes e ignorantes, é o que são, O Barão quer soltar o negro? Como e por quê?

continuava sangrando e desabando, ora erguido ora arrastado

abusados e desumanos, demasiados furiosos

vulto esfarrapado se esbarrando, empurrando, instigando ao otro na rua qui se afastava, desviava, caçoava, bamboleava com gritos de raiva, xingamento sujo, bolorento e mal-cheiroso, a rua túmulo, garrafa quebrando, o choro das muié, o caminho e os seus baruiô, oiá de raiva, mau e debochado, a sombra demasiada crua atingiu toda rua, ninguém sentia compaixão

Faça alguma coisa, Barão! Por favor...

o chefe das arma da villa puxô a baronesa pelo braço, num usô da força nem maltratô, mais ela assustô

O sinhô Barão está me machucando.

ele queria ficá na distância segura pra num sê espiado pelos curioso e maldoso, a voz nervosa num escondia a agitação da nervura, falô assustado

Venha aqui, minha esposa. A Villa é cheia de curiosos que além de bajuladores e intrometidos são maldosos.

num havia dúvida pra baronesa uqui precisava sê dito

Largue o meu braço.

o barão largô o braço da baronesa, deu dois ou trêis passo atráis, ela lhe acompanhô os passo pru otro lado, naquele momento, num tava preocupada com o destino dos pretu da villa, nem com a sorte dela ou do marido, só tava querendo ajuda pru pretu perseguido, maltratado, sem casa, sem futuro, ele era tudo qui era pretu da villa

A vida é cheia de curiosos e gente ruim, Barão. Não existe lugar ou tempo sem maldade. Precisamos controlar a crueldade que carregamos.

Falar é mais fácil que fazer.

Nascemos, vivemos e morremos sitiados por bisbilhoteiros e interesseiros. É preciso ter coragem para enfrentá-los. Todo ser humano acusado de um crime é inocente até ser provada sua culpa.

Isso é bonito de dizer, Maria Clara, mas quero ver enfrentar este cortejo do justiçamento carregado com as convicções do ódio.

Gritos e ofensas não são provas, Barão!

Eu sei...


Linchar é uma execução desumana.

Hoje, os maus estão no comando.

Gente sem compaixão que esquecem quem são e onde estão, vultos repugnantes!

o barão se desconcentrô da vigilância

Não são vultos, Maria Clara. Olhe à sua volta, são personagens conhecidos. Estão calçados, usam a barba dura, dentes brancos se rindo, fazendo pouco caso do aprisionado. Despenteados ou bem penteados. Respeitam mais um velho cão carregando no lombo as marcas das ruas que a dignidade do negrinho capturado. Muitos outros, que se misturam à marcha fúnebre, são como tantos que visitamos em suas casas, olhos encantadores, cidadãos de bronze esverdeados.

O meu marido é diferente.

As diferenças não são muitas.

E quando nada mais importa depois da morte? Todos não apodrecemos?

Nem quando apodrecemos somos iguais. A desigualdade se mostra onde ficam os personagens de bronze esverdeados apodrecendo, eles têm cronologia e o aconchego da terra seca. O lamaçal podre e fedorento é para os descalçados e desdentados. O lar do pobre estropiado e morto não é o mesmo lar de terra e vermes destinado aos donos de tudo.

Barão, as moscas se disfarçam nos cães, as baratas se escondem no lixo, mas nunca serão cavalos. Nunca serão fortes.

Elas são fortes, Maria Clara, porque sempre voltam.

Nascemos e morremos com pernas que não nos levam a lugar nenhum, é isso?
E quem fez os vultos desdentados e os personagens de bronze esverdeados, num esperô ela responde, oiô com sorriso pra baronesa, sem brabeza e sem maldizê, Deixe-me que me ria da sua esperteza, se não a ofende meu riso...

na resposta da baronesa num tinha riso nem petulância

Por que haveria de me ofender? Não estou pedindo esmolas. E se estivesse? Não estou matando. E se estivesse? Por que a minha culpa é maior que a culpa dos personagens de bem da Villa condescendentes com linchamentos?

A baronesa Maria Clara está falando como a negrinha Ayomide.

em otro tempo, ayomide ia mostrá sua dô com brotação abundante das lágrima, mais a vida num acumula só zanga, melancolia, grosseria e tristeza, ela ensina tê força na voz e calma no pensamento, Chega, meu bem. Não chore. Acalme-se, você precisa educar esse homem, respirô fundo sem suspirá, depois, sem declará os pensamento, retrucô o barão

Mas é a negrinha Ayomide que o Barão prefere na desacomodação da cama.





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